GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

ué mas eu não sei

certezas e incertezas me assolam...
não preciso da verdade:
eu preciso é da certeza.

outro dia eu fiz uma pergunta e uma proposta...
e me tascaram de resposta:
"ué, mas eu não sei..."

o silêncio se instaurou nas reticências
fui eu quem não soube o que fazer!
e nem o que dizer.
mas na dúvida alheia produzi uma certeza:
tô fora de gente indecisa!

doeu um pouquinho, devo dizer.
o "não sei" na verdade era só para atenuar
a impossibilidade cabal de interação
entre quem tem certeza de querer
e quem tem certeza de não querer,
mas não tem coragem de falar.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

desaprendi a curtir uma fossa

Desaprendi a curtir uma fossa e hoje me vejo no dilema: a fossa é melhor curtindo ou não curtindo?

Por muito tempo eu pensei que curtir uma fossa era algo que me tornava mais digno: era a solenidade moral de suportar a própria humanidade. Vítima da própria tragédia, sofrer enobrecia e me tornava altivo, e, como um título de capitalização, acreditava que cada lágrima derramada me contaria créditos para depois, na justiça divina das compensações, trocar por momentos de alegria. Escravo da fantasia, nada era tão alegre quanto imaginar um momento de alegria quando eu estava triste: um sorriso esboçado é como uma gargalhada, as cores são mais vívidas e o mundo é fluido.

Não sei mais o que é curtir uma fossa. Talvez porque a fossa mais fosse problema bioquímico do que os fatos e os acidentes da vida. Estar na fosssa hoje para mim é raro, o que é muito bom. Mas a mesma humanidade que eu suporto - e admiro - é inexorável em não fazer da felicidade uma constante. Do contrário, a própria felicidade não faria sentido ou não teria enlevo, pois que parâmetro haveria para ela se sobressair?

Não sei mais o que é curtir uma fossa. Simplesmente não sei mais escolher aquela música que me deixa reflexivo, complexo e mergulhado nos meus pensamentos. As baladas funestas de outrora hoje me soam artificiais: não consigo mais me enganar. O lirismo da poesia é forçado: o amor romântico é superado pela realidade, como se um filme de drama tivesse virado um documentário em primeira pessoa, nu e cru. As memórias não mais me comovem, os traumas estão bem resolvidos e as esperanças frustradas do passado viraram uma lembrança neutra de uma ingenuidade superada.

Hoje sofro como quem cumpre uma formalidade e enfrenta os ossos do ofício da própria vida, como alguém que encara o tráfego para voltar para casa ou que espera a fila do restaurante para conseguir uma mesa... Sofro de bom-humor, quase zombando de mim mesmo, como quem vive um pesadelo com a certeza de que é só um pesadelo. Como quem assiste agoniado um filme de terror, mas não perde a noção de que está diante de um filme. Sofro pelo suspense da vida, só para ter um pouquinho de emoção. Se antes curtir a fossa significava um momento estranho de alegria dentro de uma tristeza maior, hoje a fossa é a própria imperfeição da boa vida, a contingência triste da própria felicidade.

Sofro sendo feliz.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

eu quis escrever um texto. fiquei quinze minutos tentando e nada saiu.

foi por auto-censura? um pouco.
foi por expectativa de hetero-censura? também.
foi por falta de inspiração? de leve.

a frustração é tamanha e dessa vez não pude deixar de compartilhar.

sábado, 14 de agosto de 2010

o futuro é auspicioso

(ou crise de pouca idade)

o futuro é auspicioso
morar bem
casar bem
ter belos filhos
ganhar bem...

viajar para itaipava nos fins de semana
e para a europa nas férias de julho
comer fora com a família aos domingos
ler o jornal numa confortável poltrona

os dias cinzas serão prosaicos. não tem problema!
nos dias quentes darei voltas na lagoa,
tomarei água de coco no mirante,
passearei pelo parque lage.

a noite verei o fantástico, sem neuras.
depois, terei um sono dos anjos, finalmente.
acordarei na segunda-feira com um puta café da manhã,
o qual eu degustarei com a fome de começar uma nova semana.

dirigirei um carro automático grande
e passarei pelo Aterro, de óculos escuros,
do jeito mais "little joy" possível.
(de terno, indo para o trabalho)

trabalharei poucas horas, mas farei muita diferença no mundo.
se voltar cedo para casa e for horário de verão, ainda dá tempo de ir à praia.
ou só tomar um suco.

sem medo da rotina. sem medo da velhice.
ah sim, aposentadoria integral para morrer bem!


não sei se é pedir demais.
mas graças a deus que ainda posso sonhar.

