GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

SÓ QUEM JÁ TEM.

Quem não quer alguém para mandar flores, para passear de mãos dadas pela rua, para encostar a cabeça no ombro durante o filme, para cantar uma música enquanto se dirige, para se abraçar na noite fria, para acordar aconchegado no dia seguinte, para sussurrar no ouvido, para tirar do sério, para puxar um papo qualquer só para ouvir a voz, para compartilhar uma angústia boba, para que os amigos cantem "com quem será" falando o nome dela, para planejar uma viagem, para fazer planos genéricos, para ter uma boa razão para voltar pra casa, para sonhar junto, para combinar uma aventura, para ouvir sugestões na hora de comprar roupa, para receber uma SMS com um "oi", gratuito, no meio da madrugada, ... ?

Quem não quer um amor para ir tomar café da manhã junto naquela padaria, para compartilhar a pasta de dente, para passar o protetor solar nas costas e com carinho, para fazer cafuné na soneca da tarde, para ter para quem puxar a cadeira ou ceder o lugar, para receber elogios "como vocês são fofos", para apresentar aos pais com orgulho, para apresentar à família e ouvir a tia velha dizer "quando vão casar?", para ter de quem receber uma cartinha manuscrita cheia de sentimento em datas especiais, para vagar de carro na madrugada contando bobagens, para beijar no elevador como se isso fosse privacidade, para olhar outras pessoas na rua e dizer "a minha garota é melhor", para fazer juras de amor eterno, para entender a ternura entre duas pessoas, para se afogar na plenitude de si mesmo, de um si mesmo que só é possível com o outro e tão somente no outro?

É... quem não quer alguém para dizer "eu te amo" e ouvir "eu também"?
Só quem já tem.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

OPERADORA DE CELULAR

(ou ensaio sobre 'turns on')

Certa vez, ouvi de uma amiga que não nos apaixonamos por pessoas, mas por traços em pessoas. Não sei se de todo concordo ou discordo, essa é uma boa indagação. Sei que faz algum sentido: sempre há aquele detalhe que nos chama a atenção e nos ressalta um diferencial na pessoa, às vezes uma besteira qualquer, a selar o suposto premente êxito daquela combinação existencial chamada casal. Um diferencial que revela alguma afinidade, como se na vida nosso fardo (ou benção) fosse encontrar um semelhante em meio a tanta gente diferente, isto é, fazer da semelhança o diferencial entre um e os tantos outros diferentes, por mais que assemelhados entre si na estranheza (indiferença?) que causam aos nossos códigos e corações.

Apaixonamentos são também das mais curiosas emoções. Por vezes revelam fetiches da alma, especificidades sentimentais, fantasias do coração, não necessariamente carregadas de lascívia, pelo menos não naquele momento, nem por aquela razão. Bem, (ainda) há quem se derreta em amores por uma posição moral específica que o outro possua, por um sonho de vida partilhado, por um passado sofrido semelhante, por todo um caldo de referências em comum. Religiões, filosofias, tradições culturais, a pertença a certo povo. Tudo isso nos identifica e nos aproxima. E com razão.

Em algumas vezes, a coisa é mais física e sensorial. Um jeito específico de olhar, de dançar, uma certa forma de dizer "oi", um toque provocativo, sardas, covinhas, cabelos de cor assim, olhos de cor assada, uma pele macia... Por vezes, o magnetismo é inconsciente. Dele só nos damos conta quando a falta nos bate à porta, inexorável. Como drogados, sentimos verdadeira crise de abstinência, como quando andamos na rua e uma brisa incauta nos carregas para dentro do nariz o perfume da pessoa, como um combustível de alta octanagem a fazer florescer de modo incendiário as piores e melhores memórias a ela associadas.

Noutras vezes, a paixão se sugestiona por besteiras culturais quaisquer. Desculpe-me por subestimá-las de plano. Sabe aquela pessoa que gosta dos mesmos filmes, dos mesmos livros, das mesmas músicas, dos mesmos jogos e tem um certo estilinho? Aquela menina que gosta daquela banda que ninguém conhece. Ou aquela menina que - what the hell!? - também joga aquele RPG online. Não importa quem ela seja, vai parecer uma enviada do destino. Alguém mais do que especial. Também pode ser só uma poser inteligente que arrumou um nicho onde se sabe mais valorizada. Não tem jeito: a adolescência envolve cair nesse engodo. Eu mesmo já achei que óculos de armação grossa fossem indício de todo um conjunto de características positivas. Hoje fico desconfiado de ser uma qualquer querendo pagar de inteligentinha/estudiosa ou uma hipster blasé que vá se incomodar com minha breguice genuína ocasional.

