Eu estava quase dormindo, quando pensei na expressão "o trator das minhas vontades". Eu achei que fosse uma frase marcante, uma obra-prima da retórica. Ainda acho isso, mas, a cada vez em que olho para essas 5 palavras, elas perdem esse efeito.
Eu queria fazer um texto em que eu usasse esse título. Na verdade, você pensa em trator, e vem aquele veículo imenso, com aquela coisa de metal na frente, implacável, intransponível, que chega passando em cima e não quer nem saber o que está na frente. É um trator, não é um carrinho de obras.
Imagine o "carrinho de obras das minhas vontades"... é como se eu dissesse que eu vou levando-as aos trancos e barrancos e que, por qualquer trombada, elas podem ir ao chão.
Imagine também "a bicicleta de minhas vontades". Só funciona direito na ciclovia, e eu ainda preciso ficar pedalando. Ou melhor, "a bicicleta ergométrica de minhas vontades". A vontade é tanta e o esforço é imenso, mas eu nunca saio do mesmo ponto.
Talvez nada se comparasse a "o caminhão das minhas vontades". Lembro-me do Caminhão do Baú, com os sonhos de consumo das donas-de-casa. Minhas vontades não incluem geladeiras, máquinas-de-lavar ou fornos microondas.
E se fosse o "patinete de minhas vontades". Até dá ambiguidade, pareço aquelas crianças de cinco anos que querem um patinete de Natal e colocam isso na cartinha para o papai noel. Infantil demais, fora.
A "carreta das minhas vontades". Lembro-me dos digníssimos catadores de lixo da cidade que empilham suas tralhas usando os papelões das caixas de caras TV's e de outros mimos que não podem comprar. Ficam só com a caixa, e carregam com a própria força aquela carreta imensa pelas ruas. Muitas vezes não conseguem e tudo aquilo cai. Triste. Imagina minhas vontades caindo assim pela rua e eu tendo que catá-las só porque juntei mais do que podia? É provável, mas prefiro ser otimista.
Pois é... voltemos ao "trator de minhas vontades", à imagem do trator. Pois é, minhas vontades são fodas, uhul, vem com tudo. Mas, lembremos: o trator precisa de alguém que dirija. Sei dirigir trator? Olha a responsabilidade.
O trator precisa de combustível. Entenda por combustível o que quiser. Dinheiro, pique, pessoas para fornecer o combustível, ...
O trator não é um ônibus. No máximo, tem dois lugares. Vontades fortes, que vem em trator, não podem envolver muita gente. No máximo, pode-se cooptar alguém para ser carona nessa aventura.
O trator é um trator. Imenso. Não passa em vários lugares, não é versátil, exige infra-estrutura megalomaníaca e traz decepções se for transitar em lugares complicados.
A vida é complicada. Não quero ficar entalado. Não quero ficar isolado. Não quero passar em cima de ninguém. Não quero depender de grandes feitos.
É, o trator não me serve.
GUIA DE LEITURA
Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):
Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)
(a nostalgia do que não tive)
segunda-feira, 31 de dezembro de 2007
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
2BÁ
(COM O PERDÃO PELO ESTEREÓTIPO)
Clube de "elite" do Rio de Janeiro.
Aquele domingo ensolarado.
O parquinho é multicolorido.
As crianças refletem a luz.
As babás absorvem-na.
Hierarquia que se faz de acordo com absorção de luz?
Brasil!
As babás no clube de elite estão todas vestidas de branco.
Uniforme: proletárias. Alienadas?
As crianças brincam, se divertem, pulam e gritam que querem picolé e títulos de nobreza.
As babás os olham. Não olham seus filhos.
Seus filhos? Onde fica filho de babá?
Em clube de elite, certamente não.
Num confronto da "tropa de elite"? Seria azar.
No conforto do "videosurveillance for babies"? Babá eletrônica,não é mais fácil?
Sob a proteção do Estado? Em Estado/estado deplorável?
Na foto 3x4 dentro da carteira da mãe?
Babá olha filho dos outros.
Olha filho de/da mãe que tem que trabalhar.
Ela também é mãe que tem trabalhar.
E daí? E daí nada, ué.
Filho de babá não grita que quer picolé.
Nem nobreza togada ele pode ser.
Filho de babá, é filho de babá.
Recebe presente de segunda mão.
Já deve ter brincado de pião.
Já deve ter soltado pipa.
E talvez nunca tenha usado camisa pólo.
O parquinho tem dois bancos: um bom e um ruim.
É quase como comparar o Itaú Personnalité com o espaço debaixo do colchão.
No banco bom, ficam as mãedames, digo, madames.
No banco ruim, quem se senta? Babás, daqueles nomes estranhos, bem nome de babá, geralmente terminado em -ina.
Como não pode ser a fulana, vira a Fulina.
Ser madame não é muito difícil.
O reconhecimento se dá pelo flanelinha que fica em frente àquele restaurante que - um absurdo, amiga - ainda não descobriu o cômodo serviço de valet.
"Estaciona aqui, madame!"
(O trem superlotado mandou lembranças.)
Mas a madame gosta de estar bela.
Quem sabe um dia ela aparece na Caras, sendo lida por alguém no cabelereiro ou na privada?
As madames curtem bolsas de marca.
Usam óculos escuros para parecerem reservadas.
E às vezes tentam vestir umas roupas meio moderninhas para disfarçar a idade.
São as craques da jogatina suja que é o jogo de aparências.
São mães que muitas vezes não sabem botar a mão na massa.
Tem nojo de cocô de criança.
E não tem paciência para dar papinha, embora conheçam o tapinha.
É para fingir que educam.
Aquela colônia de madames conversa.
Uma comenta a última proeza do filhinho, que já sabe falar inglês e está com viagem marcada para a Disney.
Do outro lado há uma colônia de babás, que também conversam.
Uma comenta a última proeza do filhinho, que só verá na próxima folga, mas que já sabe falar planta ao invés de pranta, e que, de marcada, só a consulta no posto de saúde para o próximo mês.
Mães do mesmo jeito, embora uma delas não passe de uma mera progenitora.
Diametralmente opostas.
Separadas por um grosseiro abismo hierarquizante.
Empregadora e empregada.
Dominante e dominada.
Zara e Renner.
Débito e crédito.
À vista e promissória.
Medicamento de referência e medicamento genérico.
Uma é a high society. Ai, que chique!
A outra é só uma babá. Serviçal.
Pajeia o filho da high society quando o pequeno desfruta do mais alto grau de nobreza, no caso, de realeza: é quando ele está ao trono e desfere o verbo, em modo imperativo.
"Fuliiiiiiiina, vem limpar. Acabei!"
Clube de "elite" do Rio de Janeiro.
Aquele domingo ensolarado.
O parquinho é multicolorido.
As crianças refletem a luz.
As babás absorvem-na.
Hierarquia que se faz de acordo com absorção de luz?
Brasil!
As babás no clube de elite estão todas vestidas de branco.
Uniforme: proletárias. Alienadas?
As crianças brincam, se divertem, pulam e gritam que querem picolé e títulos de nobreza.
As babás os olham. Não olham seus filhos.
Seus filhos? Onde fica filho de babá?
Em clube de elite, certamente não.
Num confronto da "tropa de elite"? Seria azar.
No conforto do "videosurveillance for babies"? Babá eletrônica,não é mais fácil?
Sob a proteção do Estado? Em Estado/estado deplorável?
Na foto 3x4 dentro da carteira da mãe?
Babá olha filho dos outros.
Olha filho de/da mãe que tem que trabalhar.
Ela também é mãe que tem trabalhar.
E daí? E daí nada, ué.
Filho de babá não grita que quer picolé.
Nem nobreza togada ele pode ser.
Filho de babá, é filho de babá.
Recebe presente de segunda mão.
Já deve ter brincado de pião.
Já deve ter soltado pipa.
E talvez nunca tenha usado camisa pólo.
O parquinho tem dois bancos: um bom e um ruim.
É quase como comparar o Itaú Personnalité com o espaço debaixo do colchão.
No banco bom, ficam as mãedames, digo, madames.
No banco ruim, quem se senta? Babás, daqueles nomes estranhos, bem nome de babá, geralmente terminado em -ina.
Como não pode ser a fulana, vira a Fulina.
Ser madame não é muito difícil.
O reconhecimento se dá pelo flanelinha que fica em frente àquele restaurante que - um absurdo, amiga - ainda não descobriu o cômodo serviço de valet.
"Estaciona aqui, madame!"
(O trem superlotado mandou lembranças.)
Mas a madame gosta de estar bela.
Quem sabe um dia ela aparece na Caras, sendo lida por alguém no cabelereiro ou na privada?
As madames curtem bolsas de marca.
Usam óculos escuros para parecerem reservadas.
E às vezes tentam vestir umas roupas meio moderninhas para disfarçar a idade.
São as craques da jogatina suja que é o jogo de aparências.
São mães que muitas vezes não sabem botar a mão na massa.
Tem nojo de cocô de criança.
E não tem paciência para dar papinha, embora conheçam o tapinha.
É para fingir que educam.
Aquela colônia de madames conversa.
Uma comenta a última proeza do filhinho, que já sabe falar inglês e está com viagem marcada para a Disney.
Do outro lado há uma colônia de babás, que também conversam.
Uma comenta a última proeza do filhinho, que só verá na próxima folga, mas que já sabe falar planta ao invés de pranta, e que, de marcada, só a consulta no posto de saúde para o próximo mês.
Mães do mesmo jeito, embora uma delas não passe de uma mera progenitora.
Diametralmente opostas.
Separadas por um grosseiro abismo hierarquizante.
Empregadora e empregada.
Dominante e dominada.
Zara e Renner.
Débito e crédito.
À vista e promissória.
Medicamento de referência e medicamento genérico.
Uma é a high society. Ai, que chique!
A outra é só uma babá. Serviçal.
Pajeia o filho da high society quando o pequeno desfruta do mais alto grau de nobreza, no caso, de realeza: é quando ele está ao trono e desfere o verbo, em modo imperativo.
"Fuliiiiiiiina, vem limpar. Acabei!"
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
EPOPÉIA.
Marcílio era de família pobre,
era mais um que não tinha o que comer.
Não tinha terra, mulher ou cobre,
quase um nada, só entendia de sofrer.
Tendendo a zero, sabia esse Marcílio,
que seu caminho teria de traçar.
Não contava com ninguém para auxílio,
à própria sorte, decidiu se lançar.
Foi pra cidade, onde a terra era mais "fértil".
Mas sua enxada, não soube onde deixar.
Pegou em armas, carregou-as de projétil.
Seu negócio, ali, era matar.
O dedo no gatilho era senhor de destinos,
para trabalhar, era só o bolso inchar.
Nessa vida de final de intestino,
o clandestino pensou em prosperar.
De pé na rua descobriu a loteria,
onde com sorte poderia se acertar.
Aquela vida de bandido largaria,
em sua a terra a todos iria ajudar.
Eis que a sorte bateu à porta,
e a Marcílio resolveu premiar.
Largou o moço de vez a vida torta,
pelo sertão voltaria a se enfiar.
Quando então voltava ao velho chão,
a Dona Sorte resolveu evaporar.
Bateu o ônibus num minicaminhão,
e o desastre foi um baita de um pesar.
Na colisão espalharam-se vários corpos,
e o tal dedo de Marcílio foi pelo ar.
Se o rabecão veio levar toda a tragédia,
um gavião o pobre dedo fez devorar.
E o dinheiro da ventura de Marcílio,
não conseguiu em ajuda se converter.
Seus conterrâneos que precisavam de auxílio,
na fome grande permaneceram a esmorecer.
Foi enterrado como indigente num cemitério próximo ao local do acidente. Andava sem documentos, pois era criminoso procurado pela polícia da cidade onde tentou fazer carreira no mundo sinuoso que preferiu à honestidade insustentável dos miseráveis. Ninguém se interessou por saber quem era para lhe dar um enterro digno. Até a faculdade de medicina mais próxima dispensou o cadáver desfigurado e sem um (mortífero - não sabiam eles) dedo.
era mais um que não tinha o que comer.
Não tinha terra, mulher ou cobre,
quase um nada, só entendia de sofrer.
Tendendo a zero, sabia esse Marcílio,
que seu caminho teria de traçar.
Não contava com ninguém para auxílio,
à própria sorte, decidiu se lançar.
Foi pra cidade, onde a terra era mais "fértil".
Mas sua enxada, não soube onde deixar.
Pegou em armas, carregou-as de projétil.
Seu negócio, ali, era matar.
O dedo no gatilho era senhor de destinos,
para trabalhar, era só o bolso inchar.
Nessa vida de final de intestino,
o clandestino pensou em prosperar.
De pé na rua descobriu a loteria,
onde com sorte poderia se acertar.
Aquela vida de bandido largaria,
em sua a terra a todos iria ajudar.
Eis que a sorte bateu à porta,
e a Marcílio resolveu premiar.
Largou o moço de vez a vida torta,
pelo sertão voltaria a se enfiar.
Quando então voltava ao velho chão,
a Dona Sorte resolveu evaporar.
Bateu o ônibus num minicaminhão,
e o desastre foi um baita de um pesar.
Na colisão espalharam-se vários corpos,
e o tal dedo de Marcílio foi pelo ar.
Se o rabecão veio levar toda a tragédia,
um gavião o pobre dedo fez devorar.
E o dinheiro da ventura de Marcílio,
não conseguiu em ajuda se converter.
Seus conterrâneos que precisavam de auxílio,
na fome grande permaneceram a esmorecer.
Foi enterrado como indigente num cemitério próximo ao local do acidente. Andava sem documentos, pois era criminoso procurado pela polícia da cidade onde tentou fazer carreira no mundo sinuoso que preferiu à honestidade insustentável dos miseráveis. Ninguém se interessou por saber quem era para lhe dar um enterro digno. Até a faculdade de medicina mais próxima dispensou o cadáver desfigurado e sem um (mortífero - não sabiam eles) dedo.
sábado, 3 de novembro de 2007
ESTÉRIL OLHAR.
Antes de colocar aqui o texto, quero explicar o que aconteceu. Passei pela rua e vi isso tudo que vou relatar. Cheguei em casa e decidi escrever, mas estava sem saco de escrever normalmalmente e me limitei a digitar com toda espontaneidade tudo o que vinha à cabeça para que, depois, com tempo, pudesse compor o texto com a qualidade que sempre busco.
Eis que hoje venho para escrever o tal texto, mas, ao ler a tempestade de idéias que compilara, não consegui continuar. Há erros de grafia, idéias sem nexo, mas qualquer tentativa de remoldá-las prejudicaria a sensação que tive, e a que tento passar.
estéril olhar.
mãe com criança sentada na calçada. olha pro nada. sacode a mão repetitivamente, tilintando as moedinhas que ali estão. não está descalça, mas está mal vestida.
em seu colo, deitado, dormindo que nem um anjo, com uma bermuda bege clara, limpinha, e uma camiseta listrada, limpinha, está um bebê que dorme serenamente. lindinho, uma gracinha. uma fofura. aquele bebezinho passa fome? passo por ele. tento não voltar e dar a moeda,. estava com 3 reais no bolso e tive preguiça de parar pra dar. merda de egoísmo. passo e não tenho coragem de voltar, não tenho coragem de ir até lá e dar para aquela mãe. queria eu que ela nao estivesse precisando. e aquele pedacinho de gente, uma vida que nao tem metade das oportunidades que eu tive, que não pode deitar na cama e relaxar, mas que dorme melhor que eu, com essa insonia, essa culpa burguesa, essa bosta de quem passa e quer fechar os olhos par aum problema .mas não consegue. e vem aqui escrever, impotente. é incapaz de tirar esse pijaminha confortável, sair do ar condicionado de casa agora descer e procurar a mãe para lhe dar um trocado, uma comida um agrado... quem sabe uma atenção seja tudo o que necessita aquela pessoa, que traz seu anjo, em bons trajes, em sono dos inocentes, para o relento da noite.
o que faço para essa situação? simplesmente cago porque tem aos montes? é uma merda. lamento diariamente passar pela rua e ver isso. a culpa é de quem? foda-se de quem é a culpa. vamos resolver. juntos. unidos. to cansado de teorizar o brasil do futuro enquanto o brasil do presente não come. não quero mais ver anjinhos que comem e anjinhos que dormem com fome.
aliás, dormir com fome deve ser a pior coisa que tem. não aguento ficar poucas horas sequer de jejum. minha vó sempre me oferece um leite quente antes de dormir e eu recuso... queria oferecer esse leite, esse alimento às crianças que sofrem por perto. queria.
Eis que hoje venho para escrever o tal texto, mas, ao ler a tempestade de idéias que compilara, não consegui continuar. Há erros de grafia, idéias sem nexo, mas qualquer tentativa de remoldá-las prejudicaria a sensação que tive, e a que tento passar.
estéril olhar.
mãe com criança sentada na calçada. olha pro nada. sacode a mão repetitivamente, tilintando as moedinhas que ali estão. não está descalça, mas está mal vestida.
em seu colo, deitado, dormindo que nem um anjo, com uma bermuda bege clara, limpinha, e uma camiseta listrada, limpinha, está um bebê que dorme serenamente. lindinho, uma gracinha. uma fofura. aquele bebezinho passa fome? passo por ele. tento não voltar e dar a moeda,. estava com 3 reais no bolso e tive preguiça de parar pra dar. merda de egoísmo. passo e não tenho coragem de voltar, não tenho coragem de ir até lá e dar para aquela mãe. queria eu que ela nao estivesse precisando. e aquele pedacinho de gente, uma vida que nao tem metade das oportunidades que eu tive, que não pode deitar na cama e relaxar, mas que dorme melhor que eu, com essa insonia, essa culpa burguesa, essa bosta de quem passa e quer fechar os olhos par aum problema .mas não consegue. e vem aqui escrever, impotente. é incapaz de tirar esse pijaminha confortável, sair do ar condicionado de casa agora descer e procurar a mãe para lhe dar um trocado, uma comida um agrado... quem sabe uma atenção seja tudo o que necessita aquela pessoa, que traz seu anjo, em bons trajes, em sono dos inocentes, para o relento da noite.
o que faço para essa situação? simplesmente cago porque tem aos montes? é uma merda. lamento diariamente passar pela rua e ver isso. a culpa é de quem? foda-se de quem é a culpa. vamos resolver. juntos. unidos. to cansado de teorizar o brasil do futuro enquanto o brasil do presente não come. não quero mais ver anjinhos que comem e anjinhos que dormem com fome.
aliás, dormir com fome deve ser a pior coisa que tem. não aguento ficar poucas horas sequer de jejum. minha vó sempre me oferece um leite quente antes de dormir e eu recuso... queria oferecer esse leite, esse alimento às crianças que sofrem por perto. queria.
domingo, 30 de setembro de 2007
COISAS QUE EU OUÇO POR AÍ E VEJO POR AÍ....
Dia de chuva intensa no Rio. Estava na sala de aula literalmente no meio de um bando de desconhecidas que se conheciam. Captei vários momentos de uma conversa hilária.
DIÁLOGO I
-Você vai pegar um táxi?
- Claro, não gosto de ficar molhada de chuva, só de outro jeito.
DIÁLOGO II
- Hoje você vai falar com ele?
- Vou sim.
- E aí.. ou namora ou cai fora, né?
- É.
DIÁLOGO III
- Professor, pode-se dizer que a Regência é a república?
(sem respostas)
DIÁLOGO IV (esse foi comigo!)
- Nossa, você sabe bem História. Quem substituiu Dom Pedro II quando acabou o segundo reinado em 1889?
- Mal. Deodoro da Fonseca, após o Golpe.
- Po, não foi a Princesa Isabel?