A-VENTURA DE NOVEMBRO

(nota: estou abrindo o baú)

(DEZEMBRO/2008)

A ventura de novembro mais foi uma aventura, ou, talvez, um devaneio do ingrato acaso, ao qual hoje rendo minhas homenagens por tamanha engenhosidade.

Fui flamenguista por um mês. E isso já diz muita coisa, embora nada houvesse de futebol no meio disso.

O prólogo da aventura se desenrolou num armazém em clima de luto pós-eleitoral que de pronto se reverteu tão logo foram despertadas as paixões íntimas, introvertidas, mas controversas. E depois, o encontro casual nos pirineus franceses da praia rubro-negra, lá do décimo andar, em que tudo era branco e macio sob uma bandeira do Brasil, com dores nas costas e olhares que se prolongavam em não quererem se desencontrar, pedindo o que depois, não tão depois, viria.

Um não tão depois que durou pouco menos que uma semana, algum tédio, e muita gastação de francês e cultura de cinema Estação. E tudo começou a acontecer numa sexta em que quase chovia, ainda que ninguém quisesse ir à praia ou à piscina, coisa de quem anda de mal com São Pedro, sempre a lançar suas maldições meteorológicas.

Uma sexta que não teve cinema no Estação, mas a distância das cadeiras azuis nocivas à coluna, ah minha coluna, e os papos alheios que envolviam viuvez, barcos e o tempo. Uma distância que foi se superando quando as mãos se aproximaram, quando a conversa convergiu e quando os olhares novamente se encontraram não mais querendo se desencontrar, exceto por uma vergonha boba, daquelas bem singelas, que encerram os sentimentos mais sutilmente gostosos que o ser humano gosta de viver, o que nos distrai e nos alimenta o inquieto comboio de cordas.

Por fim, e era só o começo, os olhos novamente se encontraram, sintonizaram-se como antenas da alma e fecharam. Fecharam porque se fizeram prescindíveis quando tudo o mais já estava junto, juntinho, e os óculos se encostavam, se tocavam, se estalavam e se embaçavam, como uma metonímia para dois intelectos que convergiam em carne. E dali foram para um céu de diamantes cafeinado.

O domingo estava de um sol maravilhoso, porque ninguém levou roupa de banho. A contradição estava no ar condicionado, na biblioteca e nos livros, que se venceram pelos sucos, pela pizza, pelo calor do outro, pelas obras da lanchonete, e pelo centro preto e seu sofá cultural, muito melhor, embora menos simbólico, que o banquinho de madeira duvidosa dali não muito distante.

Os dias seguintes foram os maravilhosos dias seguintes. Ora chuva, ora sol, algum descontentamento de São Pedro e de outro não tão santo assim. Vivia, sem me dar conta, uma contagem regressiva previamente anunciada, a qual eu ignorei em achando que comigo seria diferente. Uma contagem regressiva rumo a não se sabia quando, que degenerou em não saber como.

As mensagens, as entonações, os olhares, os beijos, os carinhos, os segredos, os "te adoro" e "psius" não ditos, mas sussurrados a um coração efervescente e enfeitiçado... tudo indicava o caminho de uma crescente entorpecedora, capaz de distrair, capaz de, por conta da dedicação exclusiva, fulminar o olhar atento de quem cria, como se a função poética tivesse sido emprestada a mais nobre serventia e em seu lugar entrasse, como mero tapa-buraco, a infrutífera e egoísta função metalingüística.

Os encontros no meio da semana, no corre-corre das semanas de provas, os almoços apressados, a ventania entre os dois grandes prédios anunciando o tempo a mudar... O namoro num dos parques da cidade, num sábado sabático que dormiu pouco para acordar cedo sobre os cacos da sexta que avançou incauta pela madrugada. O namoro nos banquinhos de madeira verdadeira, à sombra de um dia nublado e das árvores que o espírito pueril ousou escalar, sob uma chuva rala e fria que pedia licença poética para cair em tão caloroso momento.

O bolo estava pronto e nele faltava uma cereja. A cereja do pedido em namoro, que eu entendi como ato declaratório quando a todos, e a quem realmente importava, parecia ato constitutivo. A cereja da minha hesitação, que deveria ser posta em cerimônia, em grande momento... no grande momento que não chegou a acontecer. Hesitei porque estava certo demais de que aquilo derradeiramente aconteceria. Inundei-me por essa certeza e acanhei-me pela prudência da muita certeza: estava tão certo que eu duvidei. Foi esse o equívoco? Restará a duvida.

