GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A velhinha da xerox

Aqui no Centro do Rio, do lado do prédio onde meu pai trabalha, tem uma lojinha muito pequena onde funciona uma minipapelaria, na qual fazem xerox, vendem canetas, papéis, filmes fotográficos e tiram fotos 3x4 instantâneas.

Nessa minipapelaria, trabalhava uma velhinha, seu marido (eu acho) e seu filho (eu acho). Sempre estava algum dos três trabalhando, e a senhora costumava ficar numa cadeira na porta da papelaria, pois lá dentro não havia ar condicionado e ela parecia sentir calor. Era de pele branca e possuía os cabelos branquinhos. Nem magra, nem gorda. Sempre sorridente. Era fofinha, por mais que dizer isso soe redundante.

Desde os meus 14 anos, quando eu comecei a me aventurar pelo Centro da cidade, exorbitando do eixo Copacabana-Ipanema-Leblon, eu inevitavelmente passava por essa minipapelaria. Sempre fazia questão de olhar para dentro da loja e ver se a velhinha estava lá. Por alguns anos foi assim e sempre estava ela lá, sentada na tal cadeira, entre a rua e a loja, vendo as pessoas passarem e falando com os clientes.

A gente só se falou uma vez na vida e isso já deve ter uns cinco anos. Eu estava com meu pai e ele foi fazer uma foto para tirar o passaporte. Ela acompanhou o outro moço que ali estava a fazer a foto na cabine instantânea. Disse, ao fim, que meu pai era lindo. Ganhou pai e filho.

Eu ficava realmente feliz a cada vez que passava pela loja e constatava a presença tão agradável daquela senhora, ainda que a gente não se falasse, ainda que eu a olhasse sem retorno, ainda que eu não comprasse nada naquela loja humilde, ainda que eu nunca fizesse minhas fotos 3x4 naquela máquina suja onde diariamente dezenas de pessoas deixavam estampadas suas faces pouco (falsas) ou nada sorridentes.

A cada vez que eu passava pela loja e via a velhinha com suas bochechas levemente coradas rindo e interagindo com os que ali estavam era como se eu marcasse um item positivo dentre os vários que constam do check-list de estabilidade de vida. Era como uma confirmação de que as coisas continuavam no seu lugar, do mesmo jeito que se entra no seu colégio antigo e as pessoas ainda usam o mesmo uniforme e reclamam dos mesmos professores, ou que depois de longos e tenebrosos invernos o telefone da sua ex-namorada ainda é o mesmo ou que no Natal ainda farão aquela sobremesa com receita especial que há tantas ceias aguça os apetites. Posso fazer uma lista de coisas mais óbvias, ou nem tanto, que dão essa sensação de que o mundo ainda é mundo e de que você ainda está no seu tempo. Um dos meus marcos era passar pelo Centro e olhar a velhinha na sua cadeira.

Se eu era um estranho para ela, só mais um dos trocentos que transitavam diariamente pela Cinelândia, ela não era uma estranha para mim. Era a velhinha fofinha da xerox. A presença dela, silenciosa, ali bastava. Se ela estivesse ali, como sempre, estava bom para mim. Ela não precisava saber que eu existia, que eu me importava com ela, que ela fazia alguma diferença no meu dia.

Desde que comecei a estagiar no Centro, meu trânsito pela lojinha da velhinha passou a ser diário. Comecei a sentir sua falta depois que por muitos dias eu passava por lá e ela não estava. Andando rápido, como sempre, eu passava pela loja e procurava a velhinha. Demorava mais no passo para conseguir olhar lá dentro, pois na porta ela não estava. Em vão. Pensei se ela estaria meio doente, se estaria cansada de ir para o centro todo dia, ... Por alguns dias eu quis entrar na loja e perguntar para o senhor que ali continuava trabalhando diariamente o que havia acontecido com a velhinha. Achei, porém, que seria freak demais. E eu talvez não suportasse muito bem ouvir da boca dele, tendo que lhe dar alguma resposta, que algo de muito ruim havia acontecido, se esse fosse o caso.

Deixei para perguntar para o meu pai, afinal, ele está sempre por ali e deveria estar melhor informado. Segunda-feira agora, perguntei para ele, enquanto tomávamos café-da-manhã na lanchonete que fica ao lado da lojinha. Ele falou que estava tudo bem com a velhinha e que ela sempre estava por lá. Aliviei-me por um segundo, confiando na inconfiável noção de tempo do meu pai. A garçonete, porém, interrompeu nossa conversa e falou, um tanto desolada, que aquela senhora falecera já havia três meses.

Até hoje não sei seu nome, não sei sua origem, não sei sua idade e nem especulo sobre a sua causa mortis. Não preciso saber e sabê-lo talvez tornasse as coisas mais corriqueiras, mais desimportantes e menos simbólicas. Se ainda puder me redimir desse não-saber, que no fundo só serviu a tornar a senhora ou a história mais interessantes, resta aqui uma homenagem...
Post mortem, ainda que seja, infelizmente.

sábado, 14 de novembro de 2009

o brócolis

Eu olhei para o brócolis e tive vontade de escrever um texto, mas fiquei me indagando sobre o que meus caros leitores teriam a dizer sobre isso depois de mais de um mês que eu fiquei sem escrever, digo, sem publicar.

O brócolis não tem lá muitos atributos que mereçam ser poeticamente entronizados, se lá é verdade que a poesia é capaz disso tudo. O brócolis é verde como qualquer planta, é relativamente macio, como qualquer alimento e é saboroso como qualquer coisa que se põe à boca quando se está com fome. E ele também é rugoso. Rugoso de um jeito que chega a incomodar, mas na aula de biologia a gente aprendeu que é só para aumentar a superfície de contato, então vamos relevar essa marca da mãe natureza.