(bem que poderia ter sido)
TESTEMUNHA OCULAR I
Meio da aula de história e meus olhos vão parar numa certa cena. Menina de má aparência, meio marrentinha, pega uma bala na mochila. Desenrola o papel de bala com cuidado, sem fazer muito barulho. Em momento algum deixa de prestar atenção ao professor. Coloca sorrateiramente a bala na boca e fecha a mão no papel da bala, como se dali a pouco, num passe de mágica, ela fosse abrir a mão e o papel sumisse. Mas essa aí não sabia fazer mágica coisa alguma. Não era ilusionista. Era porca mesmo.
Não deixei de observá-la, pois sabia que o papel teria que ter algum destino. Se ela tivesse modos, ou teria guardado o papel em suas coisas para depois jogá-lo no lixo, ou já teria levado ao lixo de uma só vez. Não deu 10 segundos e ela começou seu plano secreto.
Primeiramente, colocou a mão aberta sobre a cadeira, como se estivesse se apoiando. Continuava olhando para o professor, como se estivesse parada, sem fazer nada. Só eu observava aquelas mãos infelizes e percebia que por trás daquela feição aparentemente concentrada no desenrolar da monarquia brasileira estava uma mente maquiavélica com um braço efetivo de atuação, ou melhor, uma mão de efetiva atuação.
Ela tratou de empurrar o papel de bala para o mini-vão existente entre a madeira da carteira e a estrutura de aço a que essa madeira está presa. O papel não entrou de primeira. Foi preciso que ela fosse amassando-o e o empurrando pouco a pouco, de forma que ele ali ficasse comportado. Terminado o serviço, ainda deu uma espreguiçada para disfarçar.
Pois é... eu também estou com preguiça de jogar no lixo essa cidadã cujo destino interceptou o meu naquele dia. Mas, vocês também sabem: não dá para simplesmente fechar os olhos e esquecê-la, tal como fechar a mão e fazer o papel sumir. O que faço, então?
Simples. Pego essa porquinha, faço com ela uma historinha e vou amassando-a e colocando-a entre o vão virtual - real extensão do meu pensamento - chamado So What's Beyond. E sempre tem alguém observando, ou melhor, lendo.
_______________________
Entrarei muito em breve em novembro e dezembro, meses em que terei trocentas provas de vestibular. Logicamente, estarei impedido de escrever com calma e, assim, o blog ficará um tempo desatualizado. Torçam por mim!
Em breve voltarei.
DIÁLOGO I
-Você vai pegar um táxi?
- Claro, não gosto de ficar molhada de chuva, só de outro jeito.
DIÁLOGO II
- Hoje você vai falar com ele?
- Vou sim.
- E aí.. ou namora ou cai fora, né?
- É.
DIÁLOGO III
- Professor, pode-se dizer que a Regência é a república?
(sem respostas)
DIÁLOGO IV (esse foi comigo!)
- Nossa, você sabe bem História. Quem substituiu Dom Pedro II quando acabou o segundo reinado em 1889?
- Mal. Deodoro da Fonseca, após o Golpe.
- Po, não foi a Princesa Isabel?
(bem que poderia ter sido)
TESTEMUNHA OCULAR I
Meio da aula de história e meus olhos vão parar numa certa cena. Menina de má aparência, meio marrentinha, pega uma bala na mochila. Desenrola o papel de bala com cuidado, sem fazer muito barulho. Em momento algum deixa de prestar atenção ao professor. Coloca sorrateiramente a bala na boca e fecha a mão no papel da bala, como se dali a pouco, num passe de mágica, ela fosse abrir a mão e o papel sumisse. Mas essa aí não sabia fazer mágica coisa alguma. Não era ilusionista. Era porca mesmo.
Não deixei de observá-la, pois sabia que o papel teria que ter algum destino. Se ela tivesse modos, ou teria guardado o papel em suas coisas para depois jogá-lo no lixo, ou já teria levado ao lixo de uma só vez. Não deu 10 segundos e ela começou seu plano secreto.
Primeiramente, colocou a mão aberta sobre a cadeira, como se estivesse se apoiando. Continuava olhando para o professor, como se estivesse parada, sem fazer nada. Só eu observava aquelas mãos infelizes e percebia que por trás daquela feição aparentemente concentrada no desenrolar da monarquia brasileira estava uma mente maquiavélica com um braço efetivo de atuação, ou melhor, uma mão de efetiva atuação.
Ela tratou de empurrar o papel de bala para o mini-vão existente entre a madeira da carteira e a estrutura de aço a que essa madeira está presa. O papel não entrou de primeira. Foi preciso que ela fosse amassando-o e o empurrando pouco a pouco, de forma que ele ali ficasse comportado. Terminado o serviço, ainda deu uma espreguiçada para disfarçar.
Pois é... eu também estou com preguiça de jogar no lixo essa cidadã cujo destino interceptou o meu naquele dia. Mas, vocês também sabem: não dá para simplesmente fechar os olhos e esquecê-la, tal como fechar a mão e fazer o papel sumir. O que faço, então?
Simples. Pego essa porquinha, faço com ela uma historinha e vou amassando-a e colocando-a entre o vão virtual - real extensão do meu pensamento - chamado So What's Beyond. E sempre tem alguém observando, ou melhor, lendo.
_______________________
Entrarei muito em breve em novembro e dezembro, meses em que terei trocentas provas de vestibular. Logicamente, estarei impedido de escrever com calma e, assim, o blog ficará um tempo desatualizado. Torçam por mim!
Em breve voltarei.
domingo, 23 de setembro de 2007
ENGAVETADAS.
ERVILHA DE CHEIRO
Altura: 100-180cm
Semeadura: Outono-Inverno
Germinação: 10-16 dias
IMPRÓPRIO PARA ALIMENTAÇÃO
Tenho sementes de "ervilha-de-cheiro" num envelope lacrado. Comprei quando tinha 8, 9 anos, em Petrópolis, numa loja daquelas que vende de tudo para o campo. Tínhamos um sítio pelas redondezas e pensei em plantar num vasinho e observar a planta crescer. A foto que vinha no envelope mostrava flores bonitas, de pétalas enrugadas, com várias cores. Sinceramente, não sei o porquê do nome ervilha de cheiro. Mal consigo imaginar qual seria o cheiro da tal "ervilha".
Naquela época, eu estava descobrindo muita coisa na natureza. O sítio me ajudou bastante nisso. O sítio e o Flight Simulator. Na verdade, mais o sítio do que o Flight Simulator. Estava começando a entender alguma coisa de plantas, animais, relevo e água, e grande era o meu entusiasmo por ver uma planta que eu plantei ter crescido.
A memória me manda sinais de sua imperfeição ao não conseguir me relatar por que as tais sementes não ficaram por Petrópolis, não foram plantadas, não foram jogadas no lixo, mas, num quase êxodo rural, vieram parar em uma gaveta de meu armário, em pleno celeuma urbanóide que é Copacabana.
A embalagem me diz que as sementes foram analisadas em fevereiro de 98, possuindo validade até fevereiro de 2001. Não tive coragem de abrir o saco de sementes para ver como elas estão, depois de 6 anos após a derradeira - e não aproveitada - oportunidade de fazê-las crescer. O papel já está ficando amarelado, do mesmo jeito que eu me torno barbado e tenho que arrancar meus sisos. Sinal dos tempos.
Estavam elas no fundo de uma gaveta, embaixo de muitos papéis importantes de minha vida. Várias notas fiscais de peças de computador, título de eleitor, CPF, comprovante de matrícula, comprovante disso e daquilo, atestado disso e daquilo. Não sei o que fazia um envelope de sementes de ervilha cheirosa ali.
Essas sementes ficaram guardadas na gaveta, como eu disse, junto com muitos outros papéis importantes. Talvez esteja aí a razão por elas estarem ali até hoje: devem ter alguma importância na minha vida. Se eu as tivesse plantado, suponho que não tivessem tanta relevância ao ponto de eu escrever sobre elas no presente momento.
E qual seria essa importância? Não sei bem. Elas me lembram alguma frustração por não alcançar certos planos, por desistir de certas idéias e por engavetar certos projetos... na verdade, por engavetar sementes.
Altura: 100-180cm
Semeadura: Outono-Inverno
Germinação: 10-16 dias
IMPRÓPRIO PARA ALIMENTAÇÃO
Tenho sementes de "ervilha-de-cheiro" num envelope lacrado. Comprei quando tinha 8, 9 anos, em Petrópolis, numa loja daquelas que vende de tudo para o campo. Tínhamos um sítio pelas redondezas e pensei em plantar num vasinho e observar a planta crescer. A foto que vinha no envelope mostrava flores bonitas, de pétalas enrugadas, com várias cores. Sinceramente, não sei o porquê do nome ervilha de cheiro. Mal consigo imaginar qual seria o cheiro da tal "ervilha".
Naquela época, eu estava descobrindo muita coisa na natureza. O sítio me ajudou bastante nisso. O sítio e o Flight Simulator. Na verdade, mais o sítio do que o Flight Simulator. Estava começando a entender alguma coisa de plantas, animais, relevo e água, e grande era o meu entusiasmo por ver uma planta que eu plantei ter crescido.
A memória me manda sinais de sua imperfeição ao não conseguir me relatar por que as tais sementes não ficaram por Petrópolis, não foram plantadas, não foram jogadas no lixo, mas, num quase êxodo rural, vieram parar em uma gaveta de meu armário, em pleno celeuma urbanóide que é Copacabana.
A embalagem me diz que as sementes foram analisadas em fevereiro de 98, possuindo validade até fevereiro de 2001. Não tive coragem de abrir o saco de sementes para ver como elas estão, depois de 6 anos após a derradeira - e não aproveitada - oportunidade de fazê-las crescer. O papel já está ficando amarelado, do mesmo jeito que eu me torno barbado e tenho que arrancar meus sisos. Sinal dos tempos.
Estavam elas no fundo de uma gaveta, embaixo de muitos papéis importantes de minha vida. Várias notas fiscais de peças de computador, título de eleitor, CPF, comprovante de matrícula, comprovante disso e daquilo, atestado disso e daquilo. Não sei o que fazia um envelope de sementes de ervilha cheirosa ali.
Essas sementes ficaram guardadas na gaveta, como eu disse, junto com muitos outros papéis importantes. Talvez esteja aí a razão por elas estarem ali até hoje: devem ter alguma importância na minha vida. Se eu as tivesse plantado, suponho que não tivessem tanta relevância ao ponto de eu escrever sobre elas no presente momento.
E qual seria essa importância? Não sei bem. Elas me lembram alguma frustração por não alcançar certos planos, por desistir de certas idéias e por engavetar certos projetos... na verdade, por engavetar sementes.
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
MORAL DA HISTÓRIA.
Aconteceu essa semana.
- É assim ó: uma bala redonda, pequena, vem de várias cores numa mesma embalagem, são enroladas num papelzinho assim... tô procurando há tempos e não acho.
- Ahn... acho que não tem não.
Aquela vontade de uma sobremesa que dá depois do almoço estava difícil de aguentar. Pior, quase como uma grávida, despontara para um desejo súbito, por algo específico, insubstituível. Procurava com meus amigos de baleiro em baleiro a tal bala.
- Moça, você tem uma balinha azedinha, pequenininha, vem de várias cores, ... - perguntava, tentando gesticular o formato da balinha.
Uma amiga minha, que também estava tentando lembrar a que bala eu me referia, falava nomes e tipos de bala, mas não acertava. Até que despontei com a brilhante associação.
- Ela é meio achatada, um disco bicôncavo... parece uma hemácia.
Risos gerais. Continuei procurando. Fui a cinco baleiros. A duas bancas de jornais. Ninguém sabia que bala era essa.
- Olha, se por acaso você achar a bala, traz o papelzinho aqui que a gente compra no distribuidor e vende, tudo bem? - falou uma vendedora de forma muito atenciosa.
Usando a última carta do baralho, fui à cantina do colégio. Ou era ali, ou não era mais. O momento recebeu a devida solenidade. Chegando à cantina, havia mais dois ou três alunos de séries mais baixas do Colégio, que ali faziam não sei o que.
- Oi moça, tenho uma missão difícil para você. Já procurei em tudo que é lugar, mas não acho. Quero uma balinha azedinha, pequenininha, achatada nos pontos, vem umas 12 por embalagem, ela é embalada que nem jujuba. Sabe qual é? - perguntei.
- Deve estar mentindo. - disse o moleque que me ouvira, já me olhando de forma insolente.
- Nada. - desconversei.
A moça me apareceu com uma jujuba. Não, eu não queria jujuba.
- É uma bala mesmo... tem certeza que não tem?
- Tem aí, "Cleiton"? - perguntou ao outro balconista.
- Tem não. - respondeu o colega.
- Ahn... então deixa. Obrigado. - lamentei, afinal, teria que ficar sem a tal balinha naquele dia.
Não iria escapar daquela só com essa frustração. A situação precisava de um gran finale, algo marcante, algo tocante, algo imprevisível, quiçá inesquecível. E a inserção inusitada daquele dia veio por parte do moleque, que destilou seu instinto zoador pré-adolescente, seu ódio, sua imaturidade, sua única forma de aparecer para o outro coleguinha.
- Se *udeu, haha! - pronunciou sua presunçosa, e suja, boca.
Pensei comigo num infinitésimo de segundo. Qual foi a daquele rapazinho? Protótipo de gente... Ainda tem muito pra ver na vida. Criança mal-amada? Criada pela empregada? Usando Adidas, correntinha... e se achando o máximo. Não sabe o que é largar a banana. Não sabe o que são reações orgânicas. Um grande merdinha.
Sou polido. Às vezes. Mas com quem não conheço, sou polido sempre. Se sou mal-amado, já não sou criança. Nunca tive empregada. Uso Adidas, mas não uso correntinha. Já larguei a banana. E já aprendi 80 reações orgânicas. Uns me acham um grande merdinha. Outros não. Sou polido. E fiz-me polido:
- Nossa, está exaltado esse rapaizinho, hein? - falei e fui embora.
Saí de fininho. Aquela pessoa não tinha nada a me acrescentar e distância é o que mais quero de energúmenos.
A balinha... realmente fiquei sem. E ainda levei essa desaforo pra casa. Sim, eu levo desaforo pra casa.
[após um longo e tenebroso inverno de dois dias...]
Estava hoje no Zona Sul, fui comprar um biscoito com uma amiga, que também me acompanhara no incidente da balinha dois dias antes. Na fila do caixa, conversávamos, até que meus olhos foram de encontro a algo em que custei a acreditar.
Jogado no meio de muitas balas nos penduricalhos que há no caixa, lá estava a balinha que tanto procurava. Um pacote com 8. Cada deles, com 12. 96 balinhas à minha disposição. Não hesitei e peguei. Era a balinha. A azedinha, a pequenininha, coloridinha, embalada feito jujuba, em forma de disco bicôncavo e parecendo uma hemácia. No Zona Sul, jogada, sozinha, com a embalagem meio empoeirada, até.
Paguei. 8 reais. Não valia tudo isso, eu sei. No Centro, compro pela metade do preço. Mas ali valia tudo. Pela balinha eu fazia tudo.
Moral da história:
Quem não procura, acha.
Sem moral da história:
O moleque.
- É assim ó: uma bala redonda, pequena, vem de várias cores numa mesma embalagem, são enroladas num papelzinho assim... tô procurando há tempos e não acho.
- Ahn... acho que não tem não.
Aquela vontade de uma sobremesa que dá depois do almoço estava difícil de aguentar. Pior, quase como uma grávida, despontara para um desejo súbito, por algo específico, insubstituível. Procurava com meus amigos de baleiro em baleiro a tal bala.
- Moça, você tem uma balinha azedinha, pequenininha, vem de várias cores, ... - perguntava, tentando gesticular o formato da balinha.
Uma amiga minha, que também estava tentando lembrar a que bala eu me referia, falava nomes e tipos de bala, mas não acertava. Até que despontei com a brilhante associação.
- Ela é meio achatada, um disco bicôncavo... parece uma hemácia.
Risos gerais. Continuei procurando. Fui a cinco baleiros. A duas bancas de jornais. Ninguém sabia que bala era essa.
- Olha, se por acaso você achar a bala, traz o papelzinho aqui que a gente compra no distribuidor e vende, tudo bem? - falou uma vendedora de forma muito atenciosa.
Usando a última carta do baralho, fui à cantina do colégio. Ou era ali, ou não era mais. O momento recebeu a devida solenidade. Chegando à cantina, havia mais dois ou três alunos de séries mais baixas do Colégio, que ali faziam não sei o que.
- Oi moça, tenho uma missão difícil para você. Já procurei em tudo que é lugar, mas não acho. Quero uma balinha azedinha, pequenininha, achatada nos pontos, vem umas 12 por embalagem, ela é embalada que nem jujuba. Sabe qual é? - perguntei.
- Deve estar mentindo. - disse o moleque que me ouvira, já me olhando de forma insolente.
- Nada. - desconversei.
A moça me apareceu com uma jujuba. Não, eu não queria jujuba.
- É uma bala mesmo... tem certeza que não tem?
- Tem aí, "Cleiton"? - perguntou ao outro balconista.
- Tem não. - respondeu o colega.
- Ahn... então deixa. Obrigado. - lamentei, afinal, teria que ficar sem a tal balinha naquele dia.
Não iria escapar daquela só com essa frustração. A situação precisava de um gran finale, algo marcante, algo tocante, algo imprevisível, quiçá inesquecível. E a inserção inusitada daquele dia veio por parte do moleque, que destilou seu instinto zoador pré-adolescente, seu ódio, sua imaturidade, sua única forma de aparecer para o outro coleguinha.
- Se *udeu, haha! - pronunciou sua presunçosa, e suja, boca.
Pensei comigo num infinitésimo de segundo. Qual foi a daquele rapazinho? Protótipo de gente... Ainda tem muito pra ver na vida. Criança mal-amada? Criada pela empregada? Usando Adidas, correntinha... e se achando o máximo. Não sabe o que é largar a banana. Não sabe o que são reações orgânicas. Um grande merdinha.
Sou polido. Às vezes. Mas com quem não conheço, sou polido sempre. Se sou mal-amado, já não sou criança. Nunca tive empregada. Uso Adidas, mas não uso correntinha. Já larguei a banana. E já aprendi 80 reações orgânicas. Uns me acham um grande merdinha. Outros não. Sou polido. E fiz-me polido:
- Nossa, está exaltado esse rapaizinho, hein? - falei e fui embora.
Saí de fininho. Aquela pessoa não tinha nada a me acrescentar e distância é o que mais quero de energúmenos.
A balinha... realmente fiquei sem. E ainda levei essa desaforo pra casa. Sim, eu levo desaforo pra casa.
[após um longo e tenebroso inverno de dois dias...]
Estava hoje no Zona Sul, fui comprar um biscoito com uma amiga, que também me acompanhara no incidente da balinha dois dias antes. Na fila do caixa, conversávamos, até que meus olhos foram de encontro a algo em que custei a acreditar.
Jogado no meio de muitas balas nos penduricalhos que há no caixa, lá estava a balinha que tanto procurava. Um pacote com 8. Cada deles, com 12. 96 balinhas à minha disposição. Não hesitei e peguei. Era a balinha. A azedinha, a pequenininha, coloridinha, embalada feito jujuba, em forma de disco bicôncavo e parecendo uma hemácia. No Zona Sul, jogada, sozinha, com a embalagem meio empoeirada, até.
Paguei. 8 reais. Não valia tudo isso, eu sei. No Centro, compro pela metade do preço. Mas ali valia tudo. Pela balinha eu fazia tudo.
Moral da história:
Quem não procura, acha.
Sem moral da história:
O moleque.
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
IDADES, SUPLÍCIOS E ELEVADORES.
Joãozinho tinha se atrasado para sair de casa e estava afobado para chegar logo à escola e não perder a prova do dia. Fechou a porta e esperou impaciente o elevador ir ao seu andar.