Novembro encaminhava-se para seu final e junto levava minha aventura a seu desgaste. O antepenúltimo dia do mês foi estranho. Era sexta, chovia e algo havia se desencontrado. Havia a gripe, o vírus, o RNA, o DNA e minhas palavras se desencontraram entre a suposta graça da piada e a frustração de uma lembrança.

O penúltimo dia do mês, que era para ser o sábado tão esperado de ir à praia, da praia a que São Pedro legaria todas as bênçãos, foi o dia da espera pela ligação, pela mensagem... o dia da ansiedade enlouquecedora que pôs na cabeça caraminholas como que em prenúncio ao que não muito depois se seguiria, como se "o deserto da espera tivesse cortado os fios".

O último dia de novembro foi o último em que as coisas estiveram bem, ou assim pareceram estar. É como aquelas melhoras súbitas do quadro clínico logo antes da morte. Um cinema, um passeio, um andar juntos sob um sol gostoso e uma brisa fresca, um passeio no aterro à procura dos banquinhos. Quando finalmente se achou um banquinho, dessa vez de pedra, vieram os beijos e os carinhos, que se deixaram constranger pelos olhares alheios, pelos cachorros passeando a esmo e por um batuque bate-lata de projeto social que perturbava os ouvidos e impedia - impediu - de se ouvir no coração do outro o batimento acelerado tuntz-tuntz, a rave cardiológica extasiada chamada paixão. E aí, quem sabe, surgiu a dúvida de se tudo isso ainda existia... é que no fundo pareceu haver só um silêncio.

Entramos em dezembro juntos, no computador. Um olhando a cara do outro, separados por um abismo chamado internet, sob uma certa estranheza que não se explicava. Um olhar perdido, uma palavra que não encontrava eco, um sorriso que não alcançou lugar, um encanto a esmorecer, como se o que se tinha de melhor estivesse escorrendo implacável por mãos fechadas. Fomos dormir, talvez fosse só uma fase.

Em dezembro não haveria mais ventura nem aventura. A segunda-feira de primeiro de dezembro teve cara de hiato: o dia que antecedeu o fim, que antecedeu a terça e nada mais.

E a terça, enfim... a terça em que a velhinha de que mais gostava no meu prédio morreu, o dia em que se completaram vinte anos da morte do meu tio, o dia em que eu armei pela primeira vez uma árvore de natal na vida, numa ironia do destino, do ingrato não-tão-ingrato acaso ao qual eu novamente rendo minhas homenagens.

A terça-feira encerrou o último capítulo e iniciou o epílogo da aventura não mais venturosa: um dia lindo, um passeio lindo... o sal foi até o açúcar. Fingindo-se gringos e destilando nosso francês mais uma vez, fomos às alturas, e lá do alto, tão distante da cidade, dos carros e das pessoas, foi-se vendo o quão distante também estávamos um do outro. De repente, não mais que de repente, as mãos não mais se achavam, os olhares se encontravam e logo se perdiam e as palavras doces não mais reverberavam. O sal fizera-se amargo, azedo, intragável. Depois, um almoço no lugar dos barcos, da viuvez e do tempo. Comi risoto e ela foi nos salgadinhos mistos, então para quê mais o sal? Fui feito redundante.

E depois bateu um sono e uma preguiça de tudo, até de irmos até o banquinho de madeira duvidosa onde tudo havia começado. E aí fomos para os pirineus franceses, de táxi, um ao lado do outro, íamos para o mesmo endereço, mas já trafegávamos caminhos diferentes. Saltamos e caminhamos paralelos, mas separados por um muro invisível, estranho, que instigou a dúvida e culminou na pergunta: "o que aconteceu?" e na resposta: "não sei." E o silêncio. Havíamos chegado e eu esperava que ela subisse para trazer minha mochila que eu preferi não carregar (talvez já soubesse que o dia seria pesado demais) para então poder ir para casa.

Minha mochila veio junto com um pedido de tempo. Um tempo que eu não entendi. Um tempo que não era grandeza primitiva da física e talvez mais fosse uma sutileza literária, um eufemismo para outra coisa que ali não era evidente. Um tempo para resolver toda uma confusão na qual eu não conseguia acreditar. Conversamos brevemente e nos entreolhamos no que não parecia um término, mas um entreato. Seguimos em direções opostas, às vezes olhando para trás.

