GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

domingo, 30 de setembro de 2007

COISAS QUE EU OUÇO POR AÍ E VEJO POR AÍ....

Dia de chuva intensa no Rio. Estava na sala de aula literalmente no meio de um bando de desconhecidas que se conheciam. Captei vários momentos de uma conversa hilária.
DIÁLOGO I
-Você vai pegar um táxi?
- Claro, não gosto de ficar molhada de chuva, só de outro jeito.

DIÁLOGO II
- Hoje você vai falar com ele?
- Vou sim.
- E aí.. ou namora ou cai fora, né?
- É.

DIÁLOGO III
- Professor, pode-se dizer que a Regência é a república?
(sem respostas)

DIÁLOGO IV (esse foi comigo!)
- Nossa, você sabe bem História. Quem substituiu Dom Pedro II quando acabou o segundo reinado em 1889?
- Mal. Deodoro da Fonseca, após o Golpe.
- Po, não foi a Princesa Isabel?
(bem que poderia ter sido)

TESTEMUNHA OCULAR I
Meio da aula de história e meus olhos vão parar numa certa cena. Menina de má aparência, meio marrentinha, pega uma bala na mochila. Desenrola o papel de bala com cuidado, sem fazer muito barulho. Em momento algum deixa de prestar atenção ao professor. Coloca sorrateiramente a bala na boca e fecha a mão no papel da bala, como se dali a pouco, num passe de mágica, ela fosse abrir a mão e o papel sumisse. Mas essa aí não sabia fazer mágica coisa alguma. Não era ilusionista. Era porca mesmo.
Não deixei de observá-la, pois sabia que o papel teria que ter algum destino. Se ela tivesse modos, ou teria guardado o papel em suas coisas para depois jogá-lo no lixo, ou já teria levado ao lixo de uma só vez. Não deu 10 segundos e ela começou seu plano secreto.
Primeiramente, colocou a mão aberta sobre a cadeira, como se estivesse se apoiando. Continuava olhando para o professor, como se estivesse parada, sem fazer nada. Só eu observava aquelas mãos infelizes e percebia que por trás daquela feição aparentemente concentrada no desenrolar da monarquia brasileira estava uma mente maquiavélica com um braço efetivo de atuação, ou melhor, uma mão de efetiva atuação.
Ela tratou de empurrar o papel de bala para o mini-vão existente entre a madeira da carteira e a estrutura de aço a que essa madeira está presa. O papel não entrou de primeira. Foi preciso que ela fosse amassando-o e o empurrando pouco a pouco, de forma que ele ali ficasse comportado. Terminado o serviço, ainda deu uma espreguiçada para disfarçar.
Pois é... eu também estou com preguiça de jogar no lixo essa cidadã cujo destino interceptou o meu naquele dia. Mas, vocês também sabem: não dá para simplesmente fechar os olhos e esquecê-la, tal como fechar a mão e fazer o papel sumir. O que faço, então?
Simples. Pego essa porquinha, faço com ela uma historinha e vou amassando-a e colocando-a entre o vão virtual - real extensão do meu pensamento - chamado So What's Beyond. E sempre tem alguém observando, ou melhor, lendo.


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Entrarei muito em breve em novembro e dezembro, meses em que terei trocentas provas de vestibular. Logicamente, estarei impedido de escrever com calma e, assim, o blog ficará um tempo desatualizado. Torçam por mim!
Em breve voltarei.

domingo, 23 de setembro de 2007

ENGAVETADAS.

ERVILHA DE CHEIRO
Altura: 100-180cm
Semeadura: Outono-Inverno
Germinação: 10-16 dias
IMPRÓPRIO PARA ALIMENTAÇÃO




Tenho sementes de "ervilha-de-cheiro" num envelope lacrado. Comprei quando tinha 8, 9 anos, em Petrópolis, numa loja daquelas que vende de tudo para o campo. Tínhamos um sítio pelas redondezas e pensei em plantar num vasinho e observar a planta crescer. A foto que vinha no envelope mostrava flores bonitas, de pétalas enrugadas, com várias cores. Sinceramente, não sei o porquê do nome ervilha de cheiro. Mal consigo imaginar qual seria o cheiro da tal "ervilha".

Naquela época, eu estava descobrindo muita coisa na natureza. O sítio me ajudou bastante nisso. O sítio e o Flight Simulator. Na verdade, mais o sítio do que o Flight Simulator. Estava começando a entender alguma coisa de plantas, animais, relevo e água, e grande era o meu entusiasmo por ver uma planta que eu plantei ter crescido.

