GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Souvenir de mim mesmo

Hoje quebrou a escova de cabelo que eu usava desde que eu era bebê. Isso mesmo, eu tinha uma escova pequena verde-bebê que me acompanhava desde que eu cheguei ao mundo. Sei até de quem foi o presente, pelo que minha mãe contou: se não lhe falha a memória, foi de um tio.

Eu devo ser a pessoa mais nostálgica desse mundo e juro que estou chateado. Por mais que a escova estivesse toda ferrada, desgastada, com as cerdas imprestáveis e prestes a não servir para mais nada, ainda era a minha escovinha verde. Por pior que ela estivesse, se um dia eu viesse a desistir dela, eu jamais a jogaria fora.

O fato de a escovinha ter me acompanhado por toda a vida fez desenvolver entre mim e ela uma relação de afeição e companheirismo que eu ainda estou para explicar. Acontece que a partir dela eu conseguia lembrar de vários momentos da minha vida, várias ocasiões especiais em que eu me arrumei. Ela era uma espécie de portal para a minha própria história.

Lembro da minha mãe me penteando quando pequeno para ir para a escola, explicando porque meu cabelo não ficava direito: é que eu tinha um tal de redemoinho. Lembro de eu mesmo me penteando (e mal), achando que já era um homenzinho, e logo vinha minha mãe ajeitar tudo e reclamar (Dona Linda, sempre ela...). Lembro também de quando eu estava fazendo quimioterapia e, um dia, fui pentear o cabelo e ele veio junto com a escova... eu chorava diante do espelho com um tufo numa mão e a outra mão na escova.

Nunca levava essa escova para viagem: se você em viagem me viu despenteado, aí está explicado. Eu tinha vergonha da minha escovinha. Hoje eu levaria ela para viajar, mas já está tão velhinha que preferi deixá-la aqui, no mesmo pote de vidro.

Hoje aconteceu o que eu não queria: após um banho pouco solene, um pouco apressado, arrumando-me para algo nada extraordinário, minha escovinha quebrou. Partiu-se em duas, partindo meu coração junto. Uma parte caiu no chão, estatelando-se e a outra ficou em minha mão. Olhei-me no espelho desolado, como quando meu cabelo também havia caído... Dessa vez não chorei, óbvio, mas não sei se foi pior eu ter vindo aqui escrever,

Sinceramente, espero que o SuperBonder resolva. E se resolver, prometo não mais usar a bendita escova. Vou deixá-la guardada, no mesmo pote em que ela sempre esteve, com as cerdas para fora, como se estivesse a me observar. Ela vai sempre ficar no meu banheiro, acompanhando-me a cada etapa da minha vida, como uma testemunha ocular da minha vida. Quero que ela me veja ir para o trabalho, ir morar sozinho, casar, ter filhos e tudo o mais. Vou guardá-la com carinho, como quem preserva a própria memória, como um souvenir de mim mesmo.

domingo, 4 de setembro de 2011

o digital não envelhece

Há um fenômeno novo com que os nostálgicos de minha geração terão que aprender a conviver: fotos digitais não envelhecem.

Estava esses dias vendo umas fotos de 2004 e tal foi minha surpresa ao cair na real de que - caramba!-  as fotos eram de 2004. Fotos digitais não envelhecem, não ficam amareladas. Sua cor é sempre viva, sua definição é sempre exata. Seu tempo é estático perante o próprio tempo: não bastando a própria foto congelar um momento, o registro ainda fica imune ao passar dos dias.

Uma foto digital é uma burla aos nossos corações para que continuemos nos enganando quanto ao voar dos dias no rastejar de nossos passos, no doloroso descompasso entre o tempo sentido e o tempo passado. Não adianta o EXIF dizer que a foto é de tal ano, nem a própria data estar impressa no canto inferior esquerdo, nem a imagem estar um pouco pixelizada, sugerindo que a câmera usada é das antigas...

É como se nossa nostalgia só compreendesse como linguagem o sépia, esse tom marrom um pouco amarelado que enverniza o passado. Nossa ponte visual para com o passado depende desse amarelo indeciso, e tanto já aprendemos isso que não à toa temos aplicado essa tal "cor das saudades" a fotos recentes, de modo a lhes forçar uma estética nostálgica que ainda não cabe. Agindo como grileiros digitais na era do Photoshop, ludibriamo-nos quanto à percepção do tempo, como se tentássemos - em vão - nos vingar do golpe duro que a era digital nos desfere no momento em que as fotos naturalmente não ficam amareladas, nem desbotam, nem se indefinem.

Talvez um dia inventem um amarelamento natural, digital, progressivo e automático para esse amontoado de jpegs, de modo a nos sinalizar, de cara, que se trata de velharia. Mas, com toda honestidade, não sei se eu gostaria disso. Parte da graça nostálgica - e isso pode soar esquizofrênico - está em ver o ontem como fosse o agora, mesmo que por um infinitésimo de segundo, para que logo em seguida se dê conta, como quem cai na real - ou nela despenca - de que aquilo é virtual e inalcançável. A nostalgia tem seu quê de auto-engano e, ao menos nesse aspecto, pode ser que o digital tenha algo a lhe somar...

2004


mês passado

quarta-feira, 22 de junho de 2011

metametalinguagem

Sempre que me falta inspiração digna, escrevo um texto sobre o ato de escrever ou sobre a própria falta de inspiração. Mas hoje eu quero escrever sobre a minha falta de saco para escrever de metalinguagem e aqui escancarar minha raiva desse subterfúgio criativo, ao qual não raramente apelo, mas raramente não execro.

