GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

sexta-feira, 25 de maio de 2007

a janela que tudo ouve, mas nem tudo vê.

O carro seguia.

A dona de casa lavava a louça.
A criança dormia.
A idosa assistia à televisão.
O casal bebia.
O vestibulando estudava.

O carro freou.

A dona de casa deixou o prato cair.
A criança roncou.
A idosa mudou de canal.
O casal se serviu de vinho.
O vestibulando perdeu sua concentração.

O carro começou a cantar pneu.

A dona de casa fitou o prato em cacos.
A criança mudou de posição.
A idosa mudou de canal novamente.
O casal fez tim-tim.
O vestibulando bateu na mesa.

O carro bateu.

A dona de casa foi para a janela.
A criança acordou sobressaltada e foi para a janela.
A idosa pegou sua bengala e foi para a janela.
O casal levantou-se e foi para a janela.
O vestibulando pulou da cadeira e foi para a janela.

Olharam, olharam... nada.

A dona de casa foi recolher os cacos do prato.
A criança voltou à cama.
A idosa voltou para a poltrona, pois a novela já ia começar.
O casal pôs-se a bebericar.
O vestibulando tornou a estudar.

O carro, bem... devia estar na rua de trás.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A HORA DE ABRIR O GUARDA-CHUVA

Estou andando pela rua e começa o leve ruido da chuva. Ela vem rala, inconstante, incapaz de alterar minha indiferença. As pessoas, porém, apertam o passo, pois não querem chegar molhadas. Algumas abrem o guarda-chuva, mas o meu está no fundo da mochila, lá atrás.

A chuva engrossa um pouco. Os óculos recebem alguns pingos por conta do vento que a faz cair oblíqua. Nada que atrapalhe significativamente a visão, mas que é capaz de trazer alguma irritação. A pele já está úmida, mas continuo a andar sob a chuva. Não vale a pena pegar o guarda-chuva, daqui a pouco ela deve parar.

Mas ela não desiste. Pingos mais grossos começam a cair e a camisa já parece um tanto molhada. O cheiro de chuva torna-se forte. Cheiro estranho, ora aprazível, ora repugnante. Algumas pessoas buscam se proteger como podem: colocam sacos plásticos na cabeça, andam curvados, entram numa marquise. Os mais precavidos abrem o guarda-chuva. Aliás... porque não abro o guarda-chuva?

Não vou parar pra decidir, dane-se. Vamos pernas, rápido. Não olha em volta, não olha em volta. Andar firme e decidido, andar firme e decidido. Marchando, marchando, correndo. Pára, chuva, porque eu não quero parar pra pegar o guarda-chuva! Pára!

[...]

Essa filha da mãe conseguiu me tirar da indiferença, mas afirmo com plena certeza que ela é totalmente indiferente a mim. Essa insensível, incapaz de ouvir os meus clamores... Vai refrescar o inferno e o diabo, vai!

Mas então ela me ouve. E aumenta. E aumenta. E aumenta. E tudo fica molhado. E a água sobe até minhas pernas, sobe até o meu peito. Está formado o dilúvio.
E vem Noé, com sua barba encharcada, suado e meio p*** da vida por estar trabalhando em condições insalubres. Ele me leva para sua arca.
Onde está o meu par belo e maravilhoso para continuarmos a espécie?
- Já tá aqui de favor, estou salvando você desse aguaça... não reclama! - responde o velho.

[...]

Puta merda, onde fui me meter?
Ai... meu guarda-chuva, querido guarda-chuva, onde você está?
Mas agora já é tarde...