Nos dias seguintes... ah, deixa para lá. Os dias seguintes já mostravam um dezembro consumado, uma tragédia em que eu não quis acreditar: episódios almodováricos demais para minha hollywoodiana previsibilidade do inusitado e conversas perdidas em um palácio do governo sobre uma situação já tão desgovernada, com direito a batuque bate-lata perdido e a uma curiosa, simultaneamente literal e figurada, pedra no meio do caminho.

Os dias seguintes foram a esperança se esvaindo a cada dia, à medida que o acaso se revelava mais irreverente, ingrato, confuso, louco... ou talvez o louco não fosse o acaso... ou o acaso nada mais fosse do que loucura. Ou nada era verdade. Não sei.

domingo, 8 de agosto de 2010

"PODERIA TER SIDO VOCÊ"

O pombo morto - atropelado - no meio da rua vai muito além de despertar nojo: é o retrato vivo da morte e retrata como obra de natureza-morta o fatídico da vida.

Sua aparência expõe suas entranhas e não por acaso nos embrulha o estômago. Carne e sangue misturados, deformados. Reduzido a 2D, planificado contra sua vontade e carimbado no preto do asfalto, como uma efígie fúnebre num museu a céu-aberto.

Cerca-se dos mais variados públicos, entre os passantes que caminham apressados. Alguns nem percebem, porque distraídos. Outros percebem e desviam o olhar, enojados. Alguns percebem primeiro pelo tato: infortunados. Outros percebem e seguem admirando com certa curiosidade mórbida. A indiferença exige um esforço: a morte é muito distinta para se assimilar à paisagem.

Velado publicamente com a notoriedade que não tem um animal e muito menos um indigente, o pombo é finalmente recolhido para não se sabe lá onde e some na complexidade da cidade, depois dos seus 15 minutos de fama póstuma. Deixa com o mundo sua mensagem e, por meu intermédio, sai da vida para entrar numa história.

O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSES OLHINHOS?



A foto é de "Bruninho", filho de Eliza Samudio com, supostamente, o goleiro Bruno do Flamengo.

Não consegui desgrudar, ainda que somente em pensamento, meus olhos dos olhinhos desse bebê. Seu olhar curioso, como o de todo bebê, ainda um pouco assustado com o mundo novo que se revela, ainda meio sem entender a si próprio e ao que lhe cerca.

Descobrir o mundo talvez seja uma das melhores experiências, em qualquer momento da vida. Um bebê que vê as coisas pela primeira vez, absolutamente inéditas, um adolescente que passa a ver o mundo potencialmente sob suas rédeas, um adulto já desbravador de suas próprias descobertas, ou um idoso, na serenidade da releitura da vida.

Temo o que será a descoberta do mundo para esse menino. Saber que é filho de um acidente, nascido na contingência de uma orgia, rebento de um arrebentamento: desejado pela mãe, indesejado pelo pai, que comandou inclusive sua tentativa frustrada de aborto.

Saber - e o quanto dói escrever essas linhas - que sua mãe nunca mais poderá lhe dar um carinho, um cheirinho, um abraço gostoso ou falar-lhe naquele tom carinhoso-fofo-brincalhão, tipíco de quem conversa com bebês... aquele tom que, se de certa forma nos remete ao ridículo não-ridículo de ser criança, é também uma lembrança inefável da infância, das mais gostosas.

Saber que a ausência da mãe não é por acaso, embora inelutável. Nem a do pai, embora não inexorável. Saber que se hoje está vivo também não é por acaso, como pode parecer, e nem por sorte. Sobreviveu por um ato de clemência do pai, que não lhe permitiu o mesmo destino da mãe. Agradece seu existir ao gesto humanitário de um monstro, que lhe deu vida duas vezes: ao conceber e ao conceder.

Bruninho não por acaso tem esse nome. O que se pretendia uma homenagem de sua mãe, agora é um estigma, um monumento macabro que ele carrega compulsoriamente.

O mundo lhe é pesado desde cedo e seus olhinhos assustados parecem viver um pesadelo. Se eles não choram porque ainda não se deram conta, eis aqui as minhas lágrimas.

terça-feira, 18 de maio de 2010

DIGLET DIGLET, TRIO TRIO TRIO

Há coisas na vida que nos marcam para valer. Alguns vão falar de um grande amor, uma grande dor, uma viagem espetacular, um período sabático, um abraço de despedida, uma morte inesperada, um show inesquecível, ... Não tenho dúvidas de que isso tudo é marcante, afinal são coisas que tem uma capacidade admirável de abrir as gavetas mais protegidas das nossas memórias e ali se arquivarem, isso para não falar de quando esses grandes fatos são capazes de mudar o próprio curso de nossas vidas...