Bastou o elevador chegar para que tivesse a ingrata surpresa de ali encontrar aquele vizinho cinquentão e seus assuntos sem assunto. Pois é, papo de elevador é pura função fática fadada ao insucesso. Quando não se fala sobre o tempo, sobre corrupção na política ou sobre o cansaço da vida moderna, repousa sobre o ambiente um silêncio irritante.
Joãozinho morava no prédio desde que nasceu e todos o viram crescer. De uma criancinha que vivia com a fraldinha cheia, virou um rapaz não muito alto. Fato é que os vizinhos costumavam associá-lo, sempre, à primeira impressão ("a primeira impressão é a que fica") que tiveram: a criancinha de fraldinha. E dali vinha não só o apelido no diminutivo, como também o discurso batido, tanto dentro do elevador, como dentro do prédio, na rua ou no supermercado, ...:
- Mas como você está grande! - Tá crescendo, hein? - Vai chegar ao teto! - Já tá um homem!
Joãozinho já estava acostumado. Não havia uma pessoa que falasse coisa diferente, fosse adulta, fosse idosa, fosse homem, fosse mulher. E todos o viam com certa freqüência, de forma que não havia como haver tanto espanto com seu crescimento, que, aliás, já havia dado uma séria desacelerada havia algum tempo, estando quase imperceptível. Ele reconhecia o carinho das pessoas e a falta de assunto melhor, mas, como não tinha palavras insossas à altura para responder tais comentários, limitava-se ao sorriso amarelo sem-graça, quase envergonhado.
Na pressa daquele dia, a lei de Murphy fez-se presente. Mal entrara no elevador, mal cumprimentara o tal do cinquentão, mal apertara o botão para a portaria, quando o elevador deu defeito, parou e os dois vizinhos ali ficaram presos. Joãozinho viu que iria, de qualquer jeito,, perder a prova e tratou de se acalmar, afinal, era só fazer uma segunda chamada, daria até para estudar mais.
E ali estava Joãozinho, com o vizinho cinquentão no elevador, na tal situação do silêncio fastidioso. (Antes que vocês pensem que vai rolar alguma pederastia na situação... não, não vai.) Eis, porém, que o cinquentão decide quebrar o silêncio, mostrando sua linguagem de cinquentão pseudo-antenado em tendências jovens.
- E aí parceiro, agora vamos ter que esperar.
- Pois é... - falou Joãozinho sem jeito.
Ficaram dois segundos ouvindo o eco de palavras jogadas ao ar, esperando que alguém retomasse o verbo. Pensaram, pensaram, e não veio assunto à cabeça. Falar do tempo? Ah, hoje está sol, mas é dia de semana, que diferença faz? Falar da corrupção na política? Bah, coisa de revoltado ou de nerd. Falar do cansaço da vida moderna? Isso é coisa de velho, o que Joãozinho de fato não era, e que o cinquentão tentava a duras penas abafar. E, depois de alguma reflexão, surgiu o tal assunto.
- Mas como você cresceu, hein rapaz?
- Pois é...
- Tomou fermento?
- Não, que isso.
- Tá fazendo alongamento?
- Faço não.
- Tá tomando hormônio?
- Preciso não. - respondeu Joãozinho. Caraca, que saco. Precisava ele explicar que há uma coisa hipófise, que produz uma coisa chamada somatotropina que promove uma coisa chamada crescimento?
- Quando eu era moleque, a gente não era grande assim não. É que a alimentação da geração de vocês é muito diferente. Tem tanta gente com mais de dois metros. Aliás, você já pensou em jogar basquete ou vôlei?
- Nada... fico só na pelada, mesmo.
- Ahn, sei, só na pelada. Revista de mulher pelada, você quer dizer?
Joãozinho riu desconcertado. Que ele lá tivesse suas Playboys ou suas fotos e vídeos "impróprios" no computador, mas o que haveria de ser falado naquela hora? Que ele realmente adorava deleitar-se com tal tipo de material? Perguntar se o tiozão queria emprestado? Respondeu quase constrangido:
- Ah, também, né!
- Ahnn... sei. Mas você está com que altura? - perguntou o tiozão, mostrando ser ruminante no aspecto assuntos e conversas.
- Quase um metro e oitenta.
- Nossa, até ontem você era um bebê, andava no carrinho! E por falar em outro carrinho, já tirou carteira?
- Ainda não, só faço dezoito no final do ano.
- Dezoito anos, já vai poder comprar Playboy legalmente! Haha, que barato! - o cinquentão comprovadamente ruminava assuntos.
Joãozinho já estava de saco cheio daquela conversa, quando lembrou que o elevador possuía alarme. Apertou-a imediatamente, desviando-se de qualquer assunto que o vizinho levantasse. Pouco lhe importava ficar preso naquele elevador, mas estava desesperado para fugir daquela conversa circunstancialmente impreterível. PIII PIII pra cá, PIII PIII pra lá e o elevador por aparente milagre voltou a funcionar.
Chegaram ao térreo e, quando iam se despedir, Joãozinho foi importunado por mais três moradoras, três velhinhas, que esperavam o elevador parado com sacolas de compras do supermercado.
- Mas era o menino que estava aí preso, coitado! - ressaltou uma delas, logo em seguida vertendo sua fisionomia para o espanto de quem vê tudo mudado - Meu Deus, como você está crescido!
- É mesmo, Bete! Lembro de quando lhe comprei um chocalho para o chá de fraldas, e olha como ele está agora! - endossou a outra.
- Mas está uma gracinha, deve estar fazendo um sucesso entre as meninas da classe! - apostou entusiasmada a terceira idosa.
Já era muito para Joãozinho. Não bastasse o cinquentão, que àquela hora já sumira de seu campo de visão, agora vinham aquelas doces senhoras com suas amáveis palavras. Pobrezinho... ele não era tão grande, ele não lembrava do chocalho e muito menos era tão popular assim entre as meninas.
- Meu filho, você pode nos ajudar a subir com as compras?
Joãozinho respondeu positivamente, afinal, já não ia mesmo para a escola e de nada custava ajudar aquelas velhinhas. Cumprido o favor com carinho, voltou para casa, no que a mãe o atendeu com feição aborrecida e desatinou a falar após reputar como lorota a tentativa de explicação que lhe foi dirigida pelo filho:
- Mas você já é quase um homem, tem que se programar para imprevistos. Veja, você não é mais aquela criancinha que precisa ficar sendo acordada, lembrada, conduzida. Quase um homem!
Depois de tanta aporrinhação, Joãozinho trancou-se no quarto impaciente. Revoltado como adolescente, ranzinza como um velho. Não mais sabia o que era. Quase um homem, talvez.
Bastou o elevador chegar para que tivesse a ingrata surpresa de ali encontrar aquele vizinho cinquentão e seus assuntos sem assunto. Pois é, papo de elevador é pura função fática fadada ao insucesso. Quando não se fala sobre o tempo, sobre corrupção na política ou sobre o cansaço da vida moderna, repousa sobre o ambiente um silêncio irritante.
Joãozinho morava no prédio desde que nasceu e todos o viram crescer. De uma criancinha que vivia com a fraldinha cheia, virou um rapaz não muito alto. Fato é que os vizinhos costumavam associá-lo, sempre, à primeira impressão ("a primeira impressão é a que fica") que tiveram: a criancinha de fraldinha. E dali vinha não só o apelido no diminutivo, como também o discurso batido, tanto dentro do elevador, como dentro do prédio, na rua ou no supermercado, ...:
- Mas como você está grande! - Tá crescendo, hein? - Vai chegar ao teto! - Já tá um homem!
Joãozinho já estava acostumado. Não havia uma pessoa que falasse coisa diferente, fosse adulta, fosse idosa, fosse homem, fosse mulher. E todos o viam com certa freqüência, de forma que não havia como haver tanto espanto com seu crescimento, que, aliás, já havia dado uma séria desacelerada havia algum tempo, estando quase imperceptível. Ele reconhecia o carinho das pessoas e a falta de assunto melhor, mas, como não tinha palavras insossas à altura para responder tais comentários, limitava-se ao sorriso amarelo sem-graça, quase envergonhado.
Na pressa daquele dia, a lei de Murphy fez-se presente. Mal entrara no elevador, mal cumprimentara o tal do cinquentão, mal apertara o botão para a portaria, quando o elevador deu defeito, parou e os dois vizinhos ali ficaram presos. Joãozinho viu que iria, de qualquer jeito,, perder a prova e tratou de se acalmar, afinal, era só fazer uma segunda chamada, daria até para estudar mais.
E ali estava Joãozinho, com o vizinho cinquentão no elevador, na tal situação do silêncio fastidioso. (Antes que vocês pensem que vai rolar alguma pederastia na situação... não, não vai.) Eis, porém, que o cinquentão decide quebrar o silêncio, mostrando sua linguagem de cinquentão pseudo-antenado em tendências jovens.
- E aí parceiro, agora vamos ter que esperar.
- Pois é... - falou Joãozinho sem jeito.
Ficaram dois segundos ouvindo o eco de palavras jogadas ao ar, esperando que alguém retomasse o verbo. Pensaram, pensaram, e não veio assunto à cabeça. Falar do tempo? Ah, hoje está sol, mas é dia de semana, que diferença faz? Falar da corrupção na política? Bah, coisa de revoltado ou de nerd. Falar do cansaço da vida moderna? Isso é coisa de velho, o que Joãozinho de fato não era, e que o cinquentão tentava a duras penas abafar. E, depois de alguma reflexão, surgiu o tal assunto.
- Mas como você cresceu, hein rapaz?
- Pois é...
- Tomou fermento?
- Não, que isso.
- Tá fazendo alongamento?
- Faço não.
- Tá tomando hormônio?
- Preciso não. - respondeu Joãozinho. Caraca, que saco. Precisava ele explicar que há uma coisa hipófise, que produz uma coisa chamada somatotropina que promove uma coisa chamada crescimento?
- Quando eu era moleque, a gente não era grande assim não. É que a alimentação da geração de vocês é muito diferente. Tem tanta gente com mais de dois metros. Aliás, você já pensou em jogar basquete ou vôlei?
- Nada... fico só na pelada, mesmo.
- Ahn, sei, só na pelada. Revista de mulher pelada, você quer dizer?
Joãozinho riu desconcertado. Que ele lá tivesse suas Playboys ou suas fotos e vídeos "impróprios" no computador, mas o que haveria de ser falado naquela hora? Que ele realmente adorava deleitar-se com tal tipo de material? Perguntar se o tiozão queria emprestado? Respondeu quase constrangido:
- Ah, também, né!
- Ahnn... sei. Mas você está com que altura? - perguntou o tiozão, mostrando ser ruminante no aspecto assuntos e conversas.
- Quase um metro e oitenta.
- Nossa, até ontem você era um bebê, andava no carrinho! E por falar em outro carrinho, já tirou carteira?
- Ainda não, só faço dezoito no final do ano.
- Dezoito anos, já vai poder comprar Playboy legalmente! Haha, que barato! - o cinquentão comprovadamente ruminava assuntos.
Joãozinho já estava de saco cheio daquela conversa, quando lembrou que o elevador possuía alarme. Apertou-a imediatamente, desviando-se de qualquer assunto que o vizinho levantasse. Pouco lhe importava ficar preso naquele elevador, mas estava desesperado para fugir daquela conversa circunstancialmente impreterível. PIII PIII pra cá, PIII PIII pra lá e o elevador por aparente milagre voltou a funcionar.
Chegaram ao térreo e, quando iam se despedir, Joãozinho foi importunado por mais três moradoras, três velhinhas, que esperavam o elevador parado com sacolas de compras do supermercado.
- Mas era o menino que estava aí preso, coitado! - ressaltou uma delas, logo em seguida vertendo sua fisionomia para o espanto de quem vê tudo mudado - Meu Deus, como você está crescido!
- É mesmo, Bete! Lembro de quando lhe comprei um chocalho para o chá de fraldas, e olha como ele está agora! - endossou a outra.
- Mas está uma gracinha, deve estar fazendo um sucesso entre as meninas da classe! - apostou entusiasmada a terceira idosa.
Já era muito para Joãozinho. Não bastasse o cinquentão, que àquela hora já sumira de seu campo de visão, agora vinham aquelas doces senhoras com suas amáveis palavras. Pobrezinho... ele não era tão grande, ele não lembrava do chocalho e muito menos era tão popular assim entre as meninas.
- Meu filho, você pode nos ajudar a subir com as compras?
Joãozinho respondeu positivamente, afinal, já não ia mesmo para a escola e de nada custava ajudar aquelas velhinhas. Cumprido o favor com carinho, voltou para casa, no que a mãe o atendeu com feição aborrecida e desatinou a falar após reputar como lorota a tentativa de explicação que lhe foi dirigida pelo filho:
- Mas você já é quase um homem, tem que se programar para imprevistos. Veja, você não é mais aquela criancinha que precisa ficar sendo acordada, lembrada, conduzida. Quase um homem!
Depois de tanta aporrinhação, Joãozinho trancou-se no quarto impaciente. Revoltado como adolescente, ranzinza como um velho. Não mais sabia o que era. Quase um homem, talvez.
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
MOMENTO POEMA.
Poema... coisa que raramente faço. Então vão dois escritos recentemente.
Gostaria de dizer que o primeiro, por mais incrível que isso possa parecer, foi escrito num dia em que estava muito feliz e animado. Sei lá como ele apareceu.
CAMINHO ATÉ A BEIRA DO PENHASCO
(mas sem coragem de dar o último passo)
Quando tudo parecia dar errado,
surgiu o milagre.
Quando tudo parecia dar certo,
surgiu o imprevisto.
Quando tudo tendia a fúria,
surgiu a palavra.
Quando não havia mais palavra,
fez-se o silêncio.
Quando tudo era silêncio,
fez-se o escuro.
E aí, tudo pareceu perdido,
e não surgiu um norte,
e não surgiu a sorte.
Também não surgiu a morte,
e ficamos a ver navios,
porque não deu pra soltar as amarras.
NÃO É NO GOOGLE
Procure espaço,
procure o compasso ,
procure o escasso,
procure um traço.
Procure o ócio,
procure negócio,
procure o sócio,
procure consórcio.
Procure conforto,
procure o porto,
procure torto
procure o horto.
Procure o fio,
procure o Rio,
procure no cio,
procure o plantio.
Procure, enfim,
procure assim,
procure o fim...
Procura sem fim.
Gostaria de dizer que o primeiro, por mais incrível que isso possa parecer, foi escrito num dia em que estava muito feliz e animado. Sei lá como ele apareceu.
CAMINHO ATÉ A BEIRA DO PENHASCO
(mas sem coragem de dar o último passo)
Quando tudo parecia dar errado,
surgiu o milagre.
Quando tudo parecia dar certo,
surgiu o imprevisto.
Quando tudo tendia a fúria,
surgiu a palavra.
Quando não havia mais palavra,
fez-se o silêncio.
Quando tudo era silêncio,
fez-se o escuro.
E aí, tudo pareceu perdido,
e não surgiu um norte,
e não surgiu a sorte.
Também não surgiu a morte,
e ficamos a ver navios,
porque não deu pra soltar as amarras.
NÃO É NO GOOGLE
Procure espaço,
procure o compasso ,
procure o escasso,
procure um traço.
Procure o ócio,
procure negócio,
procure o sócio,
procure consórcio.
Procure conforto,
procure o porto,
procure torto
procure o horto.
Procure o fio,
procure o Rio,
procure no cio,
procure o plantio.
Procure, enfim,
procure assim,
procure o fim...
Procura sem fim.
E O CALENDÁRIO DE 2020
Hoje é 24 de agosto de 2007. Diga-se de passagem, completam-se 53 anos do suicídio de Vargas. Pegue o calendário de seu celular ou do PC e veja o dia 24 de agosto de 2020. O que você vê? Um dia em branco? Uma nebulosa?
Futuro, meu caro futuro, ele está lá. Coisa estranha ver o dia ali, ver todos os dias ali, saber que eles existirão, mas não saber se você estará lá para ver tudo acontecer e, caso esteja, não saber como acontecerá. Mas imagine-se lá, acordando e vendo no relógio ao lado, estampado, 24/8/2020. Você, como bom conhecedor de história, há de se lembrar que é dia de celebrar a morte do mais importante presidente do Brasil (se nenhum outro à altura aparecer até lá... acho difícil).
Mas e daí? Você se levanta e toma café? Você beija sua mulher e vai trabalhar? Você está entrevado numa cama sem poder andar? Você está rico? Você está pobre? O dia está chuvoso ou o tempo está aberto? As pessoas falam com você? Você está em que cidade? Seus amigos de hoje ainda são seus amigos? Muitos de seus parentes já são falecidos?
Dúvida que instiga, dúvida que fascina, dúvida que angustia. Esses dias estava observando o dia 16 de julho de 2049, o dia em que, com a graça das graças, completarei meu sexagésimo aniversário. Já serei eu vovô nesse dia? Já serei pai? Serei alguma coisa na vida? Terei motivos para ter orgulho? E para ter satisfação? Já terei vivido o triplo de tempo que já vivi... por que experiências terei passado? Garanto que muitas agradáveis, e muitas desagradáveis. Quais?
O que me espera para que eu chegue até lá?
Não aguento mais apertar o botão do ponto de interrogação. Aliás, fazer isso é tão fastidioso quanto povoar a cabeça com essas suposições sobre o futuro. Também não adianta planejar em minúcias algo que depende de tantas variáveis que me fogem ao controle. E... veja bem... futuro para ser futuro tem que surpreender. Mas uma surpresa que só pode ser percebida quando nos lembramos dele já enquanto passado. Algo do tipo:
"Caraca, jamais pude imaginar que tudo isso fosse acontecer, e ainda mais dessa forma!"
Encerro, e peço que não me apedrejem, com o maior dos clichês, embora o mais verdadeiro, desde que interpretado convenientemente.
carpe diem.
(amanhã vou à praia)
Futuro, meu caro futuro, ele está lá. Coisa estranha ver o dia ali, ver todos os dias ali, saber que eles existirão, mas não saber se você estará lá para ver tudo acontecer e, caso esteja, não saber como acontecerá. Mas imagine-se lá, acordando e vendo no relógio ao lado, estampado, 24/8/2020. Você, como bom conhecedor de história, há de se lembrar que é dia de celebrar a morte do mais importante presidente do Brasil (se nenhum outro à altura aparecer até lá... acho difícil).
Mas e daí? Você se levanta e toma café? Você beija sua mulher e vai trabalhar? Você está entrevado numa cama sem poder andar? Você está rico? Você está pobre? O dia está chuvoso ou o tempo está aberto? As pessoas falam com você? Você está em que cidade? Seus amigos de hoje ainda são seus amigos? Muitos de seus parentes já são falecidos?
Dúvida que instiga, dúvida que fascina, dúvida que angustia. Esses dias estava observando o dia 16 de julho de 2049, o dia em que, com a graça das graças, completarei meu sexagésimo aniversário. Já serei eu vovô nesse dia? Já serei pai? Serei alguma coisa na vida? Terei motivos para ter orgulho? E para ter satisfação? Já terei vivido o triplo de tempo que já vivi... por que experiências terei passado? Garanto que muitas agradáveis, e muitas desagradáveis. Quais?
O que me espera para que eu chegue até lá?
Não aguento mais apertar o botão do ponto de interrogação. Aliás, fazer isso é tão fastidioso quanto povoar a cabeça com essas suposições sobre o futuro. Também não adianta planejar em minúcias algo que depende de tantas variáveis que me fogem ao controle. E... veja bem... futuro para ser futuro tem que surpreender. Mas uma surpresa que só pode ser percebida quando nos lembramos dele já enquanto passado. Algo do tipo:
"Caraca, jamais pude imaginar que tudo isso fosse acontecer, e ainda mais dessa forma!"
Encerro, e peço que não me apedrejem, com o maior dos clichês, embora o mais verdadeiro, desde que interpretado convenientemente.
carpe diem.