Contudo, as afinidades mais estranhas, nem por isso menos relevantes, são as operacionais, logísticas, utilitárias, práticas. Elas estão longe de serem necessárias, muito menos suficientes, para fazer brotar qualquer sentimento de proximidade romântica. Mas uma vez acontecendo o pontapé inicial romântico, elas prestam um papel importante em alimentar a coisa. E, por vezes, servem como critério eliminatório. Podem parecer frívolas, materialistas, coisa de gente vazia, a antítese do amor genuíno e desinteressado, o que até tem seu fundo de verdade. Mas não podem por isso ser ignoradas: entendê-las não implicará perdoá-las. Não necessariamente.

Afinal, como conta pontos positivos a seu favor alguém que more perto! Alguém que tenha um carro e saiba dirigir para viajar aos fins de semana sem grandes perrengues de rodoviárias. Alguém que não seja chata para comer, no sentido (você pensou em outra coisa!) que possa acompanhá-lo em qualquer restaurante. Alguém que tenha horários noturnos e não vá morrer de sono no seu auge metabólico. Alguém sem muitos amigos, para não ter muito com quem dividir horários. Ou alguém com muitos amigos, para quem sabe se fazerem novos amigos. Alguém que entenda de algum assunto técnico o suficiente para quebrar um galho cotidiano. Alguém com uma família legal para se aturar (quem sabe amar) nos eventos dominicais. Alguém que não tenha tatuagens ou piercings indiscretos para a vovó não ficar constrangida. Enfim, alguém que permita um relacionamento sem grandes esforços, sem grandes sacrifícios: os pequenos são bem-vindos como uma sacudida à sempre iminente monotonia.

E - por que não? - alguém que tenha a mesma operadora de celular. Ajuda muito. Com os planos ilimitados em voga entre usuários da mesma companhia, nada mais oportuno do que poder ligar e mandar mensagem sem se preocupar com a conta ao final do mês. Cuidado para não virar um telechiclete.  Fato é que uma maior viabilidade financeira do relacionamento não deixa de ser uma afinidade. Uma vez correspondida, é mais uma razão para correr para o abraço.

Contudo, se a operadora for diferente e a pessoa ainda assim valer a pena, também não tem problema: já inventaram a portabilidade. Você pode correr imediatamente à loja da operadora para se perfilar ainda mais ao ser amado. Afinal, nem só de telepatia vive o amor. Um telefonema de vez em quando ainda é bem-vindo. Se for de graça, então...

sábado, 10 de novembro de 2012

A NOSTALGIA DO QUE NÃO TIVE

Admiro-me com a minha capacidade de lamentar sobre coisas que não aconteceram no passado.

Queria ter certas coisas na minha história de vida que simplesmente não tive. Alguns acontecimentos que eu muito quis à época e não se concretizaram, outros que à época eu nem quis, mas que, olhando retroativamente, poderiam ter acontecido.

Fico pensando se essa é uma forma de arrependimento. Porque parece. Analisando bem, contudo, não é o caso necessariamente. Com certeza, algumas coisas deixaram de acontecer porque eu pensei mal, escolhi mal, hesitei muito: faltou vontade ou força de vontade. Confesso que dessas eu me arrependo muito.

Outras coisas, contudo, deixaram de acontecer por mera imaturidade da minha parte. Acontece: trair isso seria negar de alguma forma minha própria humanidade. Enxergo-as como um passo necessário ao crescimento: "faz parte".

O que não entendo é como que as coisas que mais me comovem, talvez porque a perplexidade diante da própria comoção potencialize a própria comoção, são aquelas que não aconteceram, não obstante toda a minha vontade, todos os meus esforços, toda a minha gana existencial, todas as minhas intenções vertidas em orações. Coisas que não aconteceram mesmo diante de circunstâncias favoráveis. Coisas que não aconteceram muito embora parecessem simplesmente fadadas a acontecer. Coisas que pareceram inevitabilidades do destino. De um destino que me traiu.