Mas o brócolis hoje foi digno de um texto. Do mesmo jeito que outros assuntos frequentemente aqui o são. Não porque sejam em si dignos ou indignos, românticos ou não-românticos, tocantes ou não tocantes. Amor em si não é poesia. Decepção em si não é poesia. Nem poesia em si é poesia, oras!

O brócolis também não é poesia em si. E para que se torne, não basta que eu fique aqui elogiando suas curvas, seu sabor, seu traço geométrico, ... É preciso que eu tire dele algo para além dele mesmo. Talvez seja essa a graça da poesia: não estar em si, não ser ínsita ao objeto poético. Ela dialoga com quem lê ou com outra coisa qualquer que quem lê percebe.

O brócolis hoje talvez não faça sentido nenhum a vocês. Nem a mim faz muito, para dizer a verdade. Mas foi fantástico olhar para o brócolis e ter o ímpeto de fazer com que ele não fosse só mais um brócolis comido, digerido e expurgado na minha vida. Foi fantástico fazer com o brócolis o mesmo que eu faço com outras coisas mais nobres da vida. Tudo bem que o brócolis não é tão nobre nem tão inspirador quanto a paixão, a desilusão e esses sentimentos arrebatadores que comumente me encantam. Fato é que esses sentimentos são tão mais brócolis do que eu pensava quanto o brócolis é tão mais esses sentimentos quanto eu supunha.

No "papel", tudo cabe...

sábado, 10 de outubro de 2009

A ESPERANÇA E A CERTEZA

A esperança deve ser algo como uma versão mais modesta da certeza. Quase um artifício retórico para não soarmos tão pretensiosos. Digo isso porque a esperança também convence nosso querer e nosso pensar... é a grande fomentadora de ilusões. E porque a certeza é uma grande desilusão, embora, sem se perceber, seja também um pouco iludida: pensa-se não haver mais dúvidas em relação a um futuro ou a um quase-presente... mas o futuro é o reino do incerto, nele o que fazemos é passear nas nebulosas aléias da alea.

A esperança e a certeza, ambas trazem um certo frisson: uma é a expectativa da confirmação e a outra é o medo de dar errado. Mudando o que se deve mudar, é um pouco como aquela história de copo meio cheio e meio vazio. Tudo depende do ponto de vista, que por sua vez depende de como acordamos no dia, o que pode inclusive estar relacionado a como o dia está: a quantidade e a posição das nuvens são variáveis desse resultado.

E a vida às vezes me parece um pouco como a previsão do tempo, na verdade. Nenhuma relação entre o presente-vivido e o amanhã-esperado é conclusiva. Sempre há alguma esperança ou alguma certeza de que amanhã vai fazer um sol maravilhoso, quer se anuncie o dilúvio, quer se anuncie a calmaria. Fato é que a nossa vontade e o nosso agir também contam um pouquinho para mudar o rumo das coisas. O quanto, eu não sei. Eu ainda não acho que sou São Pedro, mas já venho lá reduzindo minha emissão de CO2 para o tempo não ficar tão catastrófico. E diante da tempestade, sempre tem a possibilidade de se ir para uma cidade onde está fazendo muito sol. As vezes ela nem é tão distante...

sábado, 3 de outubro de 2009

cortar as unhas

Percebo que está tudo muito corrido na vida quando eu vou cortar as unhas e elas estão grandes, mas parece que foi logo ontem que eu as cortei pela última vez.
Explico e é fácil de entender: cortar as unhas é um momento de reflexão, igual à hora em que se fica debaixo do chuveiro,  ao lapso em que se coçam as costas ou ao ínterim ("vareia" de um segundo a algumas horas", vide o que eu escrevi sobre insônia) entre encostar a cabeça no travesseiro e efetivamente dormir.
Cortar as unhas é mais do que um ato de higiene. É um ato de auto-preservação e, também, de preservação alheia. Você destrói uma de suas armas, tolhe suas garras em nome de o tiro não sair pela culatra.
Cortar as unhas é um ato de auto-conhecimento. E não é a toa que as manicures têm seu lado psicóloga...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

@morse

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quem ser?

domingo, 27 de setembro de 2009

E SE HOJE ACONTECESSE UMA TRAGÉDIA?

E se hoje acontecesse uma tragédia? O que seria do meu amanhã auspicioso? E dos meus livros ainda não lidos? E das minhas roupas ainda não usadas?

Se hoje acontecesse uma tragédia, o que seria do meus sonhos vividos e dos meus pesadelos evitados? E do futuro promissor? E das promessas não pagas? Quem cumpriria minhas metas? Quem me substituiria na ciranda da vida? Quem beberia no meu copo, quem herdaria minhas roupas, quem vagaria com as minhas ilusões?

Quem exorcizaria meus medos legados? Quem contaria meus dramas e minhas angústias adiante? Quem colocaria na sua própria estante, como se seus fossem, os souvenires de meus amores pretéritos? E se lá não os colocasse, quem ousaria descartá-los?

E se hoje acontecesse uma tragédia? Quem me vestiria o terno de cerimônia que eu levaria para a eternidade? Quem recitaria o poema de partida? Quem acolheria em seu aconchego meus amados e minhas amadas e lhes secaria o choro?

Se hoje acontecesse uma tragédia, quem iria dormir desejoso de acordar no dia seguinte e ver que nada havia ocorrido? E quem não iria sequer dormir?