(amanhã vou à praia)
sexta-feira, 3 de agosto de 2007
PET SHOP BOY
- Olha, mãe, que bonitinho.
- É minha filha, veja que fofinho.
O menino estava sentado na calçada, à penumbra das luzes das ruas e das vitrines. Seu olhar era distante e sua fisionomia era abatida.
- Mãe, porque ele está sozinho?
- Porque ele vai ser vendido, oras.
O menino não tinha pais. Não os conhecera. Vivia sozinho. Não estava acostumado a carinho, nem a atenção. Era só mais um infeliz, como muitos, tentando ser indiferente à própria vida e à própria realidade, pouco lhe importando se o destino lhe seria favorável ou excludente.
- Mas ele não sente saudades dos pais?
- Mas ele é bicho, Carolina!
O menino também não sentia saudades dos pais. Como poderia tê-las, se nem os conhecera?
Se ele era bicho, talvez Manuel Bandeira dissesse que sim.
- Porque ele está tremendo de frio?
- Porque deve estar frio lá dentro.
No frio da rua, o menino também tremia. Não só de frio, mas de fome e de desespero. Não tinha agasalho, não tinha atenção, não tinha escola, não tinha dignidade, não tinha alguém que com ele se preocupasse, não tinha teto, não tinha aquele edredom para noites geladas, nem a sopa quente e nutritiva que vovó faz.
- Vamos comprar, mãe?
- Tá maluca, Carol? Não tem como levar não, deixa que outra pessoa compra e cuida.
- Ahhhhhhh... por favor, por favor!
- Não. Agora vamos embora.
E foram-se embora sem notar que ao lado da vitrine do pet-shop, onde ali estava um exemplar de fofura vendido por não menos que um salário mínimo, havia um menino. Um menino sem fofura, um menino que nem salário mínimo valia, mas que também estava sozinho, não tinha pais e tremia de frio.
Por ser menino, por estar no escuro ou por ser só mais um entre muitos meninos desse Brasil, passou despercebido.
Talvez se fosse cachorro, numa vitrine, iluminado e em destaque, alguém lhe desse atenção.
Invejando uma vida de cão, o menino deitou-se no chão, encolheu-se de frio e fechou os olhos, desejoso de que na próxima encarnação nascesse cachorro.
- É minha filha, veja que fofinho.
O menino estava sentado na calçada, à penumbra das luzes das ruas e das vitrines. Seu olhar era distante e sua fisionomia era abatida.
- Mãe, porque ele está sozinho?
- Porque ele vai ser vendido, oras.
O menino não tinha pais. Não os conhecera. Vivia sozinho. Não estava acostumado a carinho, nem a atenção. Era só mais um infeliz, como muitos, tentando ser indiferente à própria vida e à própria realidade, pouco lhe importando se o destino lhe seria favorável ou excludente.
- Mas ele não sente saudades dos pais?
- Mas ele é bicho, Carolina!
O menino também não sentia saudades dos pais. Como poderia tê-las, se nem os conhecera?
Se ele era bicho, talvez Manuel Bandeira dissesse que sim.
- Porque ele está tremendo de frio?
- Porque deve estar frio lá dentro.
No frio da rua, o menino também tremia. Não só de frio, mas de fome e de desespero. Não tinha agasalho, não tinha atenção, não tinha escola, não tinha dignidade, não tinha alguém que com ele se preocupasse, não tinha teto, não tinha aquele edredom para noites geladas, nem a sopa quente e nutritiva que vovó faz.
- Vamos comprar, mãe?
- Tá maluca, Carol? Não tem como levar não, deixa que outra pessoa compra e cuida.
- Ahhhhhhh... por favor, por favor!
- Não. Agora vamos embora.
E foram-se embora sem notar que ao lado da vitrine do pet-shop, onde ali estava um exemplar de fofura vendido por não menos que um salário mínimo, havia um menino. Um menino sem fofura, um menino que nem salário mínimo valia, mas que também estava sozinho, não tinha pais e tremia de frio.
Por ser menino, por estar no escuro ou por ser só mais um entre muitos meninos desse Brasil, passou despercebido.
Talvez se fosse cachorro, numa vitrine, iluminado e em destaque, alguém lhe desse atenção.
Invejando uma vida de cão, o menino deitou-se no chão, encolheu-se de frio e fechou os olhos, desejoso de que na próxima encarnação nascesse cachorro.
quinta-feira, 2 de agosto de 2007
SÓ FALTOU A SUÁSTICA.
(rapidíssima)
Não sei se vocês acham humilhação entrar nessa loja popular, mas eu vou numa boa. E compro. No entanto, eles sempre estão lançando umas camisetas cujas estampas me deixam irritados demais. Em geral, são temas políticos que poucas pessoas conhecem e acabam usando a camisa sem ter a mínima idéia do que seja. Há um tempo atrás, eles lançaram uma camisa onde havia escrito CCCP. Para quem ainda não sabe, CCCP era a abreviação, em russo, de URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Quem sabia disso? Garanto que poucos. Quem conhece a história da URSS? Quem tem uma mínima idéia do que foi a experiência soviética? Quem sabe o que é socialismo, comunismo, Marx, Lenin, Stalin,...? Quem aceitaria desfilar conscientemente com o nome de uma das potências da Guerra Fria? Eu lá sei.
Mas isso não é nada. Ontem a Renner me reservou uma surpresa especialmente desagradável. Há agora uma linha de camisetas com temas alusivos à Alemanha, não sei se é coisa desse ano ou se é sobra de estoque do ano passado, quando houve a Copa em terras germânicas. Estava lá passeando pela loja, quando vejo uma Cruz de Ferro estampada, com uma águia atrás. Para quem não sabe, a cruz é um dos símbolos da Wehrmacht, o exército nazista alemão responsável por uma série de atrocidades notórias. A águia não estava no formato nem na posição utilizados nos tempos nazistas, mas perceptivelmente era uma águia. Em volta da imagem, a inscrição "STARKER MANN", que quer dizer homem forte. Uma alusão ao Reichsführer - "guia do império" -, título ao qual Adolf Hitler atendia?
Mais a frente, outra camisa da mesma série. Dessa vez, só havia a Cruz de Ferro, com as inscrições circundantes: "Blue Steel - Revolutionary Culture".
Sinceramente, acho que só não estamparam a suástica porque é crime ostentá-la.
Não sei se vocês acham humilhação entrar nessa loja popular, mas eu vou numa boa. E compro. No entanto, eles sempre estão lançando umas camisetas cujas estampas me deixam irritados demais. Em geral, são temas políticos que poucas pessoas conhecem e acabam usando a camisa sem ter a mínima idéia do que seja. Há um tempo atrás, eles lançaram uma camisa onde havia escrito CCCP. Para quem ainda não sabe, CCCP era a abreviação, em russo, de URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Quem sabia disso? Garanto que poucos. Quem conhece a história da URSS? Quem tem uma mínima idéia do que foi a experiência soviética? Quem sabe o que é socialismo, comunismo, Marx, Lenin, Stalin,...? Quem aceitaria desfilar conscientemente com o nome de uma das potências da Guerra Fria? Eu lá sei.
Mas isso não é nada. Ontem a Renner me reservou uma surpresa especialmente desagradável. Há agora uma linha de camisetas com temas alusivos à Alemanha, não sei se é coisa desse ano ou se é sobra de estoque do ano passado, quando houve a Copa em terras germânicas. Estava lá passeando pela loja, quando vejo uma Cruz de Ferro estampada, com uma águia atrás. Para quem não sabe, a cruz é um dos símbolos da Wehrmacht, o exército nazista alemão responsável por uma série de atrocidades notórias. A águia não estava no formato nem na posição utilizados nos tempos nazistas, mas perceptivelmente era uma águia. Em volta da imagem, a inscrição "STARKER MANN", que quer dizer homem forte. Uma alusão ao Reichsführer - "guia do império" -, título ao qual Adolf Hitler atendia?
Mais a frente, outra camisa da mesma série. Dessa vez, só havia a Cruz de Ferro, com as inscrições circundantes: "Blue Steel - Revolutionary Culture".
Sinceramente, acho que só não estamparam a suástica porque é crime ostentá-la.
quarta-feira, 11 de julho de 2007
APARELHO DE FONDUE.
Maldito hábito de guardar as coisas e nunca usar. Acho que foi comportamento herdado dos egípcios, que levavam vários pertences para a tumba na esperança de usá-los em outra vida.
Fato é que o aparelho de fondue estava guardado desde 1984. Intacto, no armário lá de cima, aqueeeeele que ninguém nunca mexe, junto com vários outros presentes.
Presentes de casamento. O casamento aconteceu há 23 anos atrás. Amigos, parentes e etc. presentearam os jovens noivos com várias coisas para a casa. Jarras, talheres, cristais, pratos e também um aparelho de fondue importado. Ficou lá ele encostado.
Nesses 23 anos, muita coisa aconteceu. Viagens, brigas, encontros, desencontros. Filhos, claro, filhos, cá estou eu! Separação... nem tudo é pra sempre. Mudança de casa. Cada um para um canto. Os presentes foram parar com a noiva.
O aparelho de fondue, vocês sabem, ficou na casa da noiva, no tal armário. Armário quase intocado, como se guardasse um resquício de um passado talvez não muito bem assimilado. Estava lá, tudo embaladinho. A panela do fondue brilhante, sem uma ferrugem sequer, com seu cabo de madeira ainda lustrado. Quatro garfinhos, com pontas bem afiadas e cabo de madeira, também, cada um com uma bolinha de plástico de cor diferente em sua ponta. Bonitinho o detalhe. Estavam todos eles embaladinhos em papelão, bonitinhos, esperando quase que sentados para serem usados. Junto do conjunto, uns cinco potinhos tipo cinzeiro, pretos. Envoltos em plástico-bolha, o qual não tive coragem de estourar, lá estavam os potinhos coladinhos, também embalados em papelão. Esperavam a carne, o pão cortado ou as frutas a serem banhadas em chocolate.
A caixa do aparelho de fondue mostrava uma foto ilustrativa do que seria jantar fondue a dois. Duas taças de vinho, o fondue e a fumacinha saindo da panela. Colada na caixa, um adesivo da Roberto Simões (Presentes de qualidade, presente em Copacabana, Leblon, Ipanema, Centro, bla bla bla). Não achei a carta de votos de feliz matrimônio para identificar quem comprou o presente e acabei ficando na curiosidade.
Acabou que hoje eu precisei de um aparelho de fondue. Bem, eu sabia que havia um guardado lá no armário. Não hesitei em pedir, mas hesitaram em me atender. Depois de alguma conversa, consegui. Tão logo estive com ele em minhas mãos, bateu uma peninha de usá-lo. Bem... após esperar mais de vinte anos para ter sua serventia, ele já devia ter desistido de ser usado. Embaladinho, parecia estar em um sono profundo de decepção, de inutilidade.
Mas eis que eu o acordo. Tiro-o da caixa, desembalo tudo, lavo cada peça e o monto. Jogo álcool na parte de fazer fogo, acendo um fósforo, e ele começa a produzir calor e uma luz azul. A panela vai ao fogo e recebe aquele queijo meio estranho de fondue, que logo é derretido. Com os garfinhos, espetam-se pães que se lambuzam no tal queijo e vão à boca em deleite gastronômico. Os potinhos não foram usados, ficando para a próxima.
Acabada a comilança, vai tudo à pia . Detergente, esponja, muita esfregação, água e etc. E então estava tudo limpinho, pingando e escorrendo. O aparelho de fondue teve sua primeira vez, e agora estava ali, como qualquer outro estaria, esperando para ser guardado e utilizado em ocasiões futuras.
Será que ele ficou feliz? Ou preferiria o dito cujo ter ficado ali, guardado, embalado, conforme saiu da fábrica no início da década de 80? Época essa quando não havia internet, quando não havia celular, quando eu não era nascido... quando entre dois noivos ainda havia a magia de um casamento, de que hoje sobrou alguma amizade e vários presentes que, por razões adversas, não tiveram a oportunidade de serem usados. A amizade está guardada no coração (ó que piegas!). Os presentes, no armário lá de cima. Aquele tal armário, sabe?
Até quando, não se sabe.
Curiosidade: Minha avó, casada em 1956, ainda guarda presentes de casamento nunca usados. Suponho que isso seja uma forma de fazê-los ganhar valor de mercado para serem vendidos a um antiquário. Vai entender.
Fato é que o aparelho de fondue estava guardado desde 1984. Intacto, no armário lá de cima, aqueeeeele que ninguém nunca mexe, junto com vários outros presentes.
Presentes de casamento. O casamento aconteceu há 23 anos atrás. Amigos, parentes e etc. presentearam os jovens noivos com várias coisas para a casa. Jarras, talheres, cristais, pratos e também um aparelho de fondue importado. Ficou lá ele encostado.
Nesses 23 anos, muita coisa aconteceu. Viagens, brigas, encontros, desencontros. Filhos, claro, filhos, cá estou eu! Separação... nem tudo é pra sempre. Mudança de casa. Cada um para um canto. Os presentes foram parar com a noiva.
O aparelho de fondue, vocês sabem, ficou na casa da noiva, no tal armário. Armário quase intocado, como se guardasse um resquício de um passado talvez não muito bem assimilado. Estava lá, tudo embaladinho. A panela do fondue brilhante, sem uma ferrugem sequer, com seu cabo de madeira ainda lustrado. Quatro garfinhos, com pontas bem afiadas e cabo de madeira, também, cada um com uma bolinha de plástico de cor diferente em sua ponta. Bonitinho o detalhe. Estavam todos eles embaladinhos em papelão, bonitinhos, esperando quase que sentados para serem usados. Junto do conjunto, uns cinco potinhos tipo cinzeiro, pretos. Envoltos em plástico-bolha, o qual não tive coragem de estourar, lá estavam os potinhos coladinhos, também embalados em papelão. Esperavam a carne, o pão cortado ou as frutas a serem banhadas em chocolate.
A caixa do aparelho de fondue mostrava uma foto ilustrativa do que seria jantar fondue a dois. Duas taças de vinho, o fondue e a fumacinha saindo da panela. Colada na caixa, um adesivo da Roberto Simões (Presentes de qualidade, presente em Copacabana, Leblon, Ipanema, Centro, bla bla bla). Não achei a carta de votos de feliz matrimônio para identificar quem comprou o presente e acabei ficando na curiosidade.
Acabou que hoje eu precisei de um aparelho de fondue. Bem, eu sabia que havia um guardado lá no armário. Não hesitei em pedir, mas hesitaram em me atender. Depois de alguma conversa, consegui. Tão logo estive com ele em minhas mãos, bateu uma peninha de usá-lo. Bem... após esperar mais de vinte anos para ter sua serventia, ele já devia ter desistido de ser usado. Embaladinho, parecia estar em um sono profundo de decepção, de inutilidade.
Mas eis que eu o acordo. Tiro-o da caixa, desembalo tudo, lavo cada peça e o monto. Jogo álcool na parte de fazer fogo, acendo um fósforo, e ele começa a produzir calor e uma luz azul. A panela vai ao fogo e recebe aquele queijo meio estranho de fondue, que logo é derretido. Com os garfinhos, espetam-se pães que se lambuzam no tal queijo e vão à boca em deleite gastronômico. Os potinhos não foram usados, ficando para a próxima.
Acabada a comilança, vai tudo à pia . Detergente, esponja, muita esfregação, água e etc. E então estava tudo limpinho, pingando e escorrendo. O aparelho de fondue teve sua primeira vez, e agora estava ali, como qualquer outro estaria, esperando para ser guardado e utilizado em ocasiões futuras.
Será que ele ficou feliz? Ou preferiria o dito cujo ter ficado ali, guardado, embalado, conforme saiu da fábrica no início da década de 80? Época essa quando não havia internet, quando não havia celular, quando eu não era nascido... quando entre dois noivos ainda havia a magia de um casamento, de que hoje sobrou alguma amizade e vários presentes que, por razões adversas, não tiveram a oportunidade de serem usados. A amizade está guardada no coração (ó que piegas!). Os presentes, no armário lá de cima. Aquele tal armário, sabe?
Até quando, não se sabe.
Curiosidade: Minha avó, casada em 1956, ainda guarda presentes de casamento nunca usados. Suponho que isso seja uma forma de fazê-los ganhar valor de mercado para serem vendidos a um antiquário. Vai entender.
quarta-feira, 20 de junho de 2007
SAMY DA BOLIVAR NÃO TEM A NAMORADA.
Pode parecer manchete de jornal, reportagem de capa de revista de fofocas ou até mesmo mensagem de telegrama em código, mas é essa a mensagem escrita num dos principais túneis da cidade.
Quem é Samy? O que é Samy? Com esse apelidinho nada masculino, fico na dúvida do sexo e também da opção sexual desse personagem (ave substantivo comum de dois gêneros!) infeliz que não tem a namorada. E o detalhe mora aí: ele não é um solteiro qualquer, que não tem namorada, ele simplesmente não tem a namorada. Na verdade, fico pensando se esse(a) tal é mesmo solteiro(a) ou se ele(a) é negligenciado(a) pela namorada, num namoro de mão única.
Para ser conhecido como Samy da Bolívar, creio que ele tenha alguma relevância nesse grupinho ou nesse lugar que se chama Bolívar. Vai ver é o chefe de uma trupe de pré-adolescentes que aterroriza parquinhos infantis ou que joga ovos na careca dos velhinhos. Pode ele estar na época de descobrir o amor, envolvendo-se naqueles casinhos infantis em que a menina ainda morre de vergonha de andar de mãos dadas ou de beijar o rapaz, daí parecer que eles nem namoram.
Mas volto à tal da namorada. Quem seria essa moça tão estimada capaz de esnobar o honrado Samy da Bolivar? Será que ela recebeu flores no Dia dos Namorados ou ganhou um presentinho de nosso amiguinho Samy? Será que Samy é tão romântico? Imagino Samy indo à floricultura todo animadinho, comprando umas flores a dedo, ensaiando um versinho e, ao declamá-lo e entregar o presente à namorada, ser tomado em deboche pela parte amada. Será que Samy lamenta a falta de reciprocidade da relação?
Eu sei lá. Só vi que no túnel tava escrito que ele não tem a namorada. Na verdade, acho, ou tenho certeza, de que Samy não tem bons amigos. Pensando bem, quem pegaria seu spray de grafite para espalhar pelas ruas da cidade um problema amoroso entre um casal de namorados? Talvez um mal-amado também desejoso do afeto da moça. Talvez alguém que queira se vingar do maquiavélico Samy, que já tramou ciladas para muita gente. Talvez um louco, o próprio Samy!, que adora referir-se a si próprio em terceira pessoa, num relato auto-biográfico.
Realmente não sei. Mas que está lá, está lá. E para quem quiser ler. Passando de ônibus rumo ao trabalho, voltando para casa, cruzando o bairro ou até mesmo espairecendo na urbanidade do túnel, todos tomam conhecimento de que Samy da Bolivar não tem a namorada. Anúncio profético, revelador, momento apoteótico da vida de qualquer um, capaz de mudar a rotina de muita gente.
Quem é Samy? O que é Samy? Com esse apelidinho nada masculino, fico na dúvida do sexo e também da opção sexual desse personagem (ave substantivo comum de dois gêneros!) infeliz que não tem a namorada. E o detalhe mora aí: ele não é um solteiro qualquer, que não tem namorada, ele simplesmente não tem a namorada. Na verdade, fico pensando se esse(a) tal é mesmo solteiro(a) ou se ele(a) é negligenciado(a) pela namorada, num namoro de mão única.
Para ser conhecido como Samy da Bolívar, creio que ele tenha alguma relevância nesse grupinho ou nesse lugar que se chama Bolívar. Vai ver é o chefe de uma trupe de pré-adolescentes que aterroriza parquinhos infantis ou que joga ovos na careca dos velhinhos. Pode ele estar na época de descobrir o amor, envolvendo-se naqueles casinhos infantis em que a menina ainda morre de vergonha de andar de mãos dadas ou de beijar o rapaz, daí parecer que eles nem namoram.