A metalinguagem é oficialmente o fim de feira dos estilos literários: é tudo o que sobrou, o pouco que sobrou, um verdadeiro nada. É o produto que você só leva se estiver no desespero. E se precisar mesmo levar.

Claro que escrevendo sempre posso ficar em silêncio (até me arrependo de ter começado esse texto, mas vamos lá), opção que tenho exercido com frequência recentemente (por que não continuei exercendo então?). Às vezes, porém, a frustração de escrever algo e não achar digno de postar ou de não conseguir escrever me força a essa escrita metalinguística residual, pois somente o sentimento de ódio à improdutividade literária é capaz de me despertar a verve que me faz bater dedos fortemente nesse teclado, sentindo essa energia que preciso sugar como uma prova diária auto-dirigida de que um coração ainda pulsa e se emociona.

A metalinguagem é maneiríssima à primeira vista e parece uma grande sacada do autor, afinal, como alguém que tem uma sensibilidade tão grande que consegue sair do próprio processo e ver a si mesmo como um terceiro? Não dura muito esse sentimento:  tal qual um doce enjoativo, seu sabor logo se degrada superado o ineditismo, ficando suas palavras impalatáveis. A paciência logo se esgota em ouvir o autor falar de sua inspiração, de sua escolha de palavras e da arrebatação em si, em vez do sentimento que o arrebata. 

Metalinguagem é a saída pela tangente da própria frigidez literária. É uma pausa sonora num hiato que deveria ser silencioso. É o esforço de negação, a autodefesa diante da decepção em não se ter nada melhor a dizer. Perdoem-me a incompreensão daqueles que, no entanto, sempre têm algo mais interessante a dizer e escolhem ser metalinguísticos: esses o fazem só para não perder a dimensão da realidade, como alguém que come Batom quando pode ter um Lindt. Não entendo.

Se metalinguagem já é o que sobrou, fico me perguntando o que é a metametalinguagem. Só um esforço de impressionar a mim mesmo? O ponto fora da curva de uma curva fora do plano? A potenciação quadrática do fracasso criativo? O réquiem para um sepultamento extemporâneo do eu-criativo? A certidão de óbito desse blog?

Talvez - espero - seja só mais uma fase... e que fase!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

facebook

o vazio do facebook é o vazio da própria vida.

uns começam a namorar...
as amigas dizem "ai que fofo", como se a vida fosse um filme da disney.
os amigos lamentam um a menos na guerra... mas daqui a pouco voltará.

outros terminam o namoro...
as amigas dizem "ai que pena", como se o filme da disney agora virasse uma comédia romântica e essa fosse só uma entrecena rumo ao final feliz.
os amigos comemoram, ou bebemoram, se o cara precisar afogar as mágoas: já aconteceu com todo mundo.

uns reclamam de futebol... isso quando UFC não tá na moda.
uns reclamam da vida... conheço um bem reclamão até.
uns reclamam do próprio facebook: sempre tem espaço para ser meta.

outros postam fotos, quantas viagens...
mas tem que ser para europa ou para nova iorque.
se botar foto da disney, é porque tem 15 anos.

facebook virou a alternativa não-paraíba frente à popularização do orkut.
mas por quê? agora tem nojinho virtual?

uns trocam a foto para aderir a movimentos fofos: personagem de desenho animado, êba!
uns curtem causas: tem que parecer engajado até aqui, né!
outros ficam no batepapo... puta que pariu: faltou inventar a função invisível e inventar um som melhor.

a boa do facebook é curtir. você clica e pronto.
ainda fica parecendo reservado ou um dropador de tiradas.
(não sei de onde tiraram que ser lacônico é chique).

tédio e facebook parecem feitos um para o outro.
ainda mais se tiverem inventado o F5.
vira uma compulsão!

Assinado: quem não vive sem.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

epílogo epistolar

(setembro / 2010)

engraçado ver como você saiu mesmo da minha vida. hoje vi sua foto e olhei lá no fundo do brilho dos teus olhos: eles não mais me comovem, por mais enigmáticos que ainda possam parecer.

talvez você ainda me inspire este texto, mas sou só alguém que ri de uma desgraça superada. este texto não rende homenagens a você. ele é na verdade uma homenagem a mim mesmo: acho-me bom por ter saído fora do poço que você me significou.

tuas músicas não mais me tocam, nossos lugares não mais me mexem, tuas lembranças são neutras.

convivo com teus fantasmas como se ordinários fossem. também nunca esperei os esquecer de vez. eis que de repente, você está ali me olhando... mas eu só volto a viver. emito uma auto-nota de "i see dead people" sem me alterar em um batimento cardíaco sequer.

meu coração ainda se debate - ainda bem! - por mais que combalido: sinto-o pulsar como um ex-combatente que bem conheceu os horrores da guerra e hoje anda com mais calma.

minha sensação é a de final de filme, e agora me coloco a resenhá-lo, como se o fade out estivesse a se aproximar. fui o protagonista e - acredite! - o antagonista do meu próprio enredo, uma trama de romance que virou superação, exatamente no dia em que percebi que não era você a atriz principal, mas limitava-se a uma mera coadjuvante. a história era toda minha. o roteiro era todo meu. o conflito era todo meu, o conflito era todo eu.

sem mais delongas, esse óscar eu dou a mim mesmo.