Admira-me, na verdade, é como certas coisas irrelevantes também ficam gravadas indelevelmente pelas paredes do túnel do tempo. A memória não tem boas razões para arquivá-la, os sentimentos não foram atingidos por aquela vivência, pode ter sido só mais um dado cotidiano da vida... não se sabe. Lembrar dessas coisas é quase indiferente à nossa existência, se não pelo fato de que, quando lembramos, ficamos pasmos por termos rememorado.

Confesso que sou nostálgico. Lembrar é tornar-se um expectador sensorial, sensível e anacrônico anacrônico de si mesmo. Às vezes é péssimo, mas, em geral, eu gosto. E gosto também quando trago à memória algumas coisas bestas e irrelevantes, que eu não sei porque ficaram armazenadas.

Eu e meus amigos lembramos - e o mesmo já havia acontecido com outros amigos - de um episódio de Pokémon situado em nossas vidas há mais de uma década. Não é um episódio dramático, decisivo, emblemático, nada. Era só mais um episódio, em que apareciam os Digletts e os Dugtrios. Você está lembrado?

O barulhinho que ambos faziam vinha na minha cabeça com perfeição e se repetia em coro. "Diglett, diglett, TRIO TRIO TRIO". A entonação era perfeita e eu era capaz de reproduzir. Ficamos algum tempo imitando os Digglets e Dugtrios em seu canto mágico, um pouco perplexos de termos lembrado de tal bobagem.

Recebi o vídeo no youtube da cena referida e minha maior surpresa foi ver os comentários. Acho que não fui o único a ter emoções com essa lembrança estranha. Houve um cara que escreveu "I'll probably remember this little tune until the day I die" e outro que colocou "I want it played on my funeral". Disseram também "everytime Pokemon is mentioned, someone has to sing this" e "this has been stuck in my head since it was first aired, memories". Teve ainda "Thanks for this video! It was stuck in my fiance's head so I got to annoy him with it."

Percebo que não sou o único a lembrar, nem a se estupefazer diante da lembrança...




sábado, 1 de maio de 2010

caritas et scientia

(homenagem ao colégio santo agostinho - leblon)




O azul do céu virou nostalgia desde que eu te deixei - daqui a não muito vai fazer três anos!
Como são tão parecidos, às vezes...

Tua foto colada em meu mural é a melhor máquina do tempo que eu já vi e vivi. Uma máquina do tempo sensorial, algumas vezes sinestésica. Não olho nos teus olhos, porque não tens olhos. Não vejo o teu sorriso, porque não sorris. Mesmo assim te encaro. Contemplar-te é, na verdade, ver a mim mesmo, um eu congelado no passado, mas que dialoga com o que aqui escreve. Tua imagem é como um espelho, estático, e por ser assim me serve de referencial: vejo como mudei... Entretanto, o menino que lá entrou aos 7 anos muito guarda em comum com o rapaz de 20 anos e algum juízo que aqui te escreve: te admira e te ama.

Meu primeiro dia entre seus muros, não me custa tanto lembrar, serviu-me para dimensionar o quão grande e imponente eras - e ainda és. Colossal em espaço para uma criança que só conhecia quintal: aquele pátio era um novo horizonte. Eu que havia sido o mais velho no jardim, virei o mais novo na imensidão daquela floresta de um só coqueiro, que dali a não muito nem mais existiu.

Aqueles onze anos foram da descoberta mais genuína que eu já vivi. Descobri a mim mesmo. Descobri a ti e a teus corredores. Descobri - e daí o meu amor - o quanto de ti existe em mim. Descobri até um pouquinho - se assim me permitir a modéstia - do quanto de mim também existe em ti.

Conheço cada um dos ladrilhos de tuas salas: azuis, verdes e brancos. Conheço tuas carteiras, os chicletes que elas guardam por debaixo, os rabiscos e desenhos daqueles que não conseguiram deixar suas marcas de outras formas, teus atalhos e teu (complicado) modus operandi. Conheço cada um de teus bebedouros e sei até qual tem a melhor água. Ah, a tua água...! Não há água melhor no mundo, confesso.