O que seria de mim?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A LUTA CONTRA O SONO PELO SONO

É absolutamente desesperador o domingo à noite, quando chega aquela sensação infeliz de que o fim de semana acabou. O que tinha que ser curtido já foi curtido, e o que se deixou adiar, agora só daqui a cinco dias.
A noite vai terminando declarada pelo "boa noite" do Fantástico, e é aí que bate o desespero: "preciso me divertir um pouquinho mais!". Convencer-se de que simplesmente é hora de ir pra cama é algo muito árduo. Por mais que haja algum sono, há aquela esperança de que algo maravilhoso ainda irá acontecer, e essa espera ansiosa mantém a vontade de dormir distanciada da necessidade que se torna mais evidente a cada minuto.
É a hora desesperada em que se lê algo que já deveria ter sido lido durante a semana. Ou em que se entra no orkut para vasculhar a tragédia alheia. É a hora em que se reza: agradecemos e pedimos, ou pedimos e agradecemos (nesse caso a ordem importa), se só depois é que nos dermos conta de que podemos estar sendo um pouco abusados com a divindade.
A idéia de deitar na cama e simplesmente dormir é mera utopia. Você deita na cama para dormir.  Não deita na cama e dorme. Ver a cama como meio é colocar-se no abismo de angústia entre o ato e resultado, a angústia de que a cama não é o fim. A angústia que suscita o eco da semana inteira ressonando por completo em apenas alguns minutos, com as lamúrias do passado e os auspícios do futuro. Mas sempre angústia. Há, inclusive, a angústia de não se tolerar angustiado naquele momento: a meta-angústia. E aí a meta-meta-angústia. A meta-meta-meta-angústia. E por aí vai: uma frustração por conta de outra frustração! E essa relação infinita, em que dentro da angústia você vê a própria angústia, o fractal da angústia (!), é o que faz você viajar.
Eis que em algum momento, do qual você não se lembra, mas que certamente acontece, tudo para e você dorme (ou não, né...). Dorme porque se cansou de se perceber cansado. Dorme simplesmente porque se distraiu, angustiado ou não, pensando em dormir ou não, pensando em pensar ou, simplesmente, nada pensando. Dorme e só. E sem se dar conta se isso é bom ou ruim, se é feliz ou triste, se foi o fracasso e a resignação diante do fim do fim-de-semana, ou se foi a vitória de se pôr a descansar para mais uma semana.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

SIMPLES ASSIM

Deixaram um bilhete por debaixo de minha porta. Era azul claro e continha os dizeres "oi =)".
Deixaram um post-it dentro do meu livro. Era amarelo e continha os dizeres "oi =)".
Mandaram uma SMS de número desconhecido. Tinha 5 caracteres (espaço é caractere?): "oi =)"
Enviaram-me um e-mail de remetente anônimo e seu conteúdo era: "oi =)".
Mandaram-me um scrap de profile falso e ele dizia: "oi =)".
Deixaram recado na secretária eletrônica, shout no last.fm, aviso na comunidade da turma, @ffapd1989 no twitter, avisos telepáticos inesperados, cartazes na janela do vizinho da frente, sussurros de desconhecidos enquanto eu andava pela Av. Rio Branco, filipeta no para-brisa do carro, pop-up no meu navegador, ... E tudo dizendo: "oi =)".
E eu queria conhecer quem era essa tal pessoa que me mandava "oi" e uma carinha feliz. Ela queria algum contato? Mas por que eu? Seria um psicopata à minha espreita? E esse oi... o início de uma aproximação? Ou alguém querendo dizer "cuidado, estamos de olho"?
Eu fiquei com a dúvida e achei que fosse levá-la para o caixão. Não me aguentava de curiosidade, mas fazer o quê?
Um dia, entretanto, o telefone tocou. Falaram oi. Mas com outra entonação. Não foi aquele oi sutil, como se esperasse um outro oi e dali a conversa corresse normalmente.
Foi um oi envolvente, como se estivesse saudando todo mundo no recinto. Um ôiii, com chapéuzinho do vovô no "o" e "i" prolongado.
E aí, sem mais nem menos, eu descobri que era só uma estratégia publicitária da companhia telefônica.

domingo, 13 de setembro de 2009

MONOSSÍLABO TÔNICO

(resíduos do último eu-apaixonado...)
Espero seu monossílabo tônico e quero que ele venha com mais força do que sua tônica habitual, para me arrebatar de vez, seja de entusiasmo, seja de frustração.
Seja seu monossílabo tônico a resposta binária que distinguirá o nunca do pra sempre, ainda que no fundo eles sejam a mesma coisa: detêm a mesma certeza, que no fundo é a pretensão humana quanto a um futuro do qual se pensa senhor, e se destroem facilmente em face de alguma ou qualquer novidade, daquelas que, com o perdão da redundância, não se estão realmente esperando.
Quero o monossílabo tônico, pode ser um ou o outro, como a expressão de uma vontade. Não uma vontade espasmódica, estabanada, dessas que sai por aí como mero capricho, mas uma vontade pensada. Tão pensada e repensada, que, de infinitas, complexas e impronunciáveis sílabas, conseguiu-se resumir a uma só, porta-voz de todas as razões que a motivam.
Difira o defiro do indefiro. É tudo que peço. Sigo viagem ou me mudo para a sua vida?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

ENQUANTO A MENSAGEM NÃO CHEGA

(postando textos esquecidos entre os rascunhos desse blog...)
Enquanto a mensagem não chega, não desgrudo do celular. Olho as horas, entro no joguinho, vejo fotos antigas (algumas tão nostálgicas), vejo as mensagens que recebi e as mensagens que enviei.
Ponho o aparelho no bolso, mas a cada minuto me lembro de que eu posso não ter sentido a vibração e aí a SMS estaria lá, me esperando, depois de tanto que eu já a esperei.