Mas volto à tal da namorada. Quem seria essa moça tão estimada capaz de esnobar o honrado Samy da Bolivar? Será que ela recebeu flores no Dia dos Namorados ou ganhou um presentinho de nosso amiguinho Samy? Será que Samy é tão romântico? Imagino Samy indo à floricultura todo animadinho, comprando umas flores a dedo, ensaiando um versinho e, ao declamá-lo e entregar o presente à namorada, ser tomado em deboche pela parte amada. Será que Samy lamenta a falta de reciprocidade da relação?
Eu sei lá. Só vi que no túnel tava escrito que ele não tem a namorada. Na verdade, acho, ou tenho certeza, de que Samy não tem bons amigos. Pensando bem, quem pegaria seu spray de grafite para espalhar pelas ruas da cidade um problema amoroso entre um casal de namorados? Talvez um mal-amado também desejoso do afeto da moça. Talvez alguém que queira se vingar do maquiavélico Samy, que já tramou ciladas para muita gente. Talvez um louco, o próprio Samy!, que adora referir-se a si próprio em terceira pessoa, num relato auto-biográfico.
Realmente não sei. Mas que está lá, está lá. E para quem quiser ler. Passando de ônibus rumo ao trabalho, voltando para casa, cruzando o bairro ou até mesmo espairecendo na urbanidade do túnel, todos tomam conhecimento de que Samy da Bolivar não tem a namorada. Anúncio profético, revelador, momento apoteótico da vida de qualquer um, capaz de mudar a rotina de muita gente.
sábado, 16 de junho de 2007
Bolo e guaraná... é o seu aniversário!
Não sei quando o So What's Beyond foi pensado, mas sei que ele veio ao mundo dia 16 de junho de 2006. Lembro que era uma daquelas sextas-feiras de tédio e que eu estava com muita vontade de escrever algo além daquelas dissertações escolares quinzenais de 25 linhas.
E assim foi feito."So What's Beyond?" nasceu com uma mensagem meio pretensiosa de apresentação, alguém querendo posar de enigmático. Até hoje não entendo porque batizei o blog com esse podre e também pretensioso nome em inglês. Se fosse hoje, não colocaria nada nessa língua, mas usaria um nome brazuca do melhor estilo.
Meus primeiros textos tinham como tema básico os relacionamentos e o comportamento humano, com enfoque em alguns sentimentos como a amizade (e as críticas a algumas hipocrisias - como eu gosto disso), o alívio, o sofrimento por antecedência, entre outros. Às vezes o SWB ficou um pouco auto-ajuda, como aconteceu com o texto do sucesso, fruto de muita reflexão e conversa prévias. Certo dia, resolvi expôr algum sarcasmo e acidez, num texto levemente humorístico sobre os clichês de orkut, que teve sua segunda edição há pouco tempo. Ambos posts receberam muitos comentários e elogios, bem como a outra sátira bem recente informações úteis.
Mas teve um dia em que eu sentei inspirado na cadeira do PC e escrevi, numa tacada só, um texto que eu considero um divisor de águas entre minhas publicações. Os que me conhecem, sabem que esse é um dos meus preferidos. Tá aí, "Como se sente uma pessoa depois de matar alguém?" a razão por que já me chamaram de mórbido, maluco e etc. Ok.
Outros relatos com comentários filosóficos e comportamentais também marcaram presença nesse um ano de blog, como é o caso do texto sobre o pombo que presencia a agonia de seu semelhante, e do meu queridíssimo "pisando em fezes", uma descrição quase-emocionante das reações de quem se apóia onde não deve.
Mas foi pelas crônicas que eu descobri grande vocação, a começar pelo hilário "mundo e os gordinhos" , que trazia a descrição de um fato que me aconteceu de verdade e algumas críticas (mal-feitas) a certos aspectos sociais vinculados à obesidade. As rapidinhas (I, II e III) também trouxeram historinhas engraçadas do cotidiano, além de outras notas mentais de fácil digestão, valendo destacar a rapidinha IV, que trouxe um desabafo sarcástico contra a calamitosa criminalidade. Noutro dia, quis escrever sobre uma observação socio-econômica que há muito já fazia, e saiu um panfleto de "reajustem a esmola". Outra mensagem de cunho social que destaco foi o relato quase-emocionado do trabalho duro de muita gente que não tem emprego, baseado num dia de perambulação pelo centro do Rio, onde várias coisas me tocaram. Destaco também a crônica do consultório médico, construída após muita observação in loco.
Superei-me na introspectividade com o texto sobre "a morte (alheia) - sic", que aborda essa tão discutida questão humana da ótica de quem fica , e também com a imperdível análise sobre as várias modalidades do ato de chorar . Mas um dos meus preferidos dessa linha é o ensaio sobre o ato de burlar, escrito num momento de certa inspiração.
Fiz também um texto enigmático num momento de raiva, em que eu me impunha certa censura, tamanha minha covardia para dizer com palavras ofensivas e diretas que eu achei certa coisa uma grande bosta. A senha para ler o tal texto poucos descobriram, e quem o fez viu que não havia crítica nenhuma ao carnaval, mas sim à carnavalização de certas coisas.
E um dia, depois de muitos textos num certo padrãozinho, acordei com vontade de fazer um texto maluco (para os meu padrões) . Eu tinha um rascunho sobre a preguiça humana, que sairia como mais um texto normal "conto que ilustra x. o que é x? exemplos de x", mas eu de repente mudei a história toda e botei Noé no meio, numa alucinação de ares apoteóticos, e assim saiu "a hora de abrir o guarda-chuva". E não expliquei nada, cada um entendeu uma coisa, foi uma barbaridade. A mesmíssima coisa aconteceu com o texto (prosa? poema?) que mostra a observação de várias pessoas interrompendo suas atividades para irem à janela verem se um carro se espatifou logo embaixo. Nada diferente na penúltima postagem, o conto que reputo como um dos mais interessantes, pela história e pela crítica: "E tudo termina em..." .
Chegamos aqui, à mensagem de um ano do SWB, após uma breve e pouco linear retrospectiva das águas que rolaram nesse período. Eu preciso agradecer a todos vocês que por um ano leram o blog, comentaram e participaram de alguma forma. Essa interatividade é muito gratificante, e vocês não fazem idéia de quanto eu fico feliz quando me contatam no MSN ou me param na escola para dizer "Pô, sabe aquele texto? Achei muito legal!".
Daqui a pouco vou ficar sem palavras.
Muito obrigado, meus caros.
Até o próximo ano... :-)
Felipe Drummond
16/6/2007
segunda-feira, 4 de junho de 2007
E TUDO TERMINA EM...
Era madrugada e não chovia. Chegou à delegacia um homem, fortinho, com seus 25 anos, acordou o funcionário de plantão e avisou rapidamente que estava indo para a sala do delegado, recebendo como resposta grunhidos indecifráveis. Rumou ao fim do corredor e, esmurrando a porta do Dr. Silveira, desatinou a falar para o também dorminhoco delegado, sem perceber que esse estava passeando nos recantos do inconsciente, numa Pasárgada onde os delegados podem dormir à vontade.
- Dr, eu matei uma pessoa.
- Mmmmm, aaaaahhh... só daqui a pouco, vai.
- É o senhor quem sabe.
Sentou-se na cadeira impaciente, enquanto o delegado ajeitou-se na poltrona, encostando sua cabeça no estofado, sem antes coçar seu sobressalente papo. Depois de ver o delegado roncar e até mesmo babar, o cidadão resolveu pronunciar.
- Delegado, eu matei uma pessoa. Vim aqui confessar, oras!
- Confessar o que... eu lá tenho cara de padre? - respondeu o agente da lei, tentando emergir ao estado de vigília.
- Doutor... você pode achar estranho, mas... eu matei o padre!
O delegado esboçou um franzir de sombrancelhas e repetiu, sílaba por sílaba, sem demonstrar qualquer exaltação digna da comoção esperada pelo assassinato do padre do bairro.
- Vo-cê-ma-tou-o-pa-dre?
- Matei. A pauladas.
O delegado levantou-se da cadeira, ajeitou o colete, respirou fundo e pronunciou-se a respeito.
- Ahn... bem... vamos fazer o boletim de ocorrência.
- Mas eu não vou ser preso? - perguntou o assassino com uma pontinha de esperança.
- Calma calma, vamos por partes.
O delegado sentou-se à máquina de escrever e começou a datilografar. "Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1971" Sonolento que estava, demorou a perceber que a máquina estava sem papel.
Abriu a primeira gaveta e tateou-a em vão. Abriu outra gaveta e nada.
Olhou para a máquina, a máquina olhou para ele. E nada. O delegado virou-se para o criminoso confesso e fitou-o com um olhar insípido, como se estivesse diante de um "ladrão" de amostra grátis de supermercados, aqueles que pegam várias vezes a amostra para não ter que comprar o produto. Abriu a boca, mas hesitou em falar. Respirou fundo e disse em ar solene.
- Olha, meu filho, estamos sem papel para fazer o BO. Se você puder voltar amanhã, em horário comercial, eu ficaria agradecido.
- Mas doutor...! - falou o assassino, estupefato com o que ouvira.
Talvez o delegado fosse inimigo do padre. Talvez fosse anti-eclesiástico. E talvez fosse o sono o responsável por tamanha indiligência. Ou talvez fosse a fome. Fato é que o delegado, sempre que acordava, tinha uma fome da pesada.
Abriu sua agenda de telefones e ligou para a pizzaria mais próxima. Nessa hora, o funcionário de plantão e seu estômago já estavam bastante despertos. Cordial como só, o delegado ofereceu antecipadamente o alimento ao subalterno e ao homicida.
- Vocês aceitam?
Não tardou e todos compartilharam do mesmo pão (com queijo, orégano e outras coisas em cima). E o vinho? Bem... se a igreja mais próxima, onde naquela exata hora putrefazia-se o corpo do padre, não fosse tão longe, era só ir lá buscar que a ceia estaria completa. Ninguém iria notar mesmo.
- Dr, eu matei uma pessoa.
- Mmmmm, aaaaahhh... só daqui a pouco, vai.
- É o senhor quem sabe.
Sentou-se na cadeira impaciente, enquanto o delegado ajeitou-se na poltrona, encostando sua cabeça no estofado, sem antes coçar seu sobressalente papo. Depois de ver o delegado roncar e até mesmo babar, o cidadão resolveu pronunciar.
- Delegado, eu matei uma pessoa. Vim aqui confessar, oras!
- Confessar o que... eu lá tenho cara de padre? - respondeu o agente da lei, tentando emergir ao estado de vigília.
- Doutor... você pode achar estranho, mas... eu matei o padre!
O delegado esboçou um franzir de sombrancelhas e repetiu, sílaba por sílaba, sem demonstrar qualquer exaltação digna da comoção esperada pelo assassinato do padre do bairro.
- Vo-cê-ma-tou-o-pa-dre?
- Matei. A pauladas.
O delegado levantou-se da cadeira, ajeitou o colete, respirou fundo e pronunciou-se a respeito.
- Ahn... bem... vamos fazer o boletim de ocorrência.
- Mas eu não vou ser preso? - perguntou o assassino com uma pontinha de esperança.
- Calma calma, vamos por partes.
O delegado sentou-se à máquina de escrever e começou a datilografar. "Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1971" Sonolento que estava, demorou a perceber que a máquina estava sem papel.
Abriu a primeira gaveta e tateou-a em vão. Abriu outra gaveta e nada.
Olhou para a máquina, a máquina olhou para ele. E nada. O delegado virou-se para o criminoso confesso e fitou-o com um olhar insípido, como se estivesse diante de um "ladrão" de amostra grátis de supermercados, aqueles que pegam várias vezes a amostra para não ter que comprar o produto. Abriu a boca, mas hesitou em falar. Respirou fundo e disse em ar solene.
- Olha, meu filho, estamos sem papel para fazer o BO. Se você puder voltar amanhã, em horário comercial, eu ficaria agradecido.
- Mas doutor...! - falou o assassino, estupefato com o que ouvira.
Talvez o delegado fosse inimigo do padre. Talvez fosse anti-eclesiástico. E talvez fosse o sono o responsável por tamanha indiligência. Ou talvez fosse a fome. Fato é que o delegado, sempre que acordava, tinha uma fome da pesada.
Abriu sua agenda de telefones e ligou para a pizzaria mais próxima. Nessa hora, o funcionário de plantão e seu estômago já estavam bastante despertos. Cordial como só, o delegado ofereceu antecipadamente o alimento ao subalterno e ao homicida.
- Vocês aceitam?
Não tardou e todos compartilharam do mesmo pão (com queijo, orégano e outras coisas em cima). E o vinho? Bem... se a igreja mais próxima, onde naquela exata hora putrefazia-se o corpo do padre, não fosse tão longe, era só ir lá buscar que a ceia estaria completa. Ninguém iria notar mesmo.
sexta-feira, 25 de maio de 2007
a janela que tudo ouve, mas nem tudo vê.
O carro seguia.
A dona de casa lavava a louça.
A criança dormia.
A idosa assistia à televisão.
O casal bebia.
O vestibulando estudava.
O carro freou.
A dona de casa deixou o prato cair.
A criança roncou.
A idosa mudou de canal.
O casal se serviu de vinho.
O vestibulando perdeu sua concentração.
O carro começou a cantar pneu.
A dona de casa fitou o prato em cacos.
A criança mudou de posição.
A idosa mudou de canal novamente.
O casal fez tim-tim.
O vestibulando bateu na mesa.
O carro bateu.
A dona de casa foi para a janela.
A criança acordou sobressaltada e foi para a janela.
A idosa pegou sua bengala e foi para a janela.
O casal levantou-se e foi para a janela.
O vestibulando pulou da cadeira e foi para a janela.
Olharam, olharam... nada.
A dona de casa foi recolher os cacos do prato.
A criança voltou à cama.
A idosa voltou para a poltrona, pois a novela já ia começar.
O casal pôs-se a bebericar.
O vestibulando tornou a estudar.
O carro, bem... devia estar na rua de trás.
A dona de casa lavava a louça.
A criança dormia.
A idosa assistia à televisão.
O casal bebia.
O vestibulando estudava.
O carro freou.
A dona de casa deixou o prato cair.
A criança roncou.
A idosa mudou de canal.
O casal se serviu de vinho.
O vestibulando perdeu sua concentração.
O carro começou a cantar pneu.
A dona de casa fitou o prato em cacos.
A criança mudou de posição.
A idosa mudou de canal novamente.
O casal fez tim-tim.
O vestibulando bateu na mesa.
O carro bateu.
A dona de casa foi para a janela.
A criança acordou sobressaltada e foi para a janela.
A idosa pegou sua bengala e foi para a janela.
O casal levantou-se e foi para a janela.
O vestibulando pulou da cadeira e foi para a janela.
Olharam, olharam... nada.
A dona de casa foi recolher os cacos do prato.
A criança voltou à cama.
A idosa voltou para a poltrona, pois a novela já ia começar.
O casal pôs-se a bebericar.
O vestibulando tornou a estudar.
O carro, bem... devia estar na rua de trás.
sexta-feira, 11 de maio de 2007
A HORA DE ABRIR O GUARDA-CHUVA
Estou andando pela rua e começa o leve ruido da chuva. Ela vem rala, inconstante, incapaz de alterar minha indiferença. As pessoas, porém, apertam o passo, pois não querem chegar molhadas. Algumas abrem o guarda-chuva, mas o meu está no fundo da mochila, lá atrás.
A chuva engrossa um pouco. Os óculos recebem alguns pingos por conta do vento que a faz cair oblíqua. Nada que atrapalhe significativamente a visão, mas que é capaz de trazer alguma irritação. A pele já está úmida, mas continuo a andar sob a chuva. Não vale a pena pegar o guarda-chuva, daqui a pouco ela deve parar.
Mas ela não desiste. Pingos mais grossos começam a cair e a camisa já parece um tanto molhada. O cheiro de chuva torna-se forte. Cheiro estranho, ora aprazível, ora repugnante. Algumas pessoas buscam se proteger como podem: colocam sacos plásticos na cabeça, andam curvados, entram numa marquise. Os mais precavidos abrem o guarda-chuva. Aliás... porque não abro o guarda-chuva?
Não vou parar pra decidir, dane-se. Vamos pernas, rápido. Não olha em volta, não olha em volta. Andar firme e decidido, andar firme e decidido. Marchando, marchando, correndo. Pára, chuva, porque eu não quero parar pra pegar o guarda-chuva! Pára!
[...]
Essa filha da mãe conseguiu me tirar da indiferença, mas afirmo com plena certeza que ela é totalmente indiferente a mim. Essa insensível, incapaz de ouvir os meus clamores... Vai refrescar o inferno e o diabo, vai!
Mas então ela me ouve. E aumenta. E aumenta. E aumenta. E tudo fica molhado. E a água sobe até minhas pernas, sobe até o meu peito. Está formado o dilúvio.
E vem Noé, com sua barba encharcada, suado e meio p*** da vida por estar trabalhando em condições insalubres. Ele me leva para sua arca.
Onde está o meu par belo e maravilhoso para continuarmos a espécie?
- Já tá aqui de favor, estou salvando você desse aguaça... não reclama! - responde o velho.
[...]
Puta merda, onde fui me meter?
Ai... meu guarda-chuva, querido guarda-chuva, onde você está?
Mas agora já é tarde...
A chuva engrossa um pouco. Os óculos recebem alguns pingos por conta do vento que a faz cair oblíqua. Nada que atrapalhe significativamente a visão, mas que é capaz de trazer alguma irritação. A pele já está úmida, mas continuo a andar sob a chuva. Não vale a pena pegar o guarda-chuva, daqui a pouco ela deve parar.
Mas ela não desiste. Pingos mais grossos começam a cair e a camisa já parece um tanto molhada. O cheiro de chuva torna-se forte. Cheiro estranho, ora aprazível, ora repugnante. Algumas pessoas buscam se proteger como podem: colocam sacos plásticos na cabeça, andam curvados, entram numa marquise. Os mais precavidos abrem o guarda-chuva. Aliás... porque não abro o guarda-chuva?
Não vou parar pra decidir, dane-se. Vamos pernas, rápido. Não olha em volta, não olha em volta. Andar firme e decidido, andar firme e decidido. Marchando, marchando, correndo. Pára, chuva, porque eu não quero parar pra pegar o guarda-chuva! Pára!
[...]
Essa filha da mãe conseguiu me tirar da indiferença, mas afirmo com plena certeza que ela é totalmente indiferente a mim. Essa insensível, incapaz de ouvir os meus clamores... Vai refrescar o inferno e o diabo, vai!
Mas então ela me ouve. E aumenta. E aumenta. E aumenta. E tudo fica molhado. E a água sobe até minhas pernas, sobe até o meu peito. Está formado o dilúvio.
E vem Noé, com sua barba encharcada, suado e meio p*** da vida por estar trabalhando em condições insalubres. Ele me leva para sua arca.
Onde está o meu par belo e maravilhoso para continuarmos a espécie?
- Já tá aqui de favor, estou salvando você desse aguaça... não reclama! - responde o velho.
[...]
Puta merda, onde fui me meter?
Ai... meu guarda-chuva, querido guarda-chuva, onde você está?
Mas agora já é tarde...
domingo, 29 de abril de 2007
RAPIDINHAS 4
ESPECIAL CRIMINALIDADE.
SINAL DOS TEMPOS
Vinha conversando com o taxista, quando surgiu o assunto criminalidade. Ele disse que já havia sido assaltado muitas vezes, mas que já havia bastante tempo desde o último assalto: dezembro de 2006.
ESSAS COISAS...
