GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

2BÁ

(COM O PERDÃO PELO ESTEREÓTIPO)

Clube de "elite" do Rio de Janeiro.
Aquele domingo ensolarado.
O parquinho é multicolorido.
As crianças refletem a luz.
As babás absorvem-na.
Hierarquia que se faz de acordo com absorção de luz?
Brasil!

As babás no clube de elite estão todas vestidas de branco.
Uniforme: proletárias. Alienadas?
As crianças brincam, se divertem, pulam e gritam que querem picolé e títulos de nobreza.
As babás os olham. Não olham seus filhos.
Seus filhos? Onde fica filho de babá?
Em clube de elite, certamente não.
Num confronto da "tropa de elite"? Seria azar.
No conforto do "videosurveillance for babies"? Babá eletrônica,não é mais fácil?
Sob a proteção do Estado? Em Estado/estado deplorável?
Na foto 3x4 dentro da carteira da mãe?

Babá olha filho dos outros.
Olha filho de/da mãe que tem que trabalhar.
Ela também é mãe que tem trabalhar.
E daí? E daí nada, ué.

Filho de babá não grita que quer picolé.
Nem nobreza togada ele pode ser.
Filho de babá, é filho de babá.
Recebe presente de segunda mão.
Já deve ter brincado de pião.
Já deve ter soltado pipa.
E talvez nunca tenha usado camisa pólo.

O parquinho tem dois bancos: um bom e um ruim.
É quase como comparar o Itaú Personnalité com o espaço debaixo do colchão.
No banco bom, ficam as mãedames, digo, madames.
No banco ruim, quem se senta? Babás, daqueles nomes estranhos, bem nome de babá, geralmente terminado em -ina.
Como não pode ser a fulana, vira a Fulina.

Ser madame não é muito difícil.
O reconhecimento se dá pelo flanelinha que fica em frente àquele restaurante que - um absurdo, amiga - ainda não descobriu o cômodo serviço de valet.
"Estaciona aqui, madame!"
(O trem superlotado mandou lembranças.)

Mas a madame gosta de estar bela.
Quem sabe um dia ela aparece na Caras, sendo lida por alguém no cabelereiro ou na privada?
As madames curtem bolsas de marca.
Usam óculos escuros para parecerem reservadas.
E às vezes tentam vestir umas roupas meio moderninhas para disfarçar a idade.
São as craques da jogatina suja que é o jogo de aparências.
São mães que muitas vezes não sabem botar a mão na massa.
Tem nojo de cocô de criança.
E não tem paciência para dar papinha, embora conheçam o tapinha.
É para fingir que educam.

Aquela colônia de madames conversa.
Uma comenta a última proeza do filhinho, que já sabe falar inglês e está com viagem marcada para a Disney.
Do outro lado há uma colônia de babás, que também conversam.
Uma comenta a última proeza do filhinho, que só verá na próxima folga, mas que já sabe falar planta ao invés de pranta, e que, de marcada, só a consulta no posto de saúde para o próximo mês.

Mães do mesmo jeito, embora uma delas não passe de uma mera progenitora.
Diametralmente opostas.
Separadas por um grosseiro abismo hierarquizante.
Empregadora e empregada.
Dominante e dominada.
Zara e Renner.
Débito e crédito.
À vista e promissória.
Medicamento de referência e medicamento genérico.

Uma é a high society. Ai, que chique!

A outra é só uma babá. Serviçal.
Pajeia o filho da high society quando o pequeno desfruta do mais alto grau de nobreza, no caso, de realeza: é quando ele está ao trono e desfere o verbo, em modo imperativo.
"Fuliiiiiiiina, vem limpar. Acabei!"

5 comentários:

Marcelo Cosentino disse...

Okay, mas o mundo selvagem e exagerado não foi a gente que criou. É estranho ler, e deve ser mis ainda escrever, quando estamos mais pertos das "mãedames" que das "babás". O fato é: todo mundo precisa trabalhar. E há diversos tipos de trabalhos. Desde os mais submissos, até os pseudo-sexuais e afins. A única crítica real e não-filosófica e discutível que eu tenho a acrescentar é: não pense que babá é´pior que advogado, porteiro ou motorista de fórmula 1. Todo emprego tem seu valor e todo valor deve ser dado a um emprego.
Continue me confundindo.

abraços.

João Manoel Nonato disse...

Como já lhe disse, gostei desse texto.
Apesar de você ter usado aquele lance das idéias soltas, sem fazer um texto exatamente convencional, foi um dos mais bem escritos que li ultimamente.
Você fez uso de incríveis comparações, paradoxos, ambigüidades, ironias e eufemismos. Realmente tudo muito bem sacado, não me surpreendo se acabar nas folhas de uma prova de português, esse texto.
E é notável também a acidez, a revolta que paira sobre cada palavra. Os recursos utilizados na construção dessa pequena obra-prima serviram para deixar ainda mais clara a elegante e indignada crítica.
O final, tristemente cômico. É a vida, talvez...

Giant in a glasshouse disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Giant in a glasshouse disse...

O tom sarcástico tá na medida certa. Alguns comentários que o texto foi me provocando:
* Essas gucci little piggies...
* Minha resposta à clássica pergunta "Débito ou crédito?": "Débito? Não me ofende!"

Você ainda tá com uma visão muito particular das coisas. Vai ser bom que entre numa faculdade pública, que saia desse mundinho zona sul que a gente vive no colégio. Vc vai *ver* que dificuldade não é sinônimo de impossibilidade e que muito filho de babá de lá de onde o Judas perdeu as botas vai estar conversando de igual pra igual contigo, como colega. Mesmo tendo que pegar três conduções para chegar na mesma sala de aula que você.

Edit: As dificuldades são oportunidades da gente crescer, se tornar melhor, mais forte para conseguir superá-las. Você sabe disso, mas de vez em quando parece que esquece. =D

Anônimo disse...

A minha babá virou semimãe pra mim, mas a minha mãe também é minha mãe e me educou muito bem =P Como já te disse outras vezes não necessariamente quem tem babá esquece dos filhos...Mas claro que é uma situação esquisita cuidar dos filhos dos outros ao invés dos seus próprios...mas esse é o mundo capitalista..um ciclo...
O trabalho tanto para a mãe quanto para a babá tem o objetivo de dar o melhor aos filhos...E afinal...Quem são as babás das babás?