Espero ainda, e isso é tudo o que me resta fazer, por mais que paciência não seja lá minha maior virtude. No auge de meu imediatismo a longo prazo, traduzido em querer para ontem o que se terá para o resto da vida, eis que o telefone vibra e quer chamar a atenção.
Mas é minha mãe ligando. Ou é só um amigo perguntando qual é a boa. Ou é só a operadora oferecendo mais um serviço. Ou é engano. Nada relevante.
No que espero, não vem. No que desisto de esperar com uma pontinha de esperança de que na distração acontecerá, também não vem. Mas se relaxo completamente e realmente me convenço de que nada acontecerá, aí ganho razões para ainda acreditar. Expectativas e esperanças não são exatamente sinônimos.
A mensagem tão esperada chega, mas não traz nada de muito especial. Será que é melhor ligar?

terça-feira, 18 de agosto de 2009

SAUDADES

(ou "evadir-se")

porque não ficaremos o dia inteiro sentados olhando a vida passar,
enchendo o copo, conversando e ruminando o assunto.
bebendo o líquido da fonte inesgotável,
que o bom futuro não há de secar.

mas nossa saliva antes secará,
deixando com sede os que nos amam.
e nossas pálpebras fecharão nossos olhos especulares,
(ou antes terão a clemência de fechar nossas pálpebras...)
e não mais seremos reflexos perambulantes,
escancarando verdades a quem quer que nos veja,
mas incapazes de vermos nossas próprias verdades.
porque, agora, ainda estamos por detrás dos olhos,
vitrais brilhosos de círculos concêntricos e cores personalíssimas,
e porque lá fora é mais claro: ainda é dia.

mas o dia em crepúsculo anunciará o breu,
em conclamação tácita a que acendamos nossas luzes.
porém, um dia, apagaremos...
e aí tentarão nos ver, mas nem sombra seremos,
e tentarão nos escutar, mas só ouvirão o eco minguante que restou ao ouvido,
e tentarão nos tocar, mas as mãos modelarão o ar em curvas corpóreas,
e tentarão nos cheirar, mas enganar-se-ão com o perfume enfrascado,
e tentarão nos provar, mas as bocas restarão aguando.

gritarão
chorarão
vão se comover...
vão se lembrar?
ou vão se esquecer?

e imaginarão, só imaginarão... sem perceber.
e isso, por ora, lhes bastará.
pois seremos sem estar-aqui ou sem estar-aí.
seremos estando-ali ou acolá, não importa onde será.
e inundar-se-ão de um "nós" impalpável, mas inebriante.
pensarão que estarão conosco, quando na verdade estarão sozinhos.

mas, certa hora, findará esse doce engano,
que traveste em infinita a duração de infinitésimo do homem.
e aí nada mais seremos que saudades.
(e assim ficamos para a semente.)

domingo, 16 de agosto de 2009

Bora

Bora lá,
bora cá,
bora fazer,
bora sair...
podemos borar juntos,
quem sabe borar a vida inteira,
até a hora de ir embora.
Bora logo que atrás vem gente,
borando incessantemente,
desesperados para borar por cima de tudo e de todos.

E que tudo e todos também borem.
Borem e corroborem a cada dia a boração.
Não vão me importar, esses boradores.

Bora?
Eis o meu convite indecoroso...
(que chegue em boa hora.)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

pas.encore

Porque já chegou agosto e eu nada escrevi.
Porque já estou de férias e pouco sorri.
Porque se espalhou a gripe e eu ainda não adoeci.
Porque já passou a época do caqui e eu não comi.
Porque veio a crise e eu não desinvesti.
Porque repetiram e eu não entendi.
Porque tocou a campainha e eu não ouvi.
Porque terminou e eu não aplaudi.
Porque foi sutil e eu não senti.

Porque já fiz 20 anos e pouco vivi.
Porque foi há duas semanas e eu não percebi.
Porque a vida passa rápido e ainda não a compreendi.
Porque a divagação veio, mas vai parar por aqui.
Porque já são quase cinco da manhã e eu ainda não dormi.
Porque, amanhã, a manhã já vai ter chegado...
e eu ainda não vou ter acordado.
Se para rimar com -ado não serve f**ido,
estarei, , então que seja!, atrasado...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

EMPATIAS E CATARSES

Escrevo não mais porque quero só me expressar e mostrar - demonstrar - o quanto eu posso ver o mundo igual de uma forma diferente. Como se eu pudesse ver esse tal do além, essa tal balela do "beyond", tão arrogante quanto o inglês nele impregnado.

Escrevo hoje porque quero despertar empatias e catarses. Empatias, porque quero que o leitor, você, sinta-se no meu lugar. Sinta o meu sujeito que se materializa em emoção no objeto que eu projeto, no texto que se coloca.

Catarses, porque quero que você sofra junto, sofra daquilo que você também tem a partir do despertar do que estava latente.

Quero que você venha me dizer não que eu o tenha convencido de algo, mas que eu tenha feito você sentir algo que você já tenha sentido ou ainda sinta. Quero que você vibre comigo. Quero que você torça junto. E se for pra sentir de fato só depois, que se lembre do que já sentiu virtualmente por aqui.

Quero que o texto seja só o pretexto, a função fática, para a nossa intersubjetividade. Eu e você. Você e eu.

Meus personagens são só canais. Minhas letras são pontes com diferentes contornos. Meu texto é só um texto, que não existiria sem mim... e nem sem você.

As coisas aqui são quase quase como um "So What's Between?". A última palavra do blog deveria ser um x, a ser preenchido com alguma preposição de lugar em inglês.

E omitir a preposição pode ser o melhor comentário para esse texto, se a insolência for a sua resposta.

"So what?"
E eu respondo: nada.

terça-feira, 9 de junho de 2009

DEVE HAVER ALGO DE ESPECIAL ME ESPERANDO LÁ FORA.