A memória me manda sinais de sua imperfeição ao não conseguir me relatar por que as tais sementes não ficaram por Petrópolis, não foram plantadas, não foram jogadas no lixo, mas, num quase êxodo rural, vieram parar em uma gaveta de meu armário, em pleno celeuma urbanóide que é Copacabana.



A embalagem me diz que as sementes foram analisadas em fevereiro de 98, possuindo validade até fevereiro de 2001. Não tive coragem de abrir o saco de sementes para ver como elas estão, depois de 6 anos após a derradeira - e não aproveitada - oportunidade de fazê-las crescer. O papel já está ficando amarelado, do mesmo jeito que eu me torno barbado e tenho que arrancar meus sisos. Sinal dos tempos.

Estavam elas no fundo de uma gaveta, embaixo de muitos papéis importantes de minha vida. Várias notas fiscais de peças de computador, título de eleitor, CPF, comprovante de matrícula, comprovante disso e daquilo, atestado disso e daquilo. Não sei o que fazia um envelope de sementes de ervilha cheirosa ali.

Essas sementes ficaram guardadas na gaveta, como eu disse, junto com muitos outros papéis importantes. Talvez esteja aí a razão por elas estarem ali até hoje: devem ter alguma importância na minha vida. Se eu as tivesse plantado, suponho que não tivessem tanta relevância ao ponto de eu escrever sobre elas no presente momento.

E qual seria essa importância? Não sei bem. Elas me lembram alguma frustração por não alcançar certos planos, por desistir de certas idéias e por engavetar certos projetos... na verdade, por engavetar sementes.



sexta-feira, 14 de setembro de 2007

MORAL DA HISTÓRIA.

Aconteceu essa semana.

- É assim ó: uma bala redonda, pequena, vem de várias cores numa mesma embalagem, são enroladas num papelzinho assim... tô procurando há tempos e não acho.

- Ahn... acho que não tem não.

Aquela vontade de uma sobremesa que dá depois do almoço estava difícil de aguentar. Pior, quase como uma grávida, despontara para um desejo súbito, por algo específico, insubstituível. Procurava com meus amigos de baleiro em baleiro a tal bala.

- Moça, você tem uma balinha azedinha, pequenininha, vem de várias cores, ... - perguntava, tentando gesticular o formato da balinha.

Uma amiga minha, que também estava tentando lembrar a que bala eu me referia, falava nomes e tipos de bala, mas não acertava. Até que despontei com a brilhante associação.

- Ela é meio achatada, um disco bicôncavo... parece uma hemácia.

Risos gerais. Continuei procurando. Fui a cinco baleiros. A duas bancas de jornais. Ninguém sabia que bala era essa.

- Olha, se por acaso você achar a bala, traz o papelzinho aqui que a gente compra no distribuidor e vende, tudo bem? - falou uma vendedora de forma muito atenciosa.

Usando a última carta do baralho, fui à cantina do colégio. Ou era ali, ou não era mais. O momento recebeu a devida solenidade. Chegando à cantina, havia mais dois ou três alunos de séries mais baixas do Colégio, que ali faziam não sei o que.

- Oi moça, tenho uma missão difícil para você. Já procurei em tudo que é lugar, mas não acho. Quero uma balinha azedinha, pequenininha, achatada nos pontos, vem umas 12 por embalagem, ela é embalada que nem jujuba. Sabe qual é? - perguntei.
- Deve estar mentindo. - disse o moleque que me ouvira, já me olhando de forma insolente.
- Nada. - desconversei.

A moça me apareceu com uma jujuba. Não, eu não queria jujuba.
- É uma bala mesmo... tem certeza que não tem?
- Tem aí, "Cleiton"? - perguntou ao outro balconista.
- Tem não. - respondeu o colega.
- Ahn... então deixa. Obrigado. - lamentei, afinal, teria que ficar sem a tal balinha naquele dia.

Não iria escapar daquela só com essa frustração. A situação precisava de um gran finale, algo marcante, algo tocante, algo imprevisível, quiçá inesquecível. E a inserção inusitada daquele dia veio por parte do moleque, que destilou seu instinto zoador pré-adolescente, seu ódio, sua imaturidade, sua única forma de aparecer para o outro coleguinha.

- Se *udeu, haha! - pronunciou sua presunçosa, e suja, boca.