Fatalismos à parte, como se arrepender disso, se não consigo ver os passos em falso, onde errei, onde mal avaliei? Ou errei e não sei? Por que pensar nisso, afinal? Ainda vai acontecer? Pode o futuro redimir alguma lacuna do passado?  Por que já chorar o leite derramado quando eu não o derramei? Por que lamentar um azar se sobre ele nada se pôde fazer?

Para variar, os piores lamentos são os do setor coração. Principalmente os da adolescência. O convite que não aconteceu, a paixão notória que nunca deixava de ser segredo, as outras pessoas que apareceram na vida para embaralhar as cartas, a timidez recíproca, os medos de tudo. Aquele namoro ginasial que nunca se concretizou, mas que não lhe permite olhar para um casal de treze anos sem se lembrar da paixão frustrada. 

Aquelas pessoas especiais com as quais coisas especiais deveriam ter acontecido, mas nunca passaram do quase. As pessoas não tão especiais que ocuparam esses espaços que não lhes era de direito  - e a sensação renitente de que algo poderia ter saído melhor. Os desencontros do pêndulo amor-amizade em diversos momentos da vida: quando um queria, o outro não. A sintonia parcial. O descompasso dos ritmos cotidianos. As distâncias, geográficas ou não. O medo de magoar pela decepção diante de tanta expectativa. O medo da transformação em realidade significar a ordinariedade das coisas.  O medo de experimentar o idealizado e perder essa reserva de perfeição a alimentar tantos sentimentos intensos.

Eternas molduras sem quadros. Páginas vazias no álbum de fotos. Linhas em branco no caderno da vida. Silêncios, mas silêncios eloquentes. O nada nostálgico. Sem sépia, sem memorabilia, sem coisa alguma. Lembranças cujo gatilho é o vazio. Como um fantasma pessoal de estimação.

domingo, 4 de novembro de 2012

o beijo.

Era madrugada de domingo para segunda e, numa esquina do Leblon, em pé no meio-fio, quase pisando a pista dos carros, um casal se beijava ardorosamente. 
E se beijava...
E se beijava...
E se beijava...
Haja gerúndio (rectius, pretérito imperfeito) para descrever a continuidade. Não era um beijo lascivo, mas também não era um beijo apaixonado. Era tão somente um beijo intenso, genuíno, gostoso.

Todo mundo passava e olhava. Estava ali para qualquer um devassar a intimidade que o casal escolhera compartilhar e dali imaginar o que quiser. Outros casais olharam desconfiados. Grupos de meninas passaram com cara de estupefação e censura. Grupos de meninos por pouco não deram uma zombada. Um casal de idosos lançou um olhar pudico. Quem não estava de passagem, se punha a observar atentamente. Os garçons da lanchonete e o segurança da rua já brincavam: "será que querem quebrar algum recorde?" De fato, parecia... 

Tomei meu suco, pensei na vida, chequei minhas mensagens, troquei um lero e o casal continuava ali. Não iam se afogar em saliva? O fôlego em algum momento não ia acabar? O tédio? Não iam querer dar um passo à frente e ter que arrumar um quarto?

O beijo seguia em movimento retilíneo uniforme... Uma hora chegou a ficar monótono. Não tinha mão boba, não tinha arroubos, não tinha palavras ao pé do ouvido. O casal só se beijava, se beijava, se beijava, numa falta de constrangimento que eu particularmente só me permitiria por pouco tempo.

Contei quarenta minutos de um beijo ininterrupto. Como pode? Fui embora e eles ainda estavam se beijando. Passei de carro e olhei de perto. A vontade de buzinar era imensa, mas eu me segurei para não parecer a mim mesmo um recalcado, nem um intrometido.

A coisa até que estava com cara de armação. Suspeitei que fosse ação publicitária, câmera escondida, experimento de psicologia ou coisa do tipo, e que, ao final, os observados seríamos nós, os espectadores do espetáculo, em reação à cena inusitada.

Mas, apesar de algum ceticismo, acabei por ceder à máxima de que o amor é lindo, aposta uma ressalva: nem tudo o que é bonito é para se mostrar.

Em seguida, ouvi uma música romântica. Confesso que estava um pouco embalado. É, ainda sei me comover com pouca coisa e com breguices ostensivas. E um beijo ainda é um beijo.