Deve haver algo de especial me esperando lá fora. Sei lá o que pode ser, talvez algo que vá mudar minha vida, meu dia ou meu minuto. O importante é que mude e que, de alguma forma, me faça sentir prestigiado por aquilo que eu não controlo: as oportunidades. Criar oportunidades não é possível exatamente. Na verdade, o que se faz é deixar a cisterna aberta e esperar que chova, ou tirar as roupas do varal por conta da mesma chuva. Sempre dependemos da chuva, mas nem sempre ela nos alcança. Pior é que, às vezes, ela até nos alcança, mas não estamos preparados para ela naquele momento, ou, se estivermos, ela pode vir numa dose que de remédio vira veneno.
Alcançar a medida certa e sinérgica é um esforço colossal. Primeiro, tem-se o desespero de ficar olhando a todo minuto a previsão do tempo, achando que ela, como um oráculo, nos permitirá optar com antecedência pelo melhor caminho. Depois, é o peso de ter que carregar todo o dia o guarda chuva na mochila, pois aquele dia poderá ser o dia, ou de se ter que ter um protetor solar a mão, sempre, pois a possível trégua da chuva ao sol é convite tácito e irresistível à praia.
Deve haver algo de especial me esperando lá fora... ah, deve! Banho de sol ou banho de chuva. Ah, deve!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

"(F)RIO" DE JANEIRO

Vai galera, ponha o xale. Não só ponha o xale, de preferência quadriculado, como também calce a bota. Vista sobretudo o sobretudo, sobre tudo. Coloque os óculos escuros e se olhe no espelho com olhar insolente, afinal, ser sorridente e simpático é muito tropical e latino. Dê um nó maneiro no xale, ponha o iPod no ouvido. Ponha o pé fora de casa e disfarce o algum calor que você inevitavelmente estará sentindo. Mas não dá para dar bandeira e começar a suar!
Acenda um cigarro e tome um chocolate quente ou um café. De preferência, no Starbucks. Pare numa livraria e vá na seção de psicologia ou ciências sociais. Se for pra completar a total viagem, vale arrumar um guia de turismo.
Nunca olhe de frente para as pessoas, só perifericamente. E não tire os óculos escuros da cara, nem desmonte o carão, é bom para parecer reservado.
No auge do frio nesse Rio que congela, jogue-se na lareira, com tudo!
Eu ligo para o 193, relaxa. A neve não está tão alta para impedir os bombeiros de chegarem rápido.

domingo, 31 de maio de 2009

POEMA PARA O AMIGO PARTIDO

(para o querido amigo Edson Boia do Nascimento)
Que ora encontres teu descanso merecido,
e mergulhes na derradeira paz de espírito.
Sê vivo em nossos dias, jamais esquecido,
e por nossas mentes, aparece à noite, onírico.

Partiste, amigo, e repartiste nossos corações,
esfacelados em luto por ti, que só foste luta,
destruídos em sentimento ao revolver tantas emoções,
e desconfortados em nossos âmagos com angústia bruta.

Afundados estamos, porque perdemos nosso porto seguro.
Não mais temos a ti para nos ancorarmos na tormenta diária.
E, agora sós, vagamos, navegamos e navagamos pelas tempestades.

Zarpaste dessa vida, mas não naufragaste: ainda és futuro!
Sabe que bóias, Boia, acenando sobre uma jangada solitária,
que se afasta, paulatina e serena, em nosso mar de saudades.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

VIGÍLIA.

Não pode mais ser você a  dignitária de meus sonhos, nem por seu veneno transformá-los de súbito em pesadelos, quando tomo a consciência de ser tudo aquilo quimera mera vivida como realidade sem verdade. Ou não seriam?

Você não é mais você, porque sua pele não mais está encostada à minha, nem minhas mãos acariciam mais sua nuca quente, e nem meus dedos passeiam e se entrelaçam em seus fios de cabelo levemente suados. E não mais estamos levemente distraídos.

Você não é mais você. Você hoje é só o que eu guardei, o que eu lembro. Você não é mais física, é psicológica. Você não é mais objeto, é projeção. Você não é mais sujeito, você hoje é tão somente seus predicados que em mim restaram como um souvenir de desventura.

Porque você não é mais você, tornou-se mera experiência sensorial. Nessa linha tênue que separa o ser do sentir ser, o númeno do fenômeno, é que me deparo com a dúvida e o desespero de se estar sonhando ou se vivendo. Não porque não sonhamos enquanto vivemos, afinal, não somos somente matéria certa, localizada e determinada. Nem porque não vivemos enquanto sonhamos, pois ainda temos sensações, sentimentos e verdades durante o sono.

A questão é se mais vivemos ou mais sonhamos. E o ponto mais crítico é passar de um ao outro. Descobrir que o que achávamos que era vida era sonho, e que o que pensávamos ser devaneio era vida. Passear pelas esferas da realidade e da fantasia, conjugadas à da verdade ou à da mentira. São as quatro nebulosas e indeterminadas. E entre elas nós tão somente oscilamos, errantes, ainda achando que beliscar-nos a qualquer hora vai nos dizer em qual delas estamos: a realidade mentirosa, a realidade verdadeira, a fantasia verdadeira ou a fantasia mentirosa.

Na ignorância de onde estamos, simplesmente escolhemos onde queremos estar. Escolhi que ali estava sonhando com aquilo que em outro momento escolhera ser verdade. Mas porque hoje escolhi que não é mais verdade, o sonho virou pesadelo. Mas saber que se está sonhando ou pesadelando é como estar dentro de um simulador maravilhoso ou aterrorizante com a mão preparada para, a qualquer momento, apertar o botão de emergência. Apertei o meu.

