GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

FAZENDO JUSTIÇA - Discurso do orador na formatura DIREITO UERJ 2013.1

Compartilho com vocês o discurso que escrevi e proferi enquanto orador de turma na solenidade de colação de grau do curso de Direito da UERJ, nesse último mês.


FAZENDO JUSTIÇA

(ou “desculpas” e/ou “muito obrigado!”)
2 de setembro de 2013.


Caros formandos, professores, funcionários, familiares e amigos.

Foi com prazer – e alguma apreensão – que recebi e aceitei a honra de falar em nome dos quase setenta formandos que de modo merecido aqui estão a comemorar a conclusão do bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Missão difícil porque, num universo de setenta pessoas tão diferentes e não tão entrosadas (sejamos francos), é duro equilibrar a generalidade de um discurso com a sua visceralidade. Porque a generalidade cobra o preço da pouca significância e a visceralidade cobra o preço da receptividade seletiva. Equilibrar-se num discurso de formatura é não deixar que se fale pouco a muitos, nem que se fale muito a tão poucos.

A solução para esse difícil equilíbrio, contudo, parece relativamente óbvia quando se está a falar de estudantes de Direito, e muitos outros oradores em formaturas como a nossa já perceberam isso. Afinal, se há algo que simultaneamente aparenta nos congregar enquanto um grupo profissional e nos arrebata em profundidade é a pulsão por FAZER JUSTIÇA. Fazer justiça! Então, problema resolvido: eu falo sobre fazer justiça, o papel do jurista na defesa das liberdades, na luta contra as desigualdades sociais, na consciência crítica perante a letra fria da lei, na sensibilidade de “humanista” perante o sistema reinante, na nossa capacidade de fazer um “mundo melhor” a partir de agora e... pronto. Todos aplaudem, os formandos exultam de alegria, recebem seus canudos e voltam para casa eivados de inspiração... Os pais sentem ter parido verdadeiros missionários de um belo porvir, tudo no script... Justo assim, amigos?

Ocorre que, como esses cinco anos de faculdade e alguma vivência jurídica certamente nos fizeram constatar, a vida no Direito não é bem por aí. Falar da vida jurídica dessa forma seria mentir um pouquinho a nós mesmos e sobre nós mesmos. O desafio de “fazer justiça” nos meandros do mundo jurídico vai além da mera exortação do valor justiça, do mero compromisso em fazer o certo, da evocação de postulados éticos, da indignação com o mundo, do conhecimento do universo das leis, ainda que tudo isso continue a ser importante e salutar. Mas mesmo funcionando como poderosa estratégia retórica, a verdade é que bradar a realização da justiça não resolve problema algum: como sabemos, as maiores atrocidades do século XX foram cometidas em nome de projetos de justiça e de concepções sinceras e sofisticadas do que seria o bem.

Mas como esse não é um discurso sobre filosofia do direito, hoje vos quero falar sobre “fazer justiça” no sentido mais comezinho (e comedido) da expressão, que NÃO é o sentido, digamos, intransitivo de fazer justiça, o sentido próprio à filosofia moral, aquele que se põe à busca do certo e do errado a ser feito. Na verdade, falo do sentido transitivo de “fazer justiça”, isto é, o sentido de “fazer justiça a algo ou a alguém”. Acredito que essa seja uma forma justa de ser justo, ao menos num momento especial como o dia de hoje. Assim, como uma ode ao comedimento, quero aqui fazer justiça a coisas singelas, mas nem por isso menos significativas, no que farei passeio que vai da autocrítica à gratidão.

