GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

"brincadeira de criança... como é bom..."

PASSA SE NÃO FEDE, SE PASSAR FEDEU.
Estava esses dias visitando o colégio por onde passei onze felizes anos de minha vida e de onde tenho muitas das minhas melhores recordações. Passando pela escada, me lembrei de uma brincadeira das várias que aconteciam quando eu era criança.

Sempre que subíamos a escada lá pela segunda série primária, algum engraçadinho dava um tapinha no outro e falava "Passa se não fede, se passar fedeu". Era uma vergonha imensa você ser pego por essa brincadeira, porque ficavam contando regressivamente para você passar a tal "coisa" para alguém, ou federia. Que "coisa" era essa que se passava eu até hoje não sei, mas a brincadeira se alastrava como um vírus da gripe aspergido num elevador lotado.
Desenvolviam-se formas de não poder receber, uma delas era o cadeado. Você fechava os polegares com indicadores e ficava assim como se dissesse: "ha, não serei eu!" Mas tinha que ficar sinalizando o tempo todo, e era um saco ficar com a mão em posição de cadeado, então alguns engraçadinhos inventaram a idéia de engolir o "cadeado". A questão é que a pessoa engolia o cadeado e isso não ficava visível, logo todos fingiam que tinham engolido o cadeado quando alguém tentava "passar". Outra coisa que usavam era o "espelhinho", isto é, a mão virada em sinal para parar, como forma de devolver o que era passado.
A escada inteira ficava atenta para a brincadeira, pois ninguém queria "feder". Epidêmico.

PIQUE-QUALQUER COISA
Haja pique para tanta brincadeira. Lembro que era de lei sair da aula da tarde e ir para o pátio brincar de pique esconde ou polícia-e-ladrão. Tenho excelentes recordações desse tempo, exceto pela minha baixa habilidade em correr. Nunca foi meu forte, mesmo. Mas sempre fui bom estrategista, por isso odiava pique-pega. Não havia brincadeira mais idiota do que pique-pega, afinal, em que momento eu pensava ali?
Veio-me à cabeça agora o momento de tirar os times ou dividir as equipes. Havia vários métodos. Um deles era o par ou ímpar para saber quem seriam os cabeças, e dali escolhiam-se os participantes. Outro método era fazer uma fila em que se escolhiam as pessoas, não sei direto como era, mas todo mundo tentava burlar essa fila dizendo que era "ZERINHO", "FOLHINHA DE ABACATE, NINGUÉM ME RECOMBATE" (temo que minha memória esteja falha) ou "FILHINHO DE DEUS". Nossa mãe, ultra-apelativos esses bordões.

DESPOTISMO NO FUTEBOL
Minhas recordações do futebol infantil me remetem à porradaria, mandos e desmandos. Acho que o fato mais emblemático era o de um colega que simplesmente era o "dono da bola" no jardim de infância. Aliás, sem forçação de barra, acho que pensar, pensericar, sobre isso naquela época foi o primeiro e mais ultra-incipiente estalo na minha vida para o interesse pela política, pela diplomacia interna, pela organização da força, pela tal da natureza humana, se é que existe, pela formação do Estado e pela necessidade do Direito.
O futebol dependia dele, por mais que a bola e o campinho não lhe pertencessem. Ele era simultaneamente jogador e árbitro da partida. Ele mudava de time à hora que quisesse e ainda levava os gols que marcara ao longo de toda a partida para o time em que viesse a entrar. Isso queria dizer que, ao seu belprazer, havia vitória de um ou de outro lado. Ninguém nunca se rebelou contra a situação e todos se curvavam àquela estrutura tirânica e viciada. Arrisco-me a dizer que fariam o mesmo se tivessem a chance de estar na posição de dono da bola.
Daria uma tese de doutorado a análise daquela situação, e não raramente ela me vem à cabeça como um nanocosmo de sociedade, poder e Estado que, por ter vivido e sentido, pode me servir bem e à escala cabível como metáfora para algumas coisas que me cercam hoje.