Meus olhos se abriram, mas o coração continuava disparado. A luz entrou por minhas pálpebras cegando-me, mas ainda pairavam as imagens que estava vivendo. O cheiro da manhã buscou meu nariz, mas ainda era seu perfume que monopolizava meu olfato. Eu tentava ser eu, sozinho, na cama, mas ainda era eu, com você, dentro da minha cabeça.

Mas tudo isso foi cessando e eu, que tentava atônito buscar seu perfume nos recônditos da pele macia de teu pescoço contorcido em júbilo, percebi que era eu que estava deitado, contorcido, retorcido e distorcido no meu ser.

Despertei, como quero despertar a cada segundo, e ainda vim glamorizar via palavras essa desgraça, partilhando-a. Quem sabe, com ela fora de mim, talvez seja mais fácil eliminá-la...

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Postar ou não postar?

Eis que finalmente termino de escrever e vem uma dúvida ingrata: posto ou não posto?
E aí fico pensando por que escrevo. Nunca gostei de escrever para mim mesmo, como alguns fazem. Tudo o que coloco no papel ou no monitor é para transmitir algo a alguém. Geralmente também serve para todos e aí eu simplesmente posto.
Mas escrevo porque gosto, porque preciso, porque me ajuda a compartilhar uma parte do eu que deve trazer algo de bom aos que estão ao meu redor.
Há textos que, no entanto, não são tão facilmente passáveis no crivo postagem. Não porque sejam ruins, até porque boa parte das porcarias vai sem mais delongas para o limbo, mas porque trazem alguma dose de sentimento e intimidade que eu talvez não goste de expor no blog. Não é por meus leitores não serem dignos de saberem minhas emoções, minhas angústias ou meus dramas (até porque não são, enquanto meros leitores), mas porque tudo o que vai para esse blog  pode ser lido por qualquer um conectado à internet.
Na verdade, o problema não são os desconhecidos, para os quais eu sou só mais uma alma na imensidão digital em busca de ouvidos que olham. O problema são os semi-conhecidos ou semi-desconhecidos (depende da boa-vontade), que vivem no limite entre o ser e o não-ser, na situação indefinida entre a certeza e a dúvida, entre o confiar e o desconfiar.
Aliás, há uma categoria pior: os stalkers. Stalkers são aqueles que ficam à espreita. Todo mundo tem um lado stalker, mas em alguns isso aflora mais. Pode-se dizer que após o boom do Orkut, proliferaram-se os stalkers virtuais. Geralmente é aquela amiga do seu amigo, a pessoa da escola ao lado, aquela figurinha batida em boate ou algum vizinho que você sempre cruza no elevador, mas cujos detalhes simplesmente se ignoram. Você sabe o nome, você sabe a vida da pessoa inteira, você apenas nunca trocou uma palavra com ela para dizer que vocês se conhecem. Há casos de stalkeamento recíproco e, nesses casos, tudo o que falta é função fática.Ainda escreverei sobre a função fática, que é o que mais falta na vida em certos momentos. Mas será que eu tenho algum stalker? Gostaria de conhecer. Pode se manifestar. Quem sabe eu ganhe alguma confiança...
Postar ou não postar? Não volto à dúvida, felizmente. Claro que esse texto eu vou postar. Como se não bastasse metalinguagem de escrever sobre o processo de escrever, eu traria mais metalinguagem ainda ao duvidar de postar um texto sobre dúvida de postar? Não, não!

sábado, 11 de abril de 2009

O INSETO QUE BATE CONTRA A JANELA

A aula era de direitos e garantias individuais e coletivos. Liberdade disso, daquilo, prestações negativas do Estado e esse juridiquês bonito que no final quer dizer que não viveremos numa ditadura.
Preso dentro da sala gélida, porém, estava um inseto de porte médio que passeava livremente entre os alunos concentrados e o professor de oratória irretocável e mãos eloqüentes. Mas o bichinho simplesmente me desviou a atenção. Não que eu tenha ficado contemplando sua solidão, que no fundo também era um pouco a minha, mas principalmente saltou-me aos olhos seu desespero ao querer sair da sala rumo pela janela. Estava a janela fechada, e ficou o bicho esbarrando no vidro, várias e várias vezes. Buscava uma fresta, mas ela não existia. Batia cada vez com mais força e tentava subir para procurar outra escapatória, no que chegava ao ar-condicionado com um fluxo congelante que o jogava para longe, escorregando tridimensionalmente em movimento caótico.
O inseto não desistia e tentava repetir o movimento, como se esperasse que em algum momento o ar condicionado simplesmente parasse, a janela simplesmente abrisse e ele pudesse conquistar sua liberdade assim facilmente. Afinal, a liberdade de um inseto não é direito fundamental. E quem vai garanti-la?
Somente uma boa alma poderia livrá-lo de tanto sofrimento, embora com algum custo: levantar-se para abrir a janela desviaria a atenção dos vários alunos compenetradíssimos, quase que enfeitiçados, pela aula maravilhosa. O professor também poderia ficar chateado, se seu espírito não compreendesse a metáfora existente em dar liberdade ao bicho preso. Na verdade, seria mais que metafórico: seria metonímico!
Mas simplesmente não aconteceu. O professor falou nas formas de avaliação e cobrança - uma prova e um trabalho  (talvez possa ser em grupo!) - e lá se foi toda a atenção no bicho, que simplesmente tornou-se invisível aos olhos ofuscados pelo vamos-ver de um futuro não tão distante.
Não que o bicho seja menos importante, né...

segunda-feira, 9 de março de 2009

CÂMERAS NO ELEVADOR.