Assistia a TV, coisa que raramente faço, quando apareceu um repórter ao lado de alguns elementos com a face borrada. Em seguida, ele disse: "estão aqui os menores que foram apreendidos pela polícia". Ele não disse isto, mas eu concluí que as apreensões do dia juntaram-se às armas e drogas que serão destruídas em breve no Aterro do Flamengo. Bem que muitos gostariam.
EGOÍSMO SALUTAR
Roubaram de um amigo meu, além da paz e de algum dinheiro, o MP3. Abordaram-no de bicicleta em Ipanema e ele teve de entregar tudo, sob pena de levar um tiro. E ele entregou aquela caixinha musical recheada de preciosidades como Jethro Tull, Muse, Pink Floyd e outras maravilhas.
Eu não quero, de jeito algum, que aquele energúmeno se deleite nos mesmos sons que me fascinam. Não quero que ele fique exuberado com os solos fantásticos do Pink Floyd, nem com a flauta contagiante do Jethro Tull. Não quero! Imagina se ele vai em direção à próxima vítima assobiando Bourée, crássico do J.T.? Não dá, é quase como ver, ou melhor, ouvir o paraíso antes de chegar ao inferno.
PESADELO
Sonhei que estava andando por Copacabana com minha máquina fotográfica. Sabe-se lá por que, estava com ela na mão. Caminhava reto, quando me aproximei de um grupo de meliantes, tentando esconder a máquina. Fazia uma força incrível, mas não conseguia colocá-la em sua respectiva bolsinha. Eles viram a máquina e me lançaram um olhar diferente, algo como "olha o cara aí". Apertei o passo, mas eles vieram atrás, e depois ficaram me circulando em espiral, cada vez mais se aproximando de mim e aí não sei mais o que aconteceu. Foi mal, gente.
VONTADE
Gostaria de ter um rifle de longo alcance, com aqueles scopes potentes, para ficar o dia inteiro plantado em algum lugar, esperando a hora certa de estourar a cabeça de algum pilantra que aterroriza essa cidade. E já tem dois anos que não jogo Counter-Strike!
REGIME SEMI-ABERTO
Eu e meus amigos vivemos em regime semi-aberto. Habitamos o complexo penitenciário Zona Sul, cada um em pavilhão (Copacabana, Ipanema, Leblon, ...) e respondemos ao artigo I do Código Quemal Brasileiro: possuir mais dinheiro que o necessário para fazer um lanche. No entanto, temos a grande regalia de poder sair para estudar durante a semana, sempre sujeito a algum tipo de coerção das forças superiores, como furtos, ameaças, seqüestros-relâmpago, entre outros. Mas é preciso voltar para a cadeia antes das 10, sob pena desses processos coercivos se acentuarem, chegando a custar a nossa vida. No fim-de-semana, temos o banho de sol, o banho de chuva (eita tempo maluco!) e as visitas íntimas. Mas o horário para voltar ao cárcere permanece. Estamos presos sem condenação formal e não sabemos qual será nossa pena. Tem alguns que acabam levando pena de morte ao acaso (convencionaram chamar de bala perdida), mas enquanto isso ou outra coisa não acontece, parece que estamos sob prisão perpétua.
(Ouvindo: Banda - Musica)
SINAL DOS TEMPOS
Vinha conversando com o taxista, quando surgiu o assunto criminalidade. Ele disse que já havia sido assaltado muitas vezes, mas que já havia bastante tempo desde o último assalto: dezembro de 2006.
ESSAS COISAS...
Assistia a TV, coisa que raramente faço, quando apareceu um repórter ao lado de alguns elementos com a face borrada. Em seguida, ele disse: "estão aqui os menores que foram apreendidos pela polícia". Ele não disse isto, mas eu concluí que as apreensões do dia juntaram-se às armas e drogas que serão destruídas em breve no Aterro do Flamengo. Bem que muitos gostariam.
EGOÍSMO SALUTAR
Roubaram de um amigo meu, além da paz e de algum dinheiro, o MP3. Abordaram-no de bicicleta em Ipanema e ele teve de entregar tudo, sob pena de levar um tiro. E ele entregou aquela caixinha musical recheada de preciosidades como Jethro Tull, Muse, Pink Floyd e outras maravilhas.
Eu não quero, de jeito algum, que aquele energúmeno se deleite nos mesmos sons que me fascinam. Não quero que ele fique exuberado com os solos fantásticos do Pink Floyd, nem com a flauta contagiante do Jethro Tull. Não quero! Imagina se ele vai em direção à próxima vítima assobiando Bourée, crássico do J.T.? Não dá, é quase como ver, ou melhor, ouvir o paraíso antes de chegar ao inferno.
PESADELO
Sonhei que estava andando por Copacabana com minha máquina fotográfica. Sabe-se lá por que, estava com ela na mão. Caminhava reto, quando me aproximei de um grupo de meliantes, tentando esconder a máquina. Fazia uma força incrível, mas não conseguia colocá-la em sua respectiva bolsinha. Eles viram a máquina e me lançaram um olhar diferente, algo como "olha o cara aí". Apertei o passo, mas eles vieram atrás, e depois ficaram me circulando em espiral, cada vez mais se aproximando de mim e aí não sei mais o que aconteceu. Foi mal, gente.
VONTADE
Gostaria de ter um rifle de longo alcance, com aqueles scopes potentes, para ficar o dia inteiro plantado em algum lugar, esperando a hora certa de estourar a cabeça de algum pilantra que aterroriza essa cidade. E já tem dois anos que não jogo Counter-Strike!
REGIME SEMI-ABERTO
Eu e meus amigos vivemos em regime semi-aberto. Habitamos o complexo penitenciário Zona Sul, cada um em pavilhão (Copacabana, Ipanema, Leblon, ...) e respondemos ao artigo I do Código Quemal Brasileiro: possuir mais dinheiro que o necessário para fazer um lanche. No entanto, temos a grande regalia de poder sair para estudar durante a semana, sempre sujeito a algum tipo de coerção das forças superiores, como furtos, ameaças, seqüestros-relâmpago, entre outros. Mas é preciso voltar para a cadeia antes das 10, sob pena desses processos coercivos se acentuarem, chegando a custar a nossa vida. No fim-de-semana, temos o banho de sol, o banho de chuva (eita tempo maluco!) e as visitas íntimas. Mas o horário para voltar ao cárcere permanece. Estamos presos sem condenação formal e não sabemos qual será nossa pena. Tem alguns que acabam levando pena de morte ao acaso (convencionaram chamar de bala perdida), mas enquanto isso ou outra coisa não acontece, parece que estamos sob prisão perpétua.
(Ouvindo: Banda - Musica)
quinta-feira, 12 de abril de 2007
NO CONSULTÓRIO (particular)
Em geral, tudo começa com uma dor. De cabeça, de estômago, na articulação, de cotovelo,... não importa. Detectada a irregularidade, é hora de averiguá-la e tratá-la. Ansiedade pelo diagnóstico, preguiça de ter que fazer algum tratamento, medo de tomar injeção ou de ter que operar, ... especular não adianta, é preciso ir ao médico.
I. A ESCOLHA
Por indicação de conhecidos, unidunitê no livro de credenciados do plano de saúde ou método diferente, escolhe-se o médico com quem será feita a consulta, a ser marcada por telefone.
- Consultório do Dr. Epaminondas Silva, bom dia. - atende a secretária, com voz cansada quase-simpática.
- Bom dia, eu gostaria de marcar uma consulta...
[...]
- Só tem quarta-feira, às 3:00.
- Tudo bem.
- Então está marcado, senhora. O endereço é Rua Bla bla, 123, sala 321.
- Obrigado e confirmado.
II. A PROCURA
Papel à mão com o endereço anotado, busca-se o prédio do consultório. Acompanhante? Sempre, afinal, diante da possibilidade de não ter boas surpresas durante a consulta, é bom levar um ombro amigo para dar apoio moral.
Acha-se o prédio, que é grande, com várias salas. Elevadores? Em geral dois, que andam sempre lotados. Só em um há ascensorista, responsável por ouvir os andares e apertar os botões respectivos, sem esboçar qualquer reação facial.
Chegando-se ao andar, é hora de procurar o consultório. Olha-se de porta em porta, verificando a plaquinha. Médicos, dentistas, advogados, psicoterapeutas, portas sem plaquinhas (aí podemos imaginar mil coisas... serviço de acompanhantes? contrabandistas?), olha ali o Dr. Epaminondas!
Diante da porta, respira-se (suspira-se?) fundo. Após captar coragem, dedo em riste rumo à campainha.
III. PRELIMINARES
A eternidade entre o "dlin-dlon" e o girar da maçaneta pelo outro lado é considerável, tempo capaz de se pensar em mil coisas, na vida e no futuro que pode selar aquele médico em cujo consultório se entra.
A secretária, cuja aparência física fantasiava-se através da voz, dá o ar da graça com um "boa tarde", ou, se estiver ocupada ao telefone, o que não é raro, limita-se a sorrir.
Na sala de espera, outras pessoas: moças com crianças pequenas, senhoras arrumadas e senhores engravatados, com pasta no colo e olhar cansado. Em geral, folheiam alguma revista de amenidades, como Caras ou Veja.
Basta entrar no recinto para que todos se voltem à nova presença,. Em seguida, os olhares retornam ao desencontro típico de sala de espera. Quem está acompanhado, fala aos sussuros. Quem está com criança, divide o tempo entre controlar o pequeno e tentar ler alguma coisa. Quem tem a pasta, pigarreia. Na verdade, todos podem e costumam pigarrear, basta que estejam um pouco nervosos e/ou tenham algum problema de garganta.
Em certa hora, alguém acaba puxando algum assunto, algo como aquelas conversas vãs de elevado que versam sobre o tempo, sobre o último eliminado do Big Brother, sobre o babado da semana, ou sobre a revolta com a situação social do país (discussão regada a muitas frases feitas, é claro).
Mas tudo é interrompido pelo barulho da porta da sala o médico e a saída de um paciente. Logo em seguida, a secretária chama outra pessoa que estava na sala de espera. Essa se levanta em meio ao silêncio recém-instaurado, e dirige-se à famigerada sala. As conversas voltam, as leituras voltam e a paciência começa a se esgotar, o que não acontece completamente, afinal...
Um tempinho depois, a pessoa que entrara sai. Poucos segundos passam e seu nome é chamado pela secretária. Chamada estranha, não assimilada rapidamente, afinal, não é uma chamada de escola para verificar presença, nem uma chamada de ganhador do sorteio. É a chamada para entrar na sala do médico, pô!
III. A HORA H
O traseiro é retirado da cadeira cinematograficamente e, já de pé, o andar é firme e obstinado. Da cadeira à porta da sala do médico, metros transformam-se em milhas. Os ouvidos parecem captar a Marcha Imperial do Star Wars, dando àquele reles trajeto ares de desfile cívico.
Pensando com seus botões, talvez nem valha a pena fazer todo esse drama só porque a doença pode estar perto, sendo um fino couvert para a morte.Vai que o médico fala que está tudo bem e que a dor é só impressão? Mas... e se o médico for incompetente e não souber diagnosticar direito o problema? E se a doença for desconhecida no mundo médico? E se os remédios forem caros demais? Pois é... tudo isso pode acontecer, como pode não acontecer. A ansiedade é grande, mas você está ali, pertinho de saber o que aparentemente virá.
Finalmente, entra-se no consultório. A varredura visual é instantânea e tão cedo se acha, em meio a porta-retratos, livros, plantas, móveis e bugigangas diversas (em geral, presentes de pacientes como vidros, cinzeiros, portas-lápis e etc) um ser trajando jaleco de um branco impecável abotoado sobre camisa social, de humor minimamente simpático, de feições esperançosas, de grafia cursiva incompreensível (que se projeta invariavelmente sobre canetas de mais de 20 reais - eles não usam BIC) e, claro, de uma praticidade à toda prova.
O resto, sinceramente, é plenamente variável. Como eles mesmos gostam de dizer, cada caso é um caso. E o seu caso, não vem ao caso agora. Mas para o texto não ficar perdido, ao acaso, vamos supor que você só precisa tomar um remedinho que se compra na farmácia ao lado, e tudo se resolverá. E, claro, tem que voltar no mês seguinte.
IV. RELAX! (nem sempre)
Despedidas cordiais, votos de boa-sorte. A sala do médico é deixada pra trás e mais alguém da espera é chamado. A secretária gentil se volta para você e lhe pede a carteirinha do plano de saúde. Não tem plano? Pagamento à vista ou no cartão, sem problemas.
Efetuado o pagamento, volta-se à porta. E da porta, vai-se ao elevador. Do elevador ao térreo. Do térreo a farmácia. Da farmácia para casa.
Felizmente, o diagnóstico foi reconfortante: nada de grave.
Poderia não ter sido assim. Quem sabe aquela saída o guiasse ao hospital mais próximo com uma cirurgia de emergência? Quem sabe aquela saída o levasse à Igreja para pedir pela saúde? Quem sabe aquela saída o levasse ao show do My Chemical Romance, patrocinado pela Softy Kid's, fabricante de lenços de papel?
Cruzes! Deus me livre e guarde! Daqui a pouco isso vira caso de psiquiatria...
(espero, um dia, fazer a intratextualidade de escrever a mesma crônica sob a ótica de um usuário do SUS, mas infelizmente não tenho - e não pretendo ter na pele - essa vivência)
I. A ESCOLHA
Por indicação de conhecidos, unidunitê no livro de credenciados do plano de saúde ou método diferente, escolhe-se o médico com quem será feita a consulta, a ser marcada por telefone.
- Consultório do Dr. Epaminondas Silva, bom dia. - atende a secretária, com voz cansada quase-simpática.
- Bom dia, eu gostaria de marcar uma consulta...
[...]
- Só tem quarta-feira, às 3:00.
- Tudo bem.
- Então está marcado, senhora. O endereço é Rua Bla bla, 123, sala 321.
- Obrigado e confirmado.
II. A PROCURA
Papel à mão com o endereço anotado, busca-se o prédio do consultório. Acompanhante? Sempre, afinal, diante da possibilidade de não ter boas surpresas durante a consulta, é bom levar um ombro amigo para dar apoio moral.
Acha-se o prédio, que é grande, com várias salas. Elevadores? Em geral dois, que andam sempre lotados. Só em um há ascensorista, responsável por ouvir os andares e apertar os botões respectivos, sem esboçar qualquer reação facial.
Chegando-se ao andar, é hora de procurar o consultório. Olha-se de porta em porta, verificando a plaquinha. Médicos, dentistas, advogados, psicoterapeutas, portas sem plaquinhas (aí podemos imaginar mil coisas... serviço de acompanhantes? contrabandistas?), olha ali o Dr. Epaminondas!
Diante da porta, respira-se (suspira-se?) fundo. Após captar coragem, dedo em riste rumo à campainha.
III. PRELIMINARES
A eternidade entre o "dlin-dlon" e o girar da maçaneta pelo outro lado é considerável, tempo capaz de se pensar em mil coisas, na vida e no futuro que pode selar aquele médico em cujo consultório se entra.
A secretária, cuja aparência física fantasiava-se através da voz, dá o ar da graça com um "boa tarde", ou, se estiver ocupada ao telefone, o que não é raro, limita-se a sorrir.
Na sala de espera, outras pessoas: moças com crianças pequenas, senhoras arrumadas e senhores engravatados, com pasta no colo e olhar cansado. Em geral, folheiam alguma revista de amenidades, como Caras ou Veja.
Basta entrar no recinto para que todos se voltem à nova presença,. Em seguida, os olhares retornam ao desencontro típico de sala de espera. Quem está acompanhado, fala aos sussuros. Quem está com criança, divide o tempo entre controlar o pequeno e tentar ler alguma coisa. Quem tem a pasta, pigarreia. Na verdade, todos podem e costumam pigarrear, basta que estejam um pouco nervosos e/ou tenham algum problema de garganta.
Em certa hora, alguém acaba puxando algum assunto, algo como aquelas conversas vãs de elevado que versam sobre o tempo, sobre o último eliminado do Big Brother, sobre o babado da semana, ou sobre a revolta com a situação social do país (discussão regada a muitas frases feitas, é claro).
Mas tudo é interrompido pelo barulho da porta da sala o médico e a saída de um paciente. Logo em seguida, a secretária chama outra pessoa que estava na sala de espera. Essa se levanta em meio ao silêncio recém-instaurado, e dirige-se à famigerada sala. As conversas voltam, as leituras voltam e a paciência começa a se esgotar, o que não acontece completamente, afinal...
Um tempinho depois, a pessoa que entrara sai. Poucos segundos passam e seu nome é chamado pela secretária. Chamada estranha, não assimilada rapidamente, afinal, não é uma chamada de escola para verificar presença, nem uma chamada de ganhador do sorteio. É a chamada para entrar na sala do médico, pô!
III. A HORA H
O traseiro é retirado da cadeira cinematograficamente e, já de pé, o andar é firme e obstinado. Da cadeira à porta da sala do médico, metros transformam-se em milhas. Os ouvidos parecem captar a Marcha Imperial do Star Wars, dando àquele reles trajeto ares de desfile cívico.
Pensando com seus botões, talvez nem valha a pena fazer todo esse drama só porque a doença pode estar perto, sendo um fino couvert para a morte.Vai que o médico fala que está tudo bem e que a dor é só impressão? Mas... e se o médico for incompetente e não souber diagnosticar direito o problema? E se a doença for desconhecida no mundo médico? E se os remédios forem caros demais? Pois é... tudo isso pode acontecer, como pode não acontecer. A ansiedade é grande, mas você está ali, pertinho de saber o que aparentemente virá.
Finalmente, entra-se no consultório. A varredura visual é instantânea e tão cedo se acha, em meio a porta-retratos, livros, plantas, móveis e bugigangas diversas (em geral, presentes de pacientes como vidros, cinzeiros, portas-lápis e etc) um ser trajando jaleco de um branco impecável abotoado sobre camisa social, de humor minimamente simpático, de feições esperançosas, de grafia cursiva incompreensível (que se projeta invariavelmente sobre canetas de mais de 20 reais - eles não usam BIC) e, claro, de uma praticidade à toda prova.
O resto, sinceramente, é plenamente variável. Como eles mesmos gostam de dizer, cada caso é um caso. E o seu caso, não vem ao caso agora. Mas para o texto não ficar perdido, ao acaso, vamos supor que você só precisa tomar um remedinho que se compra na farmácia ao lado, e tudo se resolverá. E, claro, tem que voltar no mês seguinte.
IV. RELAX! (nem sempre)
Despedidas cordiais, votos de boa-sorte. A sala do médico é deixada pra trás e mais alguém da espera é chamado. A secretária gentil se volta para você e lhe pede a carteirinha do plano de saúde. Não tem plano? Pagamento à vista ou no cartão, sem problemas.
Efetuado o pagamento, volta-se à porta. E da porta, vai-se ao elevador. Do elevador ao térreo. Do térreo a farmácia. Da farmácia para casa.
Felizmente, o diagnóstico foi reconfortante: nada de grave.
Poderia não ter sido assim. Quem sabe aquela saída o guiasse ao hospital mais próximo com uma cirurgia de emergência? Quem sabe aquela saída o levasse à Igreja para pedir pela saúde? Quem sabe aquela saída o levasse ao show do My Chemical Romance, patrocinado pela Softy Kid's, fabricante de lenços de papel?
Cruzes! Deus me livre e guarde! Daqui a pouco isso vira caso de psiquiatria...
(espero, um dia, fazer a intratextualidade de escrever a mesma crônica sob a ótica de um usuário do SUS, mas infelizmente não tenho - e não pretendo ter na pele - essa vivência)
domingo, 8 de abril de 2007
PRISÃO DE CÉREBRO.
Há três textos que quero concluir. Tenho todas as idéias e estruturas mentalizadas, num bolo cerebral, mas não consigo expurgá-las de maneira satisfatória ou não entediante. Elas tão quase saindo, quase lá.