CHARADINHAS INGRATAS.
Tem sempre alguém que ouve de irmão ou primo mais velho que o galo cantou para a galinha em Porciúncula e resolve trazer a novidade para a pirralhada.
Por volta da terceira série, lembro que um colega chegou para mim e perguntou se eu preferia dar ou receber. Acho que nem eu nem ele entendíamos bem do que se tratava a brincadeira, mas havia um temor absurdo em falar algo e ser muito zoado. Não me lembro do que respondi.
Em outra ocasião, a piadinha era a da galinha que botou na cueca três ovos e chocou um, do qual nasceu um pinto.
Entretanto, a melhor das charadinhas infantis aconteceu no terceiro ano do ensino médio. Isso mesmo, no ano passado. Não siga adiante, caso você não goste de piadinhas baixas. Ela consiste em perguntar para o próximo: "O que toma de café-da-manhã um indivíduo com um pênis grande? Você sabe?" Muitos ingenuamente respondem: "Não sei, o quê?"
E aí vem a resposta fatídica: "É foda ter pau pequeno, né..."

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O TAXISTA QUE NÃO DEU PAPO

Li certa vez, se não me engano foi no blog do Bruno Medina, tecladista do Los Hermanos, que papo de taxista é o último aliado daquele que escreve crônicas. Tudo bem que os tímidos ou reservados dificilmente terão a chance de perceber que uma corrida no táxi significa muito mais do que se deslocar com grande custo de um lugar para outro, mas aqueles que gostam de puxar um papo certamente sabem o quanto os taxistas tem muito a acrescentar. (Vale dizer, tem até o blog de um taxista gaúcho , o Taxitramas. Leitura extremamente recomendada!)

Especialmente no Rio de Janeiro, onde a simpatia, a cordialidade e a "intimidade com estranhos" (aliás, título bem interessante do novo álbum do Frejat) são valores sempre em voga, é quase certo que alguma inserção pequena de assunto descortinará uma longa conversa. E os taxistas, como trabalhadores que passam grande parte do dia num carro celebrando a aleatoriedade da companhia, com várias pessoas "nunca antes vistas" (pareceu discurso do Lula) entrando e saindo de seus carros, sempre acabam tendo algo interessante para repassar do que ouvem ou do que vêem.

Assim que entro num táxi, trato de puxar assunto, principalmente quando estou sozinho. Não entra na minha cabeça a possibilidade de ficar vinte minutos dentro do carro com alguém sem trocar uma palavra que não a informação da rua para onde estou indo. Já chego perguntando há quanto tempo a pessoa trabalha em táxi, se gosta, o que fazia antes, se já foi assaltado, que coisas engraçadas já aconteceram e etc. O taxista geralmente se sente super prestigiado, afinal, tem alguém interessado em saber o que ele tem a dizer, e talvez seja naquela hora que ele entenda porque não preferiu ser maquinista de trem ou motorista de ônibus. No táxi, não tem o aviso ingrato de "SÓ FALE AO MOTORISTA O INDISPENSÁVEL".

Já ouvi muita história interessante de taxista. Teve um que teve o carro roubado três vezes no mesmo ano, teve outro que disse que não fica com mulher com "kit" (depois ele foi explicar que "kit" é filho de outro casamento). Até história dramática já ouvi: separação com traição, demissão do emprego de anos, ...

Mas nada em momento algum me chocou mais do que a história de um taxista que também era policial e contou a seguinte saga: trabalhando no táxi, foi assaltado certa vez, no que o levaram por algumas horas para um cativeiro e lhe fizeram várias ameaças , o que ele chamou de "tremendo esculacho". Obcecado pelo que lhe aconteceu, o taxista policial ficou por cerca de três meses passando diariamente no horário e no local onde tinha sido abordado, procurando pelos criminosos, até que um dia encontrou seus malfeitores. Contou o taxista: "Aí eu peguei eles e resolvi ajudar a família deles". Até eu entender o que aconteceu, minha ingenuidade já havia me custado meia hora.

E todo esse bla-bla-bla foi, na verdade, para contar a história que não houve. Numa das maiores corridas que eu já fiz, aquela que tinha em potencial um loooongo causo a ser desenvolvido, o taxista simplesmente não deu papo. Perguntou para onde eu ia com voz seca e cansada. Respondeu monossilabicamente à primeira pergunta, com uma voz de enfastiado que inibiu qualquer diálogo. Falei do tempo, e ele limitou-se a fazer uhum. Falei do Botafogo, e ele disse que não gostava de futebol. Botava um ponto final em todas as frases... é, mas diálogo se faz de reticências. Nada mais falei. Vim da Barra até a Zona Sul olhando desolado para a janela. Paguei a corrida e dei um boa noite, no que mal fui respondido.

Mas é o que eu falei no início... taxista e crônica combinam enfaticamente. Veja você... até taxista que não dá papo enseja uma crônica!