Conheço tua história, teus ritos, teus maneirismos institucionais e teus problemas - não são poucos, eu sei. Sei que se fosses perfeito, não serias perfeito para mim: não seria eu mesmo se não fossem teus problemas. Com eles aprendi e cresci. Também com meus problemas também cresci: superá-los foi muito mais fácil porque pude contar com as tuas soluções e tua dedicação determinada. A ti serei grato eternamente.

És ao mesmo tempo casa e família. Abrigas sob teu teto os que se amam (e te amam) e serves para sempre de pretexto - e contexto - para que se amem (e te amem) e se conheçam mais. Nos teus corredores quentes e em tuas salas gélidas (o ar-condicionado era sempre um problema...) fiz os melhores e mais fiéis amigos, e fiz a presunção esperançosa de que a amizade durará transcendentalmente pela existência. Quanto aos amigos que não fiz, sei que se esbarrar com eles pelos caminhos da vida teremos um traço comum muito marcante, que significará muito mais do que termos frequentado um mesmo lugar.

Se as amizades ficaram, ficarão e virão, não posso dizer o mesmo quanto às paixões. Ora fulgazes, ora longevas, não sei se pela adolescência ou pela essência do conceito de paixão, marcaram a poesia do meu sentimento. Nenhuma correspondida de verdade, eu lamento, mas vividas na intensidade que lhes é própria: tu eras para ser o cenário de meus romances nunca encenados.

A foto ainda me transporta. Só vejo tuas paredes, teu concreto, teus vidros do último andar e o corte que promoves no céu pela perspectiva que busquei. É... não imaginei quando te enquadrei em minha lente que dali sairia o teu retrato oficial para meu coração. Mas só capturei tuas paredes e teu concreto, opacos à primeira vista. Não é verdade: teu concreto é transparente e através dele eu vejo todos aqueles que eu aí conheci, para além dos colegas: vejo meus mestres, não apenas os de sala-de-aula, vejo os funcionários. Alguns já partiram, mas não tem problema. Tu também já partiste em alguma medida e nem por isso exististe menos para mim. Olho-os por através das paredes e é como se eles estivessem acenando para mim e eu para eles, todos nós emocionados. Consigo imaginar alguns sorrisos e sentir o carinho, embora pareça haver alguma distância (sei que estou imaginando) entre nós. Tenho vontade de dizer "quanto tempo!".

Ainda me lembro do último dia em que estive aí na qualidade de aluno. Foi dia 30 de novembro de 2007. Não que eu tenha deixado de ser teu aluno: hoje sou "antigo aluno". Foi um dia de nostalgia antecipada: por tanto que eu te amava, sabia o quanto doeria te deixar. Mas era uma dor gostosa, uma dor de missão cumprida, de sucesso e de plena satisfação. Chegara a hora de me irradiar para fora de teu domínio restrito, de teu ninho quentinho que nunca me deixou em apuros. Sabia - e reitero diariamente esse saber - que mesmo as águias mais altaneiras têm para onde voltar. És minha referência, minha melhor referência, porque és necessária, e não contingente. És essência, e não circunstância.

A foto é espelho e o seria do mesmo jeito ainda que o papel não refletisse a luz do dia ou o brilho dos meus olhos que se avolumam de água. Contemplo-me em ti e vejo meu coração, onde resta gravada indelevelmente a tua nobre divisa: amor e ciência. Os dias passam e ela só faz cada vez mais sentido em minha vida. Entôo teu emocionante hino, emocionado. Amor e ciência. Minha nostalgia é minha identificação: no que te sei, me sei. E por te saber, te amo.




1997

2007

Formatura

Esse cartaz se direcionava aos futuros alunos, mas a mensagem me serviu 110% bem.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

NO MORMAÇO DE UM DIA NUBLADO

Há dias cinzentos na vida: esse não é um problema. A vida é meio cinzenta. Nem sempre vamos para a cama com o cansaço gostoso de final de um dia maravilhoso, da mesma forma que nem sempre a cama, em gesto de resignação, se mostra a melhor solução para virar a página.

A graça dos extremos é o cinza. Porque o preto é o preto, o branco é o branco. E o cinza é só uma indeterminação entre pólos determinados: nunca se é um, nunca se é outro. Na verdade, se é um pouco de um, um pouco do outro... no fim, um pouco de si mesmo. Equilibradamente desequilibrado.