Só hoje, já tentei quatro vezes produzir alguma coisa, esta é a quinta. Nem sei qual dos três continuo a escrever. Se abro um, prefiro o outro, e assim sucessivamente. Agora criei um quarto texto, que talvez não passe de um rascunho. Essa meta-texto está mais para uma mera enrolação para encher linguiça e não deixar a semana passar em branco no SWB. Vale realmente a pena postar toda essa baboseira?
__
Estou no quarto dia de não conseguir escrever nada. Mas hoje não adianta reclamar, terei que escrever, de bom grado ou não, a redação de trinta linhas para a escola. Redação essa que já vem em uma forma, pronta, intocável, onde se coloca, apenas, um fluido de idéias de maneira sucinta , mas persuasiva. Quem disse que é bom persuadir assim? Por que não posso criar um texto aberto, que se limite a conduzir o leitor à reflexão, não ao convencimento?
E os três textos que estão na marca do pênalti continuam lá. Faço deles meu "goal", mas se continuar nesse ritmo, vejo que eles em breve serão chutados para escanteio.
___
Essa páscoa foi, em termos de escrita, improdutiva. Bem, acho que preciso comer mais chocolate, ou qualquer outra coisa que solte.
domingo, 1 de abril de 2007
Quando olho para frente.
Quando olho pra frente, sinceramente não sei
Não sei se virá, não sei se não virá.
Não sei se vou até lá, ou se fico por acá.
Não sei se corro ou se choro,
Não sei se respiro e revigoro.
Não sei se lá é claro ou escuro,
Não sei se para seguir estou maduro.
Não sei se lá há amor ou ternura,
nem se vale a pena essa procura.
Sei que nada sabem sobre
aqueles que tentam prever.
Se é só a Ele que cabe determinar,
quem sou eu para tentar advinhar?
Olhar para frente pode trazer um desvio,
que não ajuda, mas traz fastio.
Esse amanhã só me traz interrogação...
Bah! Melhor viver, com pé no chão.
Não sei se virá, não sei se não virá.
Não sei se vou até lá, ou se fico por acá.
Não sei se corro ou se choro,
Não sei se respiro e revigoro.
Não sei se lá é claro ou escuro,
Não sei se para seguir estou maduro.
Não sei se lá há amor ou ternura,
nem se vale a pena essa procura.
Sei que nada sabem sobre
aqueles que tentam prever.
Se é só a Ele que cabe determinar,
quem sou eu para tentar advinhar?
Olhar para frente pode trazer um desvio,
que não ajuda, mas traz fastio.
Esse amanhã só me traz interrogação...
Bah! Melhor viver, com pé no chão.
(e ** na mão, é claro)
domingo, 18 de março de 2007
INFORMAÇÕES ÚTEIS
[impróprio para menores de 18 anos - estou usando carteirinha falsa para escrever]
"Noite Caliente: Siri compra enxoval erótico para primeira noite com Alemão." captado pela visão no TV FAMA.
Se ele recusar a moça, cujo nome já sugere uma solitaria, poderá deleitar-se com as estampas da roupa de cama. Cada um na sua, é claro.
"Família tenta viver um ano sem papel higiênico." (Terra)
Aposto que assinaram algum jornal. Dingo-bel, dingo-bel.
"Glória Maria deixa seios a mostra ao usar vestido transparente." (Terra)
Não, obrigado.
"Com filha presa, Claudete Troiano deixa de fazer programa." (Terra)
Conseguiram ser mais maliciosos que eu. Bom, até onde eu saiba, ela é apresentadora de TV, não praticante da profissão mais antiga do mundo.
"Luma de Oliveira está com namorado novo." (Terra)
Ok, anotado.
"BBB: Bruna diz que já comeu fezes." (Terra)
Estavam eles brincando de "eu já"?
"Sasha já é pré-adolescente" - Revista Caras, há uns meses atrás.
Agora que Dona Hipófise já deu seu alô, as próximas serão "Sasha já usa sutien" e "Sasha já usa absorvente".
"Antonio Carlos Magalhães tem alta" - Caras
Já que teve alta, porque não subiu de vez?
"A Adriana Bom Bom come 20 claras de ovos por dia, ela malha, exercita-se... 20 claras, a Adriana Bom Bom..." - captado pela audição, domingo de manhã.
Sem comentários.
"Ana Maria Braga não quer presentes de casamento" - O Fuxico
É que, como vocês sabem, geralmente presentes de casamento são chiques, o que não combina com ela.
"Passarinhos urbanos cantam rap, diz estudo" - Terra
Ah se todo rap fosse de passarinho...
"'Eu devia ter lavado as mãos' diz Analy sobre Fani" - Terra
Mas é claro! Antes e depois, aliás!
Como bem diz um querido professor meu, estou (ou tento ser) cáustico.
Foto minha, montagem minha - Flickr
"Noite Caliente: Siri compra enxoval erótico para primeira noite com Alemão." captado pela visão no TV FAMA.
Se ele recusar a moça, cujo nome já sugere uma solitaria, poderá deleitar-se com as estampas da roupa de cama. Cada um na sua, é claro.
"Família tenta viver um ano sem papel higiênico." (Terra)
Aposto que assinaram algum jornal. Dingo-bel, dingo-bel.
"Glória Maria deixa seios a mostra ao usar vestido transparente." (Terra)
Não, obrigado.
"Com filha presa, Claudete Troiano deixa de fazer programa." (Terra)
Conseguiram ser mais maliciosos que eu. Bom, até onde eu saiba, ela é apresentadora de TV, não praticante da profissão mais antiga do mundo.
"Luma de Oliveira está com namorado novo." (Terra)
Ok, anotado.
"BBB: Bruna diz que já comeu fezes." (Terra)
Estavam eles brincando de "eu já"?
"Sasha já é pré-adolescente" - Revista Caras, há uns meses atrás.
Agora que Dona Hipófise já deu seu alô, as próximas serão "Sasha já usa sutien" e "Sasha já usa absorvente".
"Antonio Carlos Magalhães tem alta" - Caras
Já que teve alta, porque não subiu de vez?
"A Adriana Bom Bom come 20 claras de ovos por dia, ela malha, exercita-se... 20 claras, a Adriana Bom Bom..." - captado pela audição, domingo de manhã.
Sem comentários.
"Ana Maria Braga não quer presentes de casamento" - O Fuxico
É que, como vocês sabem, geralmente presentes de casamento são chiques, o que não combina com ela.
"Passarinhos urbanos cantam rap, diz estudo" - Terra
Ah se todo rap fosse de passarinho...
"'Eu devia ter lavado as mãos' diz Analy sobre Fani" - Terra
Mas é claro! Antes e depois, aliás!
Como bem diz um querido professor meu, estou (ou tento ser) cáustico.
Foto minha, montagem minha - Flickr
Aos prantos.
Começamos a vida chorando. Pais e familiares vibram com o nosso primeiro choro, afinal, é a primeira demonstração de saúde que damos. Na vida de recém-nascido, o choro é a nossa única maneira de expressarmos, ainda que de forma imprecisa, as sensações que nos importunam.
Da linguagem do choro até as primeiras palavras, ainda há muito chorinho a ser dado, principalmente naquela hora em que deixamos de ser os rapaizinhos e mocinhas de 3, 4 ou 5 anos que querem que sejamos e pedimos a mamadeira, a chupeta ou o denguinho na hora de dormir. É o choro de birra, por fome ou por sono.
Temos os nossos primeiros contatos sociais logo que entramos para a escolinha e, até que nos adaptemos satisfatoriamente ao novo ambiente, ainda há muito a se chorar. É o choro pelo qual se chama mamãe.
No entanto, tão logo estejamos integrados aos coleguinhas de pré-escola, chorar é um ato que traz humilhação, sendo alvo da primeira manifestação de escárnio possível, quase um embrião do "bullying": Seu bebê chorão!
A partir da adolescência, chorar ganha várias interpretações, por quem chora e por quem presencia o momento. O choro de desabafo caracteriza-se por poder servir como maravilhosa via de catarse, ou seja, uma forma de liberar tensões ou emoções reprimidas, a ser usada em horas escolhidas pelo usuário, tal qual um calmante. No entanto, é para muitos uma demonstração de instabilidade emocional e, em vez de se dizer "que bebê chorão", sugere-se que a pessoa vá ao analista.
O choro de desespero normalmente associa-se a gritos e a situações de estresse que aparecem inesperadamente e de maneira aguda. Uma mãe que vê seu filho sendo levado por seqüestradores (para não falar do caso recente do João Hélio) ou alguém que recebe uma trágica e arrebatadora notícia não se acanhará em gritar e espernear, como se pedisse ajuda, piedade ou coisa que o valha.
Não se esqueça o choro seco, por dentro. Aquele que quer sair, mas não consegue. Na verdade, traduz-se numa ânsia de choro, e acompanha tristeza, poucas palavras e feições serenas, expoentes de um desencanto com algo da vida ou com ela própria. Depressivo e negativamente contagiante.
Há também o choro social. Discreto, controlado e apresentável, mas nem por isso menos verdadeiro. São lágrimas que escorrem com discrição, óculos escuros em dias de chuva, lenços à mão, além da voz baixa e nefasta. Comum em enterros e missas de sétimo dia.
E como não falar, é claro, do choro de alegria? Um choro reconfortante, que alivia e enaltece, em geral conseqüência de uma boa notícia. Às vezes, confunde-se com o choro pós-susto.
No entanto, nem sempre chorar é uma atitude sincera. Para muitos indivíduos, o choro com lágrimas de crocodilo é um dos mais eficazes e apelativos métodos de exercer chantagem e manipulação.
Chorar também pode ser algo profissional. Acredite ou não, há mulheres que trabalham como carpideiras, pessoas contratadas para chorarem em velórios e enterros. Ah, claro, como poderia me esquecer da dramaturgia, cujos praticantes são especialistas em forjar choros dos mais naturais possíveis?
Nem todos sentem-se à vontade para chorar. O sexo masculino, principalmente, é socialmente impedido de tal ação, devido à conotação negativa que essa atitude ganhou, sendo habitualmente relacionada a desvios sexuais e fraquezas de espírito.
Chorar está relacionado de forma intrínseca ao ser humano. Alguns o fazem em maior quantidade, outros menos, outros não fazem. Alguns por motivos banais, outros por motivos razoáveis e outros por razões menores, bem menores.
De maneira geral, o choro é mais uma forma de exposição, às vezes liberação, do que sentimos, muitas vezes procurando ajuda no outro. Entretanto, nem sempre esse outro recebe de maneira aberta e solidária o clamor emitido. Não por acaso, há o ditado popular sobre cuja temática já escrevi anteriormente: "pimenta nos olhos dos outros é refresco". Se pudesse, trocaria a forma verbal "é" por "ocasionalmente pode ser". Afinal, se não fosse a solidariedade, que, embora hoje deturpada, é base e princípio da sociedade, o que seria de nós? Não sei, talvez fôssemos mais chorões do que já somos, apenas por não podermos contar uns com os outros.
Da linguagem do choro até as primeiras palavras, ainda há muito chorinho a ser dado, principalmente naquela hora em que deixamos de ser os rapaizinhos e mocinhas de 3, 4 ou 5 anos que querem que sejamos e pedimos a mamadeira, a chupeta ou o denguinho na hora de dormir. É o choro de birra, por fome ou por sono.
Temos os nossos primeiros contatos sociais logo que entramos para a escolinha e, até que nos adaptemos satisfatoriamente ao novo ambiente, ainda há muito a se chorar. É o choro pelo qual se chama mamãe.
No entanto, tão logo estejamos integrados aos coleguinhas de pré-escola, chorar é um ato que traz humilhação, sendo alvo da primeira manifestação de escárnio possível, quase um embrião do "bullying": Seu bebê chorão!
A partir da adolescência, chorar ganha várias interpretações, por quem chora e por quem presencia o momento. O choro de desabafo caracteriza-se por poder servir como maravilhosa via de catarse, ou seja, uma forma de liberar tensões ou emoções reprimidas, a ser usada em horas escolhidas pelo usuário, tal qual um calmante. No entanto, é para muitos uma demonstração de instabilidade emocional e, em vez de se dizer "que bebê chorão", sugere-se que a pessoa vá ao analista.
O choro de desespero normalmente associa-se a gritos e a situações de estresse que aparecem inesperadamente e de maneira aguda. Uma mãe que vê seu filho sendo levado por seqüestradores (para não falar do caso recente do João Hélio) ou alguém que recebe uma trágica e arrebatadora notícia não se acanhará em gritar e espernear, como se pedisse ajuda, piedade ou coisa que o valha.
Não se esqueça o choro seco, por dentro. Aquele que quer sair, mas não consegue. Na verdade, traduz-se numa ânsia de choro, e acompanha tristeza, poucas palavras e feições serenas, expoentes de um desencanto com algo da vida ou com ela própria. Depressivo e negativamente contagiante.
Há também o choro social. Discreto, controlado e apresentável, mas nem por isso menos verdadeiro. São lágrimas que escorrem com discrição, óculos escuros em dias de chuva, lenços à mão, além da voz baixa e nefasta. Comum em enterros e missas de sétimo dia.
E como não falar, é claro, do choro de alegria? Um choro reconfortante, que alivia e enaltece, em geral conseqüência de uma boa notícia. Às vezes, confunde-se com o choro pós-susto.
No entanto, nem sempre chorar é uma atitude sincera. Para muitos indivíduos, o choro com lágrimas de crocodilo é um dos mais eficazes e apelativos métodos de exercer chantagem e manipulação.
Chorar também pode ser algo profissional. Acredite ou não, há mulheres que trabalham como carpideiras, pessoas contratadas para chorarem em velórios e enterros. Ah, claro, como poderia me esquecer da dramaturgia, cujos praticantes são especialistas em forjar choros dos mais naturais possíveis?
Nem todos sentem-se à vontade para chorar. O sexo masculino, principalmente, é socialmente impedido de tal ação, devido à conotação negativa que essa atitude ganhou, sendo habitualmente relacionada a desvios sexuais e fraquezas de espírito.
Chorar está relacionado de forma intrínseca ao ser humano. Alguns o fazem em maior quantidade, outros menos, outros não fazem. Alguns por motivos banais, outros por motivos razoáveis e outros por razões menores, bem menores.
De maneira geral, o choro é mais uma forma de exposição, às vezes liberação, do que sentimos, muitas vezes procurando ajuda no outro. Entretanto, nem sempre esse outro recebe de maneira aberta e solidária o clamor emitido. Não por acaso, há o ditado popular sobre cuja temática já escrevi anteriormente: "pimenta nos olhos dos outros é refresco". Se pudesse, trocaria a forma verbal "é" por "ocasionalmente pode ser". Afinal, se não fosse a solidariedade, que, embora hoje deturpada, é base e princípio da sociedade, o que seria de nós? Não sei, talvez fôssemos mais chorões do que já somos, apenas por não podermos contar uns com os outros.
sexta-feira, 16 de março de 2007
METALINGUAGEM
"Quando escrevo, tento ficar igual ao ar que é colocado para dentro dos pulmões. Inspirado."
F E L I P E D R U M M O N D
(em momento de fecunda criatividade)
F E L I P E D R U M M O N D
(em momento de fecunda criatividade)
terça-feira, 13 de março de 2007
O QUE VALE É A INTENÇÃO?
Gostaria de trazer à reflexão o seguinte assunto: até que ponto pensar em fazer algo se compara a de fato fazê-lo?
Exemplificando: desejar trair é tão grave quanto trair? Desejar matar é tão grave quanto matar? Desejar ajudar é tão louvável quanto ajudar?
Devolvo as perguntas transformando em interrogação um discurso comum no contexto de aniversariantes que deparam-se com presentes mixos: O que vale é a intenção?
Dar a mesma resposta a cada uma das inúmeras situações em que essa pergunta é cabível seria uma generalização incrivelmente tola, portanto, trarei alguns casos à discussão, a começar pelo primeiro exemplo.
I. O PRESENTE INDESEJADO
Pr-s (pre-scriptum): pergunto-me se com 5 anos, a criança já faria esse questionamento... será?
O aniversário de cinco anos traz consigo o deslumbramento de completar uma mão inteira na contagem das "primaveras", assim como a sensação de grandeza, imponência, afinal, são cinco anos! Festa de aniversário, bolo, guaraná, muitos doces para você. E, claro, como não poderia faltar, presentes. Depois daquela farra toda de correr, pular, brincar, cantar, comer e receber os cumprimentos de todos, chega a hora de abrir os tão esperados presentes, tão sonhados desde o último aniversário. A ordem de abertura é sempre a mesma. Primeiramente, abrem-se os embrulhos grandes, que aparentam ter caixas dentro e que, quando sacudidos, fazem barulhinho de plástico batendo por dentro. Geralmente, esses embrulhos costumam ter brinquedos dos bons. Em seguida, é a vez dos embrulhos menores, mas que ainda aparentam ter caixas e fazem o famigerado barulhinho. Esses tem brinquedos do tipo cacareco, exceto se for Lego. Por último, vêm os embrulhos moles, macios, que geralmente contêm os presentes que nenhuma criança quer receber: roupas. A decepção é instantânea e arrasadora com esse tipo de presente, que geralmente, é dado por pessoas de certa idade, como tias-avós e avós.
Se a criança ainda tem sua sinceridade aflorada, é natural que ela se manifeste claramente sua decepção com o presente que ganhara. Nessa hora, pode vir um pai, uma mãe, ou um irmão mais velho consolar o pequeno decepcionado. Após um breve e ineficaz discurso sobre o valor das roupas, sua utilidade prática e a beleza do presente ganho, é possível que se chame o recurso de dizer que o que vale é a intenção, a fim de que a criança não fique chateada com aquela tia-avó que deu o presente
É razoável? Sim, afinal, a dileta senhora teve o carinho de comprar alguma lembrancinha e, provavelmente, jamais passou por sua cabeça o desejo de desapontar o pequeno. Na verdade, ela apenas foi infeliz em comprar a lembrança , talvez porque na sua época roupas eram presentes que crianças gostavam, evidenciando aí a diferença de gerações, ou porque escolher uma roupinha que fique engraçadinha é mais fácil do que optar por um brinquedo dentre muitos numa loja infantil de grande variedade. Numa próxima vez, ela acerta!
II. DE BOAS INTENÇÕES, O INFERNO ESTÁ CHEIO
Com lugar cativo no hall das frases feitas, essa sentença resume o comportamento de muitas pessoas que, por mais que desejem fazer boas ações, acabam desvirtuando-se da intenção original por várias razões. Há os preguiçosos, para os quais tudo só funciona da boca pra fora e que, quando se vêem diante de pôr em prática tudo o que preconizam, preferem ficar sentados na cadeira, só coordenando. Há também os covardes, que na hora H amarelam, inibidos por n outros motivos. Para esses, meu pesar: de que adianta ter uma boa intenção se ela não é honrada?
Não podemos nos esquecer, porém, dos desajeitados e azarados, que tentam, tentam mas não conseguem chegar aonde precisam e aí fracassam. Seria injusto não levar em conta a perseverança e a atitude da pessoa e, para esse caso, acho que é válido aceitar sua boa intenção e dar-lhe uma outra chance para o acerto.
III. PUNE-SE A TENTATIVA?
Depende. Analisando pela lei, vemos que a tentativa não é punida quando o crime não se consuma por ineficácia absoluta do meio ou impropriedade do objeto, isto é, quando não há maneiras disponíveis no momento de se praticar o crime. É como tentar matar alguém a petelecos. É diferente, portanto, de alguém que atira em outro a fim de matar, mas o tiro pega na perna e a vítima sobrevive.