Pensei comigo num infinitésimo de segundo. Qual foi a daquele rapazinho? Protótipo de gente... Ainda tem muito pra ver na vida. Criança mal-amada? Criada pela empregada? Usando Adidas, correntinha... e se achando o máximo. Não sabe o que é largar a banana. Não sabe o que são reações orgânicas. Um grande merdinha.

Sou polido. Às vezes. Mas com quem não conheço, sou polido sempre. Se sou mal-amado, já não sou criança. Nunca tive empregada. Uso Adidas, mas não uso correntinha. Já larguei a banana. E já aprendi 80 reações orgânicas. Uns me acham um grande merdinha. Outros não. Sou polido. E fiz-me polido:

- Nossa, está exaltado esse rapaizinho, hein? - falei e fui embora.

Saí de fininho. Aquela pessoa não tinha nada a me acrescentar e distância é o que mais quero de energúmenos.

A balinha... realmente fiquei sem. E ainda levei essa desaforo pra casa. Sim, eu levo desaforo pra casa.

[após um longo e tenebroso inverno de dois dias...]

Estava hoje no Zona Sul, fui comprar um biscoito com uma amiga, que também me acompanhara no incidente da balinha dois dias antes. Na fila do caixa, conversávamos, até que meus olhos foram de encontro a algo em que custei a acreditar.

Jogado no meio de muitas balas nos penduricalhos que há no caixa, lá estava a balinha que tanto procurava. Um pacote com 8. Cada deles, com 12. 96 balinhas à minha disposição. Não hesitei e peguei. Era a balinha. A azedinha, a pequenininha, coloridinha, embalada feito jujuba, em forma de disco bicôncavo e parecendo uma hemácia. No Zona Sul, jogada, sozinha, com a embalagem meio empoeirada, até.

Paguei. 8 reais. Não valia tudo isso, eu sei. No Centro, compro pela metade do preço. Mas ali valia tudo. Pela balinha eu fazia tudo.

Moral da história:
Quem não procura, acha.

Sem moral da história:
O moleque.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

IDADES, SUPLÍCIOS E ELEVADORES.

Joãozinho tinha se atrasado para sair de casa e estava afobado para chegar logo à escola e não perder a prova do dia. Fechou a porta e esperou impaciente o elevador ir ao seu andar.
Bastou o elevador chegar para que tivesse a ingrata surpresa de ali encontrar aquele vizinho cinquentão e seus assuntos sem assunto. Pois é, papo de elevador é pura função fática fadada ao insucesso. Quando não se fala sobre o tempo, sobre corrupção na política ou sobre o cansaço da vida moderna, repousa sobre o ambiente um silêncio irritante.

Joãozinho morava no prédio desde que nasceu e todos o viram crescer. De uma criancinha que vivia com a fraldinha cheia, virou um rapaz não muito alto. Fato é que os vizinhos costumavam associá-lo, sempre, à primeira impressão ("a primeira impressão é a que fica") que tiveram: a criancinha de fraldinha. E dali vinha não só o apelido no diminutivo, como também o discurso batido, tanto dentro do elevador, como dentro do prédio, na rua ou no supermercado, ...:
- Mas como você está grande! - Tá crescendo, hein? - Vai chegar ao teto! - Já tá um homem!

Joãozinho já estava acostumado. Não havia uma pessoa que falasse coisa diferente, fosse adulta, fosse idosa, fosse homem, fosse mulher. E todos o viam com certa freqüência, de forma que não havia como haver tanto espanto com seu crescimento, que, aliás, já havia dado uma séria desacelerada havia algum tempo, estando quase imperceptível. Ele reconhecia o carinho das pessoas e a falta de assunto melhor, mas, como não tinha palavras insossas à altura para responder tais comentários, limitava-se ao sorriso amarelo sem-graça, quase envergonhado.

Na pressa daquele dia, a lei de Murphy fez-se presente. Mal entrara no elevador, mal cumprimentara o tal do cinquentão, mal apertara o botão para a portaria, quando o elevador deu defeito, parou e os dois vizinhos ali ficaram presos. Joãozinho viu que iria, de qualquer jeito,, perder a prova e tratou de se acalmar, afinal, era só fazer uma segunda chamada, daria até para estudar mais.

E ali estava Joãozinho, com o vizinho cinquentão no elevador, na tal situação do silêncio fastidioso. (Antes que vocês pensem que vai rolar alguma pederastia na situação... não, não vai.) Eis, porém, que o cinquentão decide quebrar o silêncio, mostrando sua linguagem de cinquentão pseudo-antenado em tendências jovens.