Em primeiro lugar, quero fazer justiça a quem somos. Antes garotos e garotas, hoje homens e mulheres. Das mais distintas origens, bagagens, convivendo no ambiente plural, e às vezes perturbadoramente plural, que é a nossa UERJ. Pessoas com inspirações e aspirações distintas a nos mover. Pois bem: cinco anos nos uniram em uma convivência, para dizer o mínimo, respeitosa e cordial. Amigos, conhecidos, festas, farras e amores, correspondidos ou não. Estudos? Para alguns, muitos estudos. Para outros, nem tanto. Mas todos um mínimo fizemos: ora, estamos aqui! Fato é que não apenas nos sentamos, como também nos sentimos, nas fileiras de um mesmo barco, quase uma mesma galera, ora a navegar de vento em popa, ora a naufragar solenemente em meio aos problemas: os nossos e também os problemas da UERJ.

Ah UERJ, querida UERJ... também quero lhe ser justo: como não manter uma relação de amor e ódio? Mas... é com alguma ponta de nostalgia que ora me despeço de você, mesmo que muito tenha ansiado para que esse dia derradeiro chegasse. UERJ, você testou minha paciência com seu complicado jeito de ser. Vocês sabem, a UERJ não é para leigos. Mas vendo pelo lado bom, porque hoje não é dia de lamúria, devo dizer: sua penúria também muito me ensinou. Me ensinou a fazer mais com menos. E me ensinou a valorizar devidamente aqueles professores e funcionários que com louvor carregam nas costas o serviço público, nunca perdendo o bom-humor e a solicitude. A esses, muito obrigado! Porém, se algumas coisas porventura faltaram nesses cinco anos – ou será que estava eu mal-acostumado? -, não nos faltaram orgulho e responsabilidade por ter integrado o material humano de primeiríssima qualidade do nosso sétimo andar. Dizer que se estuda na Faculdade de Direito da UERJ é por si só uma credencial a abrir muitas portas. Mas isso cobra uma equivalente contrapartida, isto é, a expectativa alheia de que ajamos com a excelência que nossa tradição consagra desde 1935. Muitas gerações de brilhantes juristas nos precederam e muitas outras nos sucederão: nossa missão é não fazer feio e honrar as quatro letras de sua sigla permanentemente em nossos currículos. Uma sigla inconfundível sob o “r” rasgado do carioquês. É, UERJ, quem sabe eu também sinta sua falta...

Também quero fazer justiça aos professores que tivemos. Todos serviram como exemplo: uns do que efetivamente ser, outros do que JAMAIS ser. A verdade é que num geral fomos brindados com muitos mestres, alguns dos quais hoje homenageados, aqui também representando a outros não expressamente lembrados, mas também não tacitamente esquecidos, por conta da absoluta falta de espaço a comportar tantas as homenagens quanto as merecidas. Com o recebimento do canudo, caros professores, não se esvairão de nossas mentes seus ensinamentos de matéria, suas lições de vida, suas provocações intelectuais, muito menos a inspiração que nos transmitiram com brilho nos olhos.

Cabe também fazer justiça a quem trabalhou e pagou por tudo isso. Isso, é claro, para além de nossos pais e responsáveis, desde o início suportando de diversas formas nossas expedições acadêmicas. Mas não é deles que estou falando: refiro-me aos patrocinadores difusos de nosso sucesso concreto. É que, como diz o adágio da teoria econômica, “não existe almoço grátis”. O mesmo, vejam só, vale também para a educação pública dita gratuita. Assim, aos milhões de contribuintes fluminenses que, talvez até a contragosto, nos permitiram estar aqui com o suado dinheiro de seus impostos, dedicamos um pedido de desculpas por nossas falhas no bom aproveitamento desses recursos e, de coração, agradecemos o mecenato.

Por fim, e em tom auspicioso, quero fazer justiça a quem podemos ser num futuro próximo. (Essa é a parte mais difícil) Em mundos necessariamente imperfeitos, a vida se mostra injusta, vacilante, desigual, imprevisível. E, pasmem, nenhum princípio constitucional irá resolver! É claro que nossas possibilidades enquanto juristas passam pelos conhecimentos sobre materiais jurídicos, mas neles elas não se esgotam. Por vocação da carreira ou por mera contingência, nosso quase presente futuro no mundo do direito envolverá gerir dramas humanos de pessoas reais, o que abrange fazer escolhas trágicas do modo menos trágico, abrange não tropeçar em fatos inseguros a confundir o nosso juízo e, também, abrange não se deixar iludir por fraseologias tentadoras, não raro em nome do próprio direito, que buscam abreviar caminhos sinuosos valendo-se de mentiras úteis.

