
Meu prazer em revirar quinquilharias me fez esses dias descobrir algo inusitado na sacola de supermercado onde guardamos as fotos de família muito, muito antigas. Em meio ao preto e branco nostálgico da distante mocidade de minha avó, encontrei perdida a fotografia de uma senhora que ninguém em casa soube dizer quem era.
Fiquei intrigado - seria forçação dizer encantado - com a pessoa que não quis posar para a câmera e seus olhos fechou. Num misto de proeminência e de anonimato, a musa que hoje inspira o verbo tem o ar de uma vovó moradora de rua, embora não me pareça uma qualquer, ou, do contrário, não teria sido motivo para uma foto.
Seu vestuário esquisito talvez fosse seu charme. Um vestido preto, sem brilho. No pescoço, algo como um pano de chão desfiado que simula um echarpe. Em suas mãos, como se fosse a "miss rugas 1940 e porradas", um cetro ornamentado. O chapéu que compunha o look era a última moda em... não sei onde a foto foi tirada.
Minha velhinha da foto permanece uma incógnita. Seria ela uma pedinte? Uma louca que a família não quis manter em seu seio? Uma exótica? Uma assídua por brechós? Uma "nada" abandonada que alguém achou engraçado e quis registrar para a posteridade?
Resgato hoje esse registro e mergulho na imaginação, como num passeio a uma feira de antiguidades. Meu Deus, o que essa foto fazia no meio de várias outras fotos que nada tem a ver com ela? A idosa desconhecida é uma viagem, uma abstração. Hoje está morta, eu tenho certeza, e agora se faz viva, eu também tenho certeza. Hoje está eternizada na internet. Daqui a pouco vão digitar no Google alguma coisa qualquer e ela vai aparecer. Estilistas descolados buscarão nela inspiração para seus próximos desfiles. Gurus tentarão adivinhar a cor de seus olhos. Psicólogos decifrarão seu pensamento. Sua bizarrice vai comover multidões. Reconhecimento post-mortem.