Não mais serei o mesmo diante do espelho: não farei caretas com língua para fora, olhos envesgados ou cara retorcida. Não espremerei espinhas, não farei pose para me sentir bonito, não expirarei ar quente perto do vidro para embaçá-lo e depois escrever ou desenhar alguma coisa com o dedo. Não ensaiarei mais discurso, e nisso se vai minha oratória.

Não mais apertarei todos os botões para ficar ali só mais um pouquinho, curtindo o momento de transgressor.

Não mais pularei com os amigos e nem balançarei os quadris para que o elevador trema.

Não mais colocarei a mão entre as aberturas da porta pantográfica, como se brincasse com a sorte diante do aviso em contrário "mantenha-se afastado".

Não mais apagarei as luzes sorrateiramente, para fingir-me num filme de terror ou para assustar minha mãe. Nem apertarei o botão de emergência para simular que o elevador parou.

Não mais beijarei no elevador, aproveitando a privacidade e curtindo a adrenalina de o elevador poder parar e sermos surpreendidos.

Não mais me debulharei como um maníaco sobre a tal lei municipal de 1996 e as não sei lá quantas UFIRs cominadas aos infratores, o que talvez tenha sido meu primeiro contato com algum texto legal, daí alguma obsessão.

Não mais começarei a me despir antes de chegar em casa, quando o calor for muito, quando o desconforto da roupa for demais ou quando for preciso agilizar o processo para satisfazer o quanto antes imperativos fisiológicos invencíveis.

Não mais encostarei a cabeça na parede do elevador olhando para baixo nos dias tristes, ou olhando para cima nos dias cansados, nos quais o trajeto do térreo até o nono andar é um precioso momento de descanso.

Não mais viverei genuinamente a solidão do elevador, nem sua introspecção típica ao olhar para o nada daquelas paredes cubiculares, porque o nada estará me fazendo companhia e se fazendo perceber, apesar de ser nada. É que nessas horas o nada se faz tudo, e me olha, e me observa, e me constrange.

Tentarei encará-lo. E, quando olhar para o nada materializado em câmera, verei ainda meu próprio reflexo, como uma tácita chamada de consciência: "se toca!!!".
E depois disso tudo ainda querem que eu sorria...

sábado, 7 de fevereiro de 2009

SAIREI PARA A BOATE E ENCONTRAREI O AMOR DA MINHA VIDA.

(ou "elucubrações esperançosas")

Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida.

Entrarei na fila e lá mesmo ela me olhará, assim meio desconcertada, como se tivesse sido surpreendida por algo, e como se quisesse dizer alguma coisa diante de grata surpresa, mas não tivesse muita coragem.

Olharei pra ela, meio de rabo de olho, meio com vergonha, como se também quisesse dizer alguma coisa, mas também não tivesse lá muita coragem. E assim, sem palavras, a gente dirá muita coisa ao outro.

Entraremos e ela me olhará do alto da escada. Retribuirei o olhar, fazendo-a constrangida. Sem jeito, ela andará para algum lugar. Subirei a escada como se estivesse procurando alguma coisa, quando na verdade estarei procurando alguém. Entrarei na sala e irei até a janela fingir estar pegando um ar para ver se ela aparece. Se eu fumasse, acenderia um cigarro para conter a ansiedade. Não é o caso. Mas mesmo depois de alguma espera, ela não virá ao meu encontro. E, já cansado, eu sairei da sala e irei ao banheiro. Quando pegar na maçaneta do banheiro, ela se abrirá mais forte em minha direção e de lá sairá uma mulher, a mulher. Não porque eu estava indo no banheiro de mulheres ou ela na verdade fosse um homem, mas porque alguma coisa de engraçado deve haver para a gente se cruzar fisicamente, depois que nossos olhares já o fizerem como tácita função fática. Não poderá ser simplesmente eu chegar nela no sofá e dizer: oi, qual seu nome, quer tc? Simplesmente não funcionará. O encontro com o amor da sua vida tem que ser algo meio bizarro, esdrúxulo e quase irônico: ela entrou no banheiro dos homens sem querer.

Quando a gente se cruzar nessa cena louca, riremos um da cara do outro, pois ninguém terá entendido direito o que se passou. Ela olhará a plaquinha na porta e verá que se confundiu. Gargalharemos juntos e nessa hora minha vontade de ir ao banheiro passará, convencendo-me de que a fisiologia às vezes não mais é que mero pretexto para os chamados da psiquê. Psi... o que mesmo?

Tentando contornar seu constrangimento duplo, pelo banheiro e por ser logo eu quem abriu a porta, serei caloroso em minhas palavras e puxarei uma conversa.

E conversaremos longamente: descobriremos que ela, como eu, faz Direito, que estudamos em escolas próximas, que moramos não muito longe um do outro, que ela também gosta de jogar tênis, que ela também é muito fã de cinema nacional, que ela adora ir à boate às 5as feiras e que ela adoraria fazer uma tatuagem na nuca. Ai, eu não gosto de tatuagens, mas tudo bem. E depois de saber tudo, ou quase tudo, não teremos coragem de perguntar o nome um do outro. Será como se já o soubéssemos.

E então, depois de algum bla bla bla, sentaremos ao sofá vendo as pessoas jogando um fliperama nojento e, num misto de tédio e oportunidade, iremos nos entreolhar procurando respostas para um silêncio eloqüente que formulou a pergunta: e aí? E aí nos beijaremos tempo bastante para percebermos que foi certa a resposta.