Para esses desafios, contudo, não fomos – e nem poderíamos ter sido – treinados nos últimos cinco anos. Assim, qualquer que seja nossa sorte, uma boa dose de maturidade nos será especialmente útil daqui em diante. Frutas, quando maduras, caem. Mas homens e mulheres, quando maduros, se sublimam. Nosso caminho deve ser para o alto, sempre.

Uma primeira etapa hoje completamos. E, claro, como eu estava falando de fazer justiça, nada mais justo que a celebremos. Contudo, não podemos exagerar no auto-deslumbramento de uma missão bem cumprida. Porque a faculdade, amigos, até pode nos ter dado algum conhecimento – e certamente nos deu -, mas a vida nunca nos deixará de exigir sabedoria.

Muito obrigado.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A velha auto-indulgência em não passar filtro solar no mormaço

Esses dias ouvi em conversa alheia, dessas que chegam ao ouvido implacáveis como perfumes de estranhos, uma mulher falar a seguinte frase: "a gente sempre acha que mormaço não queima, né".

"Mormaço não queima" ocupa um lugar de honra naquele rol de mentiras que sabemos ser mentirosas, mas que nos permitimos repetidamente viver por pura leviandade e preguiça. Quem nunca olhou para um céu nublado vertendo mormaço e pensou que jamais iria se queimar da mesma forma que num tremendo dia de sol de verão?

Tenho preguiça de passar filtro solar em qualquer outra situação que não aquelas em que o sol seja uma "função" no meu dia. No fim das contas, acabo passando filtro solar apenas quando o dia está lindo e eu sei que vou ficar muito tempo exposto ao sol, porque aí não consigo negociar com minha consciência.

Tirando dias "lindos", se me perguntarem se eu deveria ter passado filtro, eu diria que sim. Mas um "sim" sem convicção, quase que por vergonha em admitir um comportamento viciado, um "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço". Lá no fundo, há uma crença latente, de uma fé quase inabalável, quanto ao fato de o mormaço não queimar, quanto ao risco corrido ser muito menor por ser apenas um mormaço, a ponto de não valer a pena passar o filtro solar at all. Como se o infortúnio da vida só incidisse sobre os outros.

Menos que isso e ficamos neuróticos.

Antigamente, eu dizia que eu só aprendia com erros quando errava pela segunda vez. Precisava ter certeza demais para poder confortavelmente contrariar minhas melhores intuições. Achava um comportamento epistemicamente correto... mas quanta pretensão! Talvez fosse só um jeito legal de dizer que, na verdade, só sofro de um excesso de otimismo, ocasional e seletivo, como se sempre dissesse que "comigo vai ser diferente". Nunca é tão diferente.

Como statements blindados sobre o mundo e contra o mundo, como verdades cujas fichas não caem, essas mentirinhas que contamos para nós mesmos vão funcionando como pequenas auto-indulgências diante da vida. Elas amolecem nossa existência. Estamos sempre a nos perdoar por transgredi-las, não importa o quão óbvio seja o passo em falso que se toma ou o preço amargo que se paga. Pouco faz diferença ter podido antecipar as consequências. Se aconteceu errado, não é nossa culpa. Ou não foi por causa daquilo. A causalidade vira nossa amiga e cúmplice: nunca foi ela. O azar, nosso inimigo, nosso algoz. Não estamos mais no controle.

Vamos acumulando nossas mentirinhas. Como uma fraqueza de espírito bem justificada. Como um pecado bem "pecável". E com a frivolidade de quem nem precisa pedir perdão.

No fundo, devemos estar certos, né?