O cinza é o resultado de uma balança com ponteiros trêmulos. Engana-se e se traveste pela luz que nele incide. Nebuloso é percebê-lo. Ora é tão escuro que é preto, ora é tão claro que é branco. Nunca se revela por inteiro e deixa nos olhos uma dúvida sutil: faltou ver algo, porventura apagado pela escuridão ou ofuscado pela claridade?

O céu encoberto é a melhor paleta de cinzas que há. Um grande espelho a céu aberto, digo, a céu fechado. Neles se enxergam - e enxergam os seus dias - aqueles que não estão enebriados por júbilo nem afogados em penar, pois esses não conhecem os meios-termos.

O cinza é a virtude dos sãos, dos comedidos, dos côngruos, dos sóbrios, enfim, dos chatos para quem a vida nem sempre é sonho ou pesadelo. A virtude dos que conseguem ver seja o sol tentando aparecer por entre as nuvens, seja as nuvens carregadas encobrindo o brilho do sol, pois, mais do que sol ou chuva, vêem o mormaço perene e uniforme que queima, esquenta e ilumina. Sabem a obviedade - e por isso não sofrem por antecedência - de que, enquanto não escurecer de vez, ainda é dia.

sexta-feira, 26 de março de 2010

invejinha...

Andar sem olhar em volta. Atravessar de uma margem à outra passando despercebido. Não se deixar abalar pelo olhar insolente por trás dos óculos de armação grossa do estilo posto. Não se deixar pisar por baixo dos all-stares de vários estilos da jovialiade de vanguarda. Não se deixar desbotar pelas milhares de cores em disposição caótica de uma criatividade que todos ali têm igual: autênticos? Não meter a cara na pilastra que está no meio marcando quem vai de quem vem. Não esbarrar nos pés para fora de quem se esparramou no banco. Não se deixar emudecer pelos tititis que ensurdecem: o que será que eles tanto têm para conversar?

Nadando num rio de concreto bege, com muitas piranhas, peixes-boi e outras espécies mais ou menos relevantes, eu me sinto como um peixe fora d'água. Não que o ambiente me seja estranho ou desconhecido - muito pelo contrário -, eu só não lhe pertenço (mais).

Para atravessar aquilo lá, não basta andar. Tem que saber desfilar.
It's not for me, baby...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

GENIAL

(co-autor telepático e não-autorizado: João Manoel Nonato)

O que têm de especial os grandes gênios da humanidade? Indaguei-me sobre isso esses dias ao ver o mundo dos gênios cultuados (Paris é o antro!) em contraste com os cultuados gênios dos submundos (a internet é um grande submundo).

Os gênios cultuados - sinto-me à vontade para não me estender - respondem por padrões artísticos, filosóficos, religiosos, políticos - culturais de uma maneira geral - que vão além do seu tempo e da sua localização espacial. É possível dizer que Picasso, Monet, Rousseau, Beethoven, Platão, Aristóteles, isso para não citar outros, são uns quaisquer? Discorde-se da teoria rousseauniana ou se odeie a Nona Sinfonia, algo é inegável: o valor social e a projeção temporal-espacial que elas têm. Essa genialidade dos grandes, portanto, é um aspecto de intersubjetividade, para além não apenas de uma objetividade externa à apreciação, como se a genialidade estivesse na própria obra ou idéia, como também de uma subjetividade "achista", como se a genialidade dependesse diretamente dos "eu gosto" caprichosos do receptor da obra, à vontade para "achar" toda e qualquer coisa.

Os cultuados gênios dos submundos - é sobre esses que eu quero falar - é que me suscitam uma boa reflexão sobre a tal da genialidade. Escrevem, falam, fotografam, pintam, compõem, têm espasmos volitivos, mijam, peidam... como qualquer um pode fazer, mesmo os gênios. Se outrora eram os artistas e pensadores dos círculos restritos, da cultura alternativa, dos guetos urbanos, hoje se expõem nas mídias da contemporaneidade: youtube, twitter, blogs, flickrs, etc. Colocam ali o que quer que seja, o que depois pode de fato se mostrar a oitava maravilha do mundo, e se jogam na multidão, à espera, quem sabe, por serem pinçados e alçados à fama viral.

Nesse atacadão de coisas sujeitas à apreciação coletiva, alguns começam a ser chamados de gênios e outros são simplesmente desprezados. Por que alguns são gênios e outros não? Não sei. Fato é que quando alguém começa a ser chamado de gênio, o efeito dominó se instala. É a hype. Se tão dizendo, então é porque é. Não importa o que a arte ou a idéia do cara é. Importa é que seja incompreendida. Muitos são chamados instantaneamente de gênios por receptores (leitores/ouvintes/espectadores/...) que não entendem a obra. Mais do que um problema de incompreensão, é um problema de auto-estima e com possibilidade dupla de resultado. Ou se cultua ou se destrói.