Conversaremos mais, mais e mais. Pegarei seu telefone e ligarei no dia seguinte. Ficaremos mais e mais vezes e em breve nos descobriremos apaixonados. Iremos a vários shows legais, e outros nem tanto. Pediremos um ao outro em namoro. Trocaremos uma aliança de compromisso. Compraremos um apartamento juntos e para lá nos mudaremos. Daremos uma festa de casamento muito bonita. Trocaremos alianças de verdade bebendo champanhe. Viajaremos em lua-de-mel pela Europa, na primavera. Tomaremos chocolate quente conversando sobre o quanto a natureza é bela. Olharemos um para a cara do outro como dois bobos. Se estivermos sérios, riremos. Se já estivermos rindo, riremos de novo por já estarmos rindo.

Teremos filhos lindos e por eles, para eles e com eles. teremos trabalho. E também teremos cumplicidade. Teremos brigas, só para que de vez em quando sintamos a medida da realidade e lembremos que ainda seremos um casal. E teremos reconciliação, para nos convencermos de que somos mais fortes.

Envelheceremos juntos e cataremos os primeiros fios de prata na cabeça um do outro, quando o primeiro se sobressair na alvura do travesseiro e despertar-nos da quimera chamada juventude.

E já na tenra idade, tomaremos chá e veremos televisão. Viajaremos para uma casa de campo e ficaremos lendo amenidades enquanto chove lá fora, tornando o dia cinza. Prepararemos juntos o jantar e dormiremos sob o cobertor, abraçados, ainda que a noite esteja quente, porque bastará ligar o ar condicionado como escusa para estarmos mais próximos.

E, no dia seguinte, eu acordarei primeiro e ficarei contemplando sua beleza e acariciando sua nuca macia, de pele lisa e intocada: terei conseguido dissuadi-la de fazer a tatuagem.

E na hora de morrer, fato que inexoravelmente virá, verei que ela foi o amor de cada um dos dias, do primeiro em que a conheci até o último em que com ela estive. E então, somente a posteriori, como de fato parece ser o conceito de "amor da sua vida", descobrirei que foi ela o meu.

Só lhe falta um nome, ainda.

sábado, 24 de janeiro de 2009

meia molhada

pegando carona nos desprazeres amélie, que meu amigo nagreb relatou em seu blog.

Enquanto não inventarem uma meia impermeável, será a meia molhada uma das maiores fobias dos que não conseguem dormir sem esse precioso acessório que acalenta pés friorentos (não confundir com pé-frio) nas noites de frio ou de ar-condicionado.

É mortal o desprazer de se ir ao banheiro no meio da noite, esquecer de calçar os chinelos, e, sem querer, pisar no molhado de quem abriu a torneira com muita força, lavou o rosto de forma descuidada ou saiu do banho achando que iria lavar o chão. Ao primeiro toque, a água vai entrando na meia de leve, conquistando-a e escurecendo-a em sua alvura. A meia vai se contraindo e esfriando a pontinha dos dedos do pé, que enlouquecem de tanto incômodo.

Você, que a essa altura já deve estar ligeiramente cheio de sono, olha para o seu pé e vê aquela mancha do solvente universal de peso molecular 18atm. O que você faz?
Tira a meia? Coloca outra seca? Espera o molhada secar e enquanto isso vai fazer um lanche? Pega o secador? Põe atrás da geladeira? Vai dormir assim mesmo, afinal, que frescura !?

E se você está viajando, onde não tem outra meia, não tem secador, não tem geladeira, não tem absolutamente nada? Frescura ainda tem. Sempre tem. Mas ela não resolve o problema.

A janela mais próxima está aberta. E nesses momentos, ela parece ser a serventia da casa.



Ih, nada disso. É so enrolar os pés num lençol.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

RAPIDINHAS DE FIM DE ANO (atrasadas)

SHOPPING NO NATAL
Estão extremamente insuportáveis. A começar pela dificuldade de estacionar, de circular, de pagar o estacionamento e tudo o mais. O que mais irrita, porém, é o exército de vendedores nas lojas, que ficam na porta secando você para entrar, com uma simpatia tão excessiva que até os mais carentes desconfiam. Na Taco, por exemplo, desisti de entrar na loja com "medo" de ser atacado por um dos mil atendentes que se enfileiram como em linha de tiro na entrada da loja para atender o cliente. O pior é quando eu não estou procurando nada na loja e entrei só para ver o que tem de novo. É tão frustrante para o vendedor: ele, ali, esperando sua vez no rodízio de receber o cliente para ao fim receber talvez uma comissão e eu, também ali, praticando o famoso "só olhando". Melhor não passar da vitrine.
E QUEM NÃO PASSA O NATAL COM A FAMÍLIA?
Creio que deve ser das horas mais penosas para a vida de um trabalhador ter que estar em atividade na noite do dia 24 de dezembro. Tudo bem que pode haver uma compensação financeira que valha a pena o sacrifício, ou simplesmente é o plantão dele, mas... como fica? Os garçons, que têm que ficar servindo festas alheias, os porteiros, cuidando da portaria, os policiais, preparados para na noite natalina atirarem a qualquer hora, os médicos, lidando com a vida e com a morte na data de celebração máxima da primeira,... Fazer o quê?
E A CHATICE DOS RITUAIS...
Não me convencem mais os mil rituais e superstições de ano novo. Na verdade, nunca me convenceram direito, mas lá vai que alguma coisa eu fazia com medo dos sete anos de azar.  Pular ondinha, levar flores, entrar com o pé direito, comer uvas e por aí vai. Esse ano passei a virada normalmente: virou 2009 numa contagem regressiva vários uníssonos e eu gritei como se me aliviasse de ter acabado a tal contagem. Bastou-me, e foi bom estar sem nenhuma preocupação em pisar primeiro com um dos pés ou em entrar no mar assim ou assado. Tudo isso é muita perda de foco. Ah sim... e passei de verde, porque não tinha camisa laranja para vestir na virada.