GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A TENTAÇÃO DE MÃE VALÉRIA

Quem já perambulou por Ipanema bem sabe que nos postes de cada esquina, além da luz que ilumina a rua, fatalmente encontram-se cartazes com oferta tentadora de uma mãe-de-santo a iluminar corações aflitos e apaixonados:

MÃE VALÉRIA: TRAGO A PESSOA AMADA EM TRÊS DIAS.

Acho bonito que exista uma mística, um jogo e, às vezes (aham), até um drama no apaixonamento e na sedução. Conquistar o outro e cativá-lo aos próprios braços é um trabalho difícil, embora ocasionalmente ele nos ocorra com tanta facilidade e surpresa que não raro somos levados a acreditar que há alguma explicação inesperada, como energias, cosmos, e outras baboseiras (?), por detrás. E se houver mesmo? Enfim.

Talvez a dificuldade do trabalho de conquista amorosa seja justamente a bilateralidade. E conquistar é verbo que pressupõe resultado: ninguém conquista como tentativa. Diferente de outros "projetos" aos quais nos dedicamos na vida, o projeto da conquista amorosa não funciona se estivermos obcecados, nem se focarmos todas as nossas energias para o resultado almejado. Nesse departamento, as coisas são diferentes: se formos com tudo, assustamos a quem queremos cativar. Se formos "com nada", ou melhor, se não formos, pagamos o preço da nossa omissão, embora alguns insistam em dizer que a rejeição acaba sendo convidativa. Pode até ser, mas não para quem age estrategicamente, isto é, para quem rejeita intentando conquistar. É que os apaixonados não conseguem mentir sobre a paixão: quando mentem é porque se atrapalharam tentando não apressar a verdade.

O que Mãe Valéria promete, com suas ligações transcendentais que nem ouso explorar, derrotar ou confirmar, é resolver essa questão difícil: eliminar a bilateralidade da conquista e simplesmente fazer conquistar o outro, como quem pratica um ato em vez de um contrato.

Meu "eu liberal" fica perguntando se isso é interferir demais na vontade alheia, se é que tal é verdade e não um mero engodo a se aproveitar da fragilidade dos apaixonados. Meu "eu romântico" (que não necessariamente se contrapõe ao liberal) pensa, por sua vez, em tom eufemístico: Mãe Valéria é só um empurrãozinho do universo para um amor consciente e voluntariamente dirigido.

O que quer que seja, Mãe Valéria é tentadora. Promete eliminar domingos chuvosos sofridos, leituras pessimistas de entrelinhas, desertos de espera por mensagens que tardam ou não chegam, palavras truncadas em esbarrões de corredor, discussão sobre se há ambiguidade ou univocidade nos gestos simples e complexos.

Promete debelar o frisson, que em alguns gera verdadeira inquietação epistemológica - tamanho é o amor à verdade -, de encontros tão bem justificados sob o manto da coincidência e da casualidade, bem como de desencontros igualmente bem justificados sob a escusa do azar e da fatalidade.

Alguns vão dizer que Mãe Valéria é como uma trapaça no jogo da conquista. É como usar um cheat. Você se diverte usando cheats? Eu me divirto, em geral.

A diversão é menos verdadeira porque usou cheat? Não sei. Nunca fui dessa galera que gosta de jogar games fazendo as missões e levando a sério o enredo. Talvez por isso jogos nunca foram atraentes em minha vida. Quando podia, colocava um cheat e ficava só zoando. Sentia menos desafio, eu concordo:  mas nunca quis buscar num jogo algo além de mero entretenimento. E adrenalina não me entretém.

De desafiadora, sempre me bastou a vida: talvez ela assim o seja porque justamente consiste da "arte" (é tão brega dizer que algo é "a arte de") de conciliar vontades próprias com vontades alheias dentro das possibilidades fáticas que se põem sobre a mesa. A vida, em muito, é a correspondência entre o que nós queremos, o que os outros querem e o que se pode fazer. Mãe Valéria promete ajustar os dois últimos elementos aos desígnios do primeiro.

Isso pode significar destruir toda a graça da conquista e o próprio percurso amoroso que serve de lastro aos romances. Uma conquista amorosa suada acaba por valorizar o amor. Acho que Mãe Valéria, se é que vale a pena de alguma forma, não o vale como recurso principal, mas é fato que apaixonados sem esperança podem encontrar nessa oferta encantadora o melhor alento - e a última trincheira - para seus corações inquietos.

Falo de Mãe Valéria em tom documental, como se lá já tivesse ido. Nunca fui. Morro de vontade de ir, tanto como cronista curioso e cético desconfiado quanto como apaixonado ocasionalmente frustrado. Eu bem lá sei que Mãe Valéria não faz muito sentido: ela é reprovada em todos os meus testes lógicos e de coerência. Até consigo pensar em problemas à atuação de Mãe Valéria.

Vejam só. Se ela fosse infalível, haveria uma fila gigantesca de meninas à sua porta, ansiando pelo Príncipe Harry em seus braços: mas não existe Princípe Harry para todas e, ainda que houvesse, para ele chegar em três dias teria que passar um dobrado com sua agenda institucional. Do mesmo jeito, quando dois homens desejam a mesma mulher, quem leva a melhor? Quem chegar primeiro? Quem tiver o santo mais forte? Quem pagar mais? Problemas...

Fico me perguntando sobre o que Mãe Valéria fala e faz. Não pode ser possível que alguém se mantenha no mercado de condução-de-pessoas-amadas-em-tempo-recorde há tanto tempo com base em mentiras básicas ou bobas... Tudo bem, ainda que ela esteja mentindo como charlatã profissional, não é possível que coisa alguma aconteça (ou é?). Talvez ela seja apenas uma boa conselheira amorosa, não descarto a possibilidade. Seria uma "Hitch" carioca com leves predicados mediúnicos e epíteto matriarcal?

O que sei é que Mãe Valéria é uma tentação permanente. E não é porque me disseram que ela até é uma senhora bonita...