Pensa o receptor que a incompreensão de que ele sofre deve ser um sinal da genialidade do autor ou de sua completa mediocridade: o cara deve ser bom demais e complexo demais (ou apenas simples e óbvio demais, e por isso deve-se estar entendendo algo errado, pois se espera uma interpretação grandiosa - lembram-se da pedra no meio do caminho?) para pertencer a esse mundo dos mortais e a ele se fazer entender, então vamos cultuá-lo ou destruí-lo, a depender da hype. Mais uma vez, é um exercício de intersubjetividade, tão volúvel quanto tributária, de sobremaneira, da "lógica tostines": considera-se bom porque dizem que é bom ou dizem que é bom porque considera-se que é bom?

No fundo, eis um grande desafio à sinceridade. Um desafio eterno, parte inconsciente, parte consciente, de dizer ao mundo a própria impressão sobre a coisa sem levar em conta a impressão geral. A parte inconsciente traduz a dificuldade (alguns, eu inclusive, diriam a impossibilidade cabal) de se desimpregnar do que se enraizou ao longo da vida. A parte consciente, por sua vez, é a questão de se peitar o resto e bancar ser a voz dissonante.

O mais engraçado é quando "bancar ser a voz dissonante" passa a ser a hype da vez. Aí, discordar vira um automático, criticar vira uma obrigação e ser diferente torna-se um imperativo. O problema é que, quando todo mundo fica igualmente diferente, a aleatoriedade passa a ser previsível. E aí, quem então vai bancar ser o rebelde entre os rebeldes?

Lembro-me da chamada na sala de aula nos primórdios escolares. Muitos falam "presente", alguém resolve falar "presidente", outro fala "presunto", o cara do fundo fala "penitente". Um teimoso voltará a falar "presente" e, não tem jeito, sempre vai ter alguém mais engraçadinho que falará "demente" para semi-ofender um coleguinha ou o professor. Geralmente é aquele mais socialmente saliente, para quem as meninas costumam se derreter. É porque elas ainda não aprenderam a dizer que é genial...


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O OI-TCHAU

Hay La, Hey Hello-a,
Hay La, Hey Hello-a,
Hay La, Hey Hello-a
Hay La, Hey Hello-a,

O oi-tchau é uma das espécies mais curiosas de cumprimento que há. Acontece quando você é apresentado a alguém no exato momento em que está se despedindo de outrem e indo embora. Às vezes é aquela pessoa que você evitou a festa inteira, por não ter ido com a cara. Pode ser também quem você não percebeu entre a multidão. Ou é a amiga do fulano que acabou de chegar na festa. Pode ser aquela pessoa que você sempre espia pelo orkut, mas nunca falou pessoalmente. Não importa.

O oi-tchau é um flash disparado ao céu: só há efeito tyndall. Um aceno que logo se retrai: parece que nem foi com você. É um bom dia às vésperas de escurecer. Um gol depois que o árbitro já apitou o término.

O oi-tchau, me permitam, é a função fática - a merda da função fática! - natimorta.
Nascimento e óbito na mesma certidão. Início e fim na mesma linha. Letra maiúscula e ponto final lado-a-lado. Se ao menos houvesse alguma certeza quanto ao parágrafo seguinte...

Hay La, Hey Hello-a,
Hay La, Hey Hello-a,
Hay La, Hey Hello-a
Hay La, Hey Hello-a,

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

VACILO

abati-me porque sou humano. e nem o ano novo me fará mudar. e nem uma roupa nova me fará mudar. e nem um carro novo. e nem uma viagem maravilhosa. e nem uma menção honrosa. e nem a mega-sena acumulada (há quem duvide...). e nem um texto libertador. e nem um filme esclarecedor. e nem uma nova profissão de fé. e nem um novo deus.

abati-me porque sou humano: pleno na consciência de um vazio... que às vezes parece cheio por já conformado ou por inconsciente, distraído.

abati-me. e nem as drogas me farão mudar. e nem as farras me farão mudar. e nem as gatas me farão mudar. e nem os amores antigos, mesmo que ressuscitados ao auge.
já os amores novos, quem sabe...
e o tempo, talvez...

que até lá eu não tenha perecido, pelo menos.