- E aí parceiro, agora vamos ter que esperar.
- Pois é... - falou Joãozinho sem jeito.

Ficaram dois segundos ouvindo o eco de palavras jogadas ao ar, esperando que alguém retomasse o verbo. Pensaram, pensaram, e não veio assunto à cabeça. Falar do tempo? Ah, hoje está sol, mas é dia de semana, que diferença faz? Falar da corrupção na política? Bah, coisa de revoltado ou de nerd. Falar do cansaço da vida moderna? Isso é coisa de velho, o que Joãozinho de fato não era, e que o cinquentão tentava a duras penas abafar. E, depois de alguma reflexão, surgiu o tal assunto.

- Mas como você cresceu, hein rapaz?
- Pois é...
- Tomou fermento?
- Não, que isso.
- Tá fazendo alongamento?
- Faço não.
- Tá tomando hormônio?
- Preciso não. - respondeu Joãozinho. Caraca, que saco. Precisava ele explicar que há uma coisa hipófise, que produz uma coisa chamada somatotropina que promove uma coisa chamada crescimento?
- Quando eu era moleque, a gente não era grande assim não. É que a alimentação da geração de vocês é muito diferente. Tem tanta gente com mais de dois metros. Aliás, você já pensou em jogar basquete ou vôlei?
- Nada... fico só na pelada, mesmo.
- Ahn, sei, só na pelada. Revista de mulher pelada, você quer dizer?

Joãozinho riu desconcertado. Que ele lá tivesse suas Playboys ou suas fotos e vídeos "impróprios" no computador, mas o que haveria de ser falado naquela hora? Que ele realmente adorava deleitar-se com tal tipo de material? Perguntar se o tiozão queria emprestado? Respondeu quase constrangido:

- Ah, também, né!
- Ahnn... sei. Mas você está com que altura? - perguntou o tiozão, mostrando ser ruminante no aspecto assuntos e conversas.
- Quase um metro e oitenta.
- Nossa, até ontem você era um bebê, andava no carrinho! E por falar em outro carrinho, já tirou carteira?
- Ainda não, só faço dezoito no final do ano.
- Dezoito anos, já vai poder comprar Playboy legalmente! Haha, que barato! - o cinquentão comprovadamente ruminava assuntos.

Joãozinho já estava de saco cheio daquela conversa, quando lembrou que o elevador possuía alarme. Apertou-a imediatamente, desviando-se de qualquer assunto que o vizinho levantasse. Pouco lhe importava ficar preso naquele elevador, mas estava desesperado para fugir daquela conversa circunstancialmente impreterível. PIII PIII pra cá, PIII PIII pra lá e o elevador por aparente milagre voltou a funcionar.

Chegaram ao térreo e, quando iam se despedir, Joãozinho foi importunado por mais três moradoras, três velhinhas, que esperavam o elevador parado com sacolas de compras do supermercado.

- Mas era o menino que estava aí preso, coitado! - ressaltou uma delas, logo em seguida vertendo sua fisionomia para o espanto de quem vê tudo mudado - Meu Deus, como você está crescido!
- É mesmo, Bete! Lembro de quando lhe comprei um chocalho para o chá de fraldas, e olha como ele está agora! - endossou a outra.
- Mas está uma gracinha, deve estar fazendo um sucesso entre as meninas da classe! - apostou entusiasmada a terceira idosa.

Já era muito para Joãozinho. Não bastasse o cinquentão, que àquela hora já sumira de seu campo de visão, agora vinham aquelas doces senhoras com suas amáveis palavras. Pobrezinho... ele não era tão grande, ele não lembrava do chocalho e muito menos era tão popular assim entre as meninas.

- Meu filho, você pode nos ajudar a subir com as compras?
Joãozinho respondeu positivamente, afinal, já não ia mesmo para a escola e de nada custava ajudar aquelas velhinhas. Cumprido o favor com carinho, voltou para casa, no que a mãe o atendeu com feição aborrecida e desatinou a falar após reputar como lorota a tentativa de explicação que lhe foi dirigida pelo filho:

- Mas você já é quase um homem, tem que se programar para imprevistos. Veja, você não é mais aquela criancinha que precisa ficar sendo acordada, lembrada, conduzida. Quase um homem!

Depois de tanta aporrinhação, Joãozinho trancou-se no quarto impaciente. Revoltado como adolescente, ranzinza como um velho. Não mais sabia o que era. Quase um homem, talvez.