Considero que a mente criminosa não é ocasional ou aleatória. Às vezes, desejar matar alguém acontece em momentos de raiva, insatisfação e etc, mas controlamo-nos suficientemente para que isso passe sem maiores resquícios. No entanto, isso pode persistir a ponto de gerar agressividade, hostilidade e outros "ades" que perto de armas - brancas ou de fogo - criam um meio de alta eficácia e aí não será punida a tentativa, mas sim o crime consumado. É bom não esquecer que as ações práticas sempre começam em pensamentos.
Ando meio frustrado com a baixa participação de meus queridos leitores, que nas últimas mensagens não me presentearam com seus comentários. O que tem acontecido?
PS: A título de curiosidade, informo que esse texto foi elaborado ao longo de quatro meses. Intenção persistente a minha, não?
(Ouvindo: Deep Purple - Strange Kind Of Woman
Radiohead - Paranoid Android)
Exemplificando: desejar trair é tão grave quanto trair? Desejar matar é tão grave quanto matar? Desejar ajudar é tão louvável quanto ajudar?
Devolvo as perguntas transformando em interrogação um discurso comum no contexto de aniversariantes que deparam-se com presentes mixos: O que vale é a intenção?
Dar a mesma resposta a cada uma das inúmeras situações em que essa pergunta é cabível seria uma generalização incrivelmente tola, portanto, trarei alguns casos à discussão, a começar pelo primeiro exemplo.
I. O PRESENTE INDESEJADO
Pr-s (pre-scriptum): pergunto-me se com 5 anos, a criança já faria esse questionamento... será?
O aniversário de cinco anos traz consigo o deslumbramento de completar uma mão inteira na contagem das "primaveras", assim como a sensação de grandeza, imponência, afinal, são cinco anos! Festa de aniversário, bolo, guaraná, muitos doces para você. E, claro, como não poderia faltar, presentes. Depois daquela farra toda de correr, pular, brincar, cantar, comer e receber os cumprimentos de todos, chega a hora de abrir os tão esperados presentes, tão sonhados desde o último aniversário. A ordem de abertura é sempre a mesma. Primeiramente, abrem-se os embrulhos grandes, que aparentam ter caixas dentro e que, quando sacudidos, fazem barulhinho de plástico batendo por dentro. Geralmente, esses embrulhos costumam ter brinquedos dos bons. Em seguida, é a vez dos embrulhos menores, mas que ainda aparentam ter caixas e fazem o famigerado barulhinho. Esses tem brinquedos do tipo cacareco, exceto se for Lego. Por último, vêm os embrulhos moles, macios, que geralmente contêm os presentes que nenhuma criança quer receber: roupas. A decepção é instantânea e arrasadora com esse tipo de presente, que geralmente, é dado por pessoas de certa idade, como tias-avós e avós.
Se a criança ainda tem sua sinceridade aflorada, é natural que ela se manifeste claramente sua decepção com o presente que ganhara. Nessa hora, pode vir um pai, uma mãe, ou um irmão mais velho consolar o pequeno decepcionado. Após um breve e ineficaz discurso sobre o valor das roupas, sua utilidade prática e a beleza do presente ganho, é possível que se chame o recurso de dizer que o que vale é a intenção, a fim de que a criança não fique chateada com aquela tia-avó que deu o presente
É razoável? Sim, afinal, a dileta senhora teve o carinho de comprar alguma lembrancinha e, provavelmente, jamais passou por sua cabeça o desejo de desapontar o pequeno. Na verdade, ela apenas foi infeliz em comprar a lembrança , talvez porque na sua época roupas eram presentes que crianças gostavam, evidenciando aí a diferença de gerações, ou porque escolher uma roupinha que fique engraçadinha é mais fácil do que optar por um brinquedo dentre muitos numa loja infantil de grande variedade. Numa próxima vez, ela acerta!
II. DE BOAS INTENÇÕES, O INFERNO ESTÁ CHEIO
Com lugar cativo no hall das frases feitas, essa sentença resume o comportamento de muitas pessoas que, por mais que desejem fazer boas ações, acabam desvirtuando-se da intenção original por várias razões. Há os preguiçosos, para os quais tudo só funciona da boca pra fora e que, quando se vêem diante de pôr em prática tudo o que preconizam, preferem ficar sentados na cadeira, só coordenando. Há também os covardes, que na hora H amarelam, inibidos por n outros motivos. Para esses, meu pesar: de que adianta ter uma boa intenção se ela não é honrada?
Não podemos nos esquecer, porém, dos desajeitados e azarados, que tentam, tentam mas não conseguem chegar aonde precisam e aí fracassam. Seria injusto não levar em conta a perseverança e a atitude da pessoa e, para esse caso, acho que é válido aceitar sua boa intenção e dar-lhe uma outra chance para o acerto.
III. PUNE-SE A TENTATIVA?
Depende. Analisando pela lei, vemos que a tentativa não é punida quando o crime não se consuma por ineficácia absoluta do meio ou impropriedade do objeto, isto é, quando não há maneiras disponíveis no momento de se praticar o crime. É como tentar matar alguém a petelecos. É diferente, portanto, de alguém que atira em outro a fim de matar, mas o tiro pega na perna e a vítima sobrevive.
Considero que a mente criminosa não é ocasional ou aleatória. Às vezes, desejar matar alguém acontece em momentos de raiva, insatisfação e etc, mas controlamo-nos suficientemente para que isso passe sem maiores resquícios. No entanto, isso pode persistir a ponto de gerar agressividade, hostilidade e outros "ades" que perto de armas - brancas ou de fogo - criam um meio de alta eficácia e aí não será punida a tentativa, mas sim o crime consumado. É bom não esquecer que as ações práticas sempre começam em pensamentos.
Ando meio frustrado com a baixa participação de meus queridos leitores, que nas últimas mensagens não me presentearam com seus comentários. O que tem acontecido?
PS: A título de curiosidade, informo que esse texto foi elaborado ao longo de quatro meses. Intenção persistente a minha, não?
(Ouvindo: Deep Purple - Strange Kind Of Woman
Radiohead - Paranoid Android)
terça-feira, 6 de março de 2007
CHUTANDO A "PEDRA NO MEIO DO CAMINHO".
ANALISANDO O ATO DE BURLAR, EM VÁRIAS SITUAÇÕES
A regra geral válida para todos que passem por aqui é ler esse texto. Pode ser por consideração à minha pessoa ou ao meu texto, por extrema falta do que fazer, por gosto pela leitura, enfim, espera-se que você leia. Mas você pode burlar essa regra e simplesmente ir fazer outra coisa. Que tal? Tome sua decisão.
Obrigado por chegar até aqui. Você não burlou a regra, essa em específico, mas de fato já burlou muitas outras. Algumas delas eram burras, sem razão de ser, regra pela regra, ao passo que outras não. Em algumas vezes você o fez de maneira consciente, em outras não. O fato é que burlar determinações dos mais variados tipos é algo presente constantemente na vida das pessoas. Os brasileiros até rebatizaram o infringimento de "jeitinho brasileiro", o que para muitos, acredite, é motivo de orgulho, algo como poder de superação e sabedoria de vida.
Burlamos diariamente uma série de leis, embora em geral nos esforcemos cada vez mais para não fazê-lo. Atravessamos a rua fora da faixa e ficamos conversando com a porta do elevador aberta, às vezes sem nos darmos conta. Baixamos da internet músicas, filmes e livros sem pagar um direito autoral sequer, e ainda usamos programas de computador burlados, ou, em linguagem específica, crackeados. Subornamos policiais e outros funcionários públicos e os deixamos serem subornados.
Burlamos também os princípios não formalizados da cidadania, aquela que exige muitas vezes desprendimento, solidariedade e sentimentos humanos que se pautam pelo altruísmo. Subimos ou descemos do ônibus quando ele está fora do ponto, fazemos vista grossa para não ceder lugar a idosos e necessitados, furamos filas imensas por conta de nossa pressa, paramos o carro no meio da rua para ir comprar alguma coisa rapidinho, só porque presumimos essa rapidez. Somos vencidos pela preguiça ou pela desatenção, e, na praia, deixamos o lixinho na areia, em vez de coletá-los e depositá-los no lugar apropriado.
Burlamos, com ajuda química ou não, nosso superego. Ou os entorpecentes químicos o burlam para nós? Enfim, não importa. Não raro emergem das entranhas do nosso pensamento para a nossa consciência muitas lembranças, sensações e atitudes das mais inesperadas, e muitas vezes das mais inapropriadas para o momento, também. Libertamo-nos dos grilhões de nossas próprias mentes quando pensamos diferente, isto é, tentamos ver por uma ótica a que não estamos acostumados, o que dá trabalho.
Burlamos por pressão social, quando outros esperam de nós certas posturas ou nos compelem a fazermos algo para que sejamos os "laranjas", os "testas-de-ferro" no caso de o problema eclodir. Outras vezes, fazem-nos vanguardistas em certas atitudes, para que demos pioneiramente nossa cara a tapa e, caso o tapa aconteça, venha na nossa cara, não na deles. Quase cobaias de laboratório.
Burlamos por descaso social em relação à regra. "Já que todos fazem, por que não posso fazer também"? Simplesmente porque a unanimidade não reflete necessariamente a melhor forma de se proceder e, também, porque o travesseiro tem hábitos noturnos e espera os que têm boa índole. Basta que esses se deitem para que em suas cabeças se desenvolva um turbilhão de pensamentos movidos pelo arrependimento e pela infelicidade, pelas dúvidas do "e se...?" Sofrimento que não muitas pessoas conseguem sofrer, justamente aquelas que lutam para que isso não aconteça.
Burlamos ditames sociais burramente estabelecidos e essas tantas e tantas burlas fizeram com que evoluíssemos. O homem cresceu da transgressão, não da acomodação, e muitas vezes violou leis para que isso acontecesse. Em geral, é claro, ignoraram-se as regras ilegítimas, que, afinal, mais cedo ou mais tarde viriam a cair, visto que legislações que burlam a vontade da população não se sustentam por muito tempo.
O que não podemos burlar é normalmente aquilo que nos atordoa. Não sabemos superar a morte e assim tornamo-la misteriosa, cheia de mitos, histórias e subjetividade. Tentamos (ou não) acreditar que ela possa ser superada, e a isso muitas pessoas dedicam seu tempo e sanidade mental.
Também não burlamos conscientemente a nós mesmos e, nesse ponto, volto à história do travesseiro. Conseguir enganar a si próprio com plena noção de estar fazendo isso é impossível, sendo quase como criar uma realidade paralela em que simultaneamente sabemos e não sabemos quem somos e o que fazemos.
Burlar exige coragem e, acima de tudo, bom senso. Não digo que burlar seja sempre aceitável, mas as regras em geral não são perfeitas e cumpri-las por simples obrigação pode ter conseqüências mais danosas do que não cumpri-las. É necessário também atentar para o infringimento à liberdade alheia, o que, se acontecer, pode deslegitimar qualquer transgressão.
Ressalte-se aí que a única solução eficaz para problemas que advêm de leis e regras em geral não é burlar, medida paliativa por excelência, mas sim alterar essas normas de maneira a adequá-las às mais diversas situações. E ainda assim, burlar pode vir a ser necessário.
PS. Piadinha sem graça: por que seria paradoxal se um dos maiores paisagistas brasileiros defendesse o comunismo?
A regra geral válida para todos que passem por aqui é ler esse texto. Pode ser por consideração à minha pessoa ou ao meu texto, por extrema falta do que fazer, por gosto pela leitura, enfim, espera-se que você leia. Mas você pode burlar essa regra e simplesmente ir fazer outra coisa. Que tal? Tome sua decisão.
Obrigado por chegar até aqui. Você não burlou a regra, essa em específico, mas de fato já burlou muitas outras. Algumas delas eram burras, sem razão de ser, regra pela regra, ao passo que outras não. Em algumas vezes você o fez de maneira consciente, em outras não. O fato é que burlar determinações dos mais variados tipos é algo presente constantemente na vida das pessoas. Os brasileiros até rebatizaram o infringimento de "jeitinho brasileiro", o que para muitos, acredite, é motivo de orgulho, algo como poder de superação e sabedoria de vida.
Burlamos diariamente uma série de leis, embora em geral nos esforcemos cada vez mais para não fazê-lo. Atravessamos a rua fora da faixa e ficamos conversando com a porta do elevador aberta, às vezes sem nos darmos conta. Baixamos da internet músicas, filmes e livros sem pagar um direito autoral sequer, e ainda usamos programas de computador burlados, ou, em linguagem específica, crackeados. Subornamos policiais e outros funcionários públicos e os deixamos serem subornados.
Burlamos também os princípios não formalizados da cidadania, aquela que exige muitas vezes desprendimento, solidariedade e sentimentos humanos que se pautam pelo altruísmo. Subimos ou descemos do ônibus quando ele está fora do ponto, fazemos vista grossa para não ceder lugar a idosos e necessitados, furamos filas imensas por conta de nossa pressa, paramos o carro no meio da rua para ir comprar alguma coisa rapidinho, só porque presumimos essa rapidez. Somos vencidos pela preguiça ou pela desatenção, e, na praia, deixamos o lixinho na areia, em vez de coletá-los e depositá-los no lugar apropriado.
Burlamos, com ajuda química ou não, nosso superego. Ou os entorpecentes químicos o burlam para nós? Enfim, não importa. Não raro emergem das entranhas do nosso pensamento para a nossa consciência muitas lembranças, sensações e atitudes das mais inesperadas, e muitas vezes das mais inapropriadas para o momento, também. Libertamo-nos dos grilhões de nossas próprias mentes quando pensamos diferente, isto é, tentamos ver por uma ótica a que não estamos acostumados, o que dá trabalho.
Burlamos por pressão social, quando outros esperam de nós certas posturas ou nos compelem a fazermos algo para que sejamos os "laranjas", os "testas-de-ferro" no caso de o problema eclodir. Outras vezes, fazem-nos vanguardistas em certas atitudes, para que demos pioneiramente nossa cara a tapa e, caso o tapa aconteça, venha na nossa cara, não na deles. Quase cobaias de laboratório.
Burlamos por descaso social em relação à regra. "Já que todos fazem, por que não posso fazer também"? Simplesmente porque a unanimidade não reflete necessariamente a melhor forma de se proceder e, também, porque o travesseiro tem hábitos noturnos e espera os que têm boa índole. Basta que esses se deitem para que em suas cabeças se desenvolva um turbilhão de pensamentos movidos pelo arrependimento e pela infelicidade, pelas dúvidas do "e se...?" Sofrimento que não muitas pessoas conseguem sofrer, justamente aquelas que lutam para que isso não aconteça.
Burlamos ditames sociais burramente estabelecidos e essas tantas e tantas burlas fizeram com que evoluíssemos. O homem cresceu da transgressão, não da acomodação, e muitas vezes violou leis para que isso acontecesse. Em geral, é claro, ignoraram-se as regras ilegítimas, que, afinal, mais cedo ou mais tarde viriam a cair, visto que legislações que burlam a vontade da população não se sustentam por muito tempo.
O que não podemos burlar é normalmente aquilo que nos atordoa. Não sabemos superar a morte e assim tornamo-la misteriosa, cheia de mitos, histórias e subjetividade. Tentamos (ou não) acreditar que ela possa ser superada, e a isso muitas pessoas dedicam seu tempo e sanidade mental.
Também não burlamos conscientemente a nós mesmos e, nesse ponto, volto à história do travesseiro. Conseguir enganar a si próprio com plena noção de estar fazendo isso é impossível, sendo quase como criar uma realidade paralela em que simultaneamente sabemos e não sabemos quem somos e o que fazemos.
Burlar exige coragem e, acima de tudo, bom senso. Não digo que burlar seja sempre aceitável, mas as regras em geral não são perfeitas e cumpri-las por simples obrigação pode ter conseqüências mais danosas do que não cumpri-las. É necessário também atentar para o infringimento à liberdade alheia, o que, se acontecer, pode deslegitimar qualquer transgressão.
Ressalte-se aí que a única solução eficaz para problemas que advêm de leis e regras em geral não é burlar, medida paliativa por excelência, mas sim alterar essas normas de maneira a adequá-las às mais diversas situações. E ainda assim, burlar pode vir a ser necessário.
PS. Piadinha sem graça: por que seria paradoxal se um dos maiores paisagistas brasileiros defendesse o comunismo?
quinta-feira, 1 de março de 2007
brainstorms #1
Nada como não ter nada para fazer, quando se tem algo pra fazer.
pensamento - inovação - fugir do próprio clichê - lembrança - idéia - lâmpada acesa - criar - transgredir - superar - obra-prima - eternizar-se
gotas - respingos - trovoadas - céu desabando - chuva - são pedro em necessidades fisiológicas n. 1 - guarda-chuva - pisar na poça - deslizamentos - inundação - leptospirose - ficar em casa - ver TV
unhas - pele - marcas - desconforto - agonia - necessidade extremada - coceira - fricção prolongada - alívio
fumacinha - forno - fogão - frigideira - prato - alta temperatura - luvas - mesa - garfo - fome (gula?) - faca - ansiedade - garfo 2 - comida - boca - quente - queimar a língua - gritar - urrar - beber - reclamar - voltar a comer - saciar - preguicinha - sesta
(Ouvindo: Pink Floyd - Us And Them)
pensamento - inovação - fugir do próprio clichê - lembrança - idéia - lâmpada acesa - criar - transgredir - superar - obra-prima - eternizar-se
gotas - respingos - trovoadas - céu desabando - chuva - são pedro em necessidades fisiológicas n. 1 - guarda-chuva - pisar na poça - deslizamentos - inundação - leptospirose - ficar em casa - ver TV
unhas - pele - marcas - desconforto - agonia - necessidade extremada - coceira - fricção prolongada - alívio
fumacinha - forno - fogão - frigideira - prato - alta temperatura - luvas - mesa - garfo - fome (gula?) - faca - ansiedade - garfo 2 - comida - boca - quente - queimar a língua - gritar - urrar - beber - reclamar - voltar a comer - saciar - preguicinha - sesta
(Ouvindo: Pink Floyd - Us And Them)
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007
RAPIDINHAS 3
PAZ: OBJETIVO OU SOLUÇÃO?
Passeatas pela paz ou contra a violência geralmente me trazem uma dúvida existencial. A paz é um objetivo ou uma solução? Sinceramente, por mais que Gandhi tenha dito que "não existe caminho para a paz, a paz é o caminho", tenho que discordar do sábio mestre, pois não acredito que, ao menos em termos macro-sociais, isso funcione. É preciso estabelecer rumos concretos para que se consiga a paz tais como políticas de educação que diminuam a criminalidade ou, nos casos em que o problema já se consumou, policiamento ostensivo. Será que pedir paz é como ficar apenas gritando "aprovação, aprovação, aprovação!" em ano de vestibular?
ONDE ENFIARAM AQUELAS PULSEIRAS?
Não, certamente não foi naquele lugar. Ainda assim, me pergunto onde foram parar todas aquelas pulseiras de várias cores, ressaltando-se as amarelas, que, por entre 2005 e 2006, constituíram uma das maiores e mais efêmeras modinhas já vistas na história?
Para cada causa, uma pulseira. Bem, esse foi o título de uma matéria da época sobre o tema. Lembro que havia as pulseiras com as cores de times de futebol, as que eram contra o racismo e outras formas de preconceito e, claro, a principal e pioneira pulseirinha: a que encabeçava a luta contra o câncer, mais conhecida como LIVESTRONG. Essa sem dúvida foi a mais vendida e a mais clonada no mercado negro, e provinha de um projeto do ciclista Lance Armstrong, vitorioso na batalha contra essa trágica doença. Ganhei uma de presente de uma saudosa grande amiga e usei-a até o dia em que vi uma igual no pulso de um infeliz que fumava soberbamente. Em outras palavras, um tremendo paga-pau, tal qual outros que usavam a pulseira só para aparecer. Bem, onde foram parar aquelas pulseiras? Aliás... onde está a minha?
SALADA DE ESTILOS (ou mais uma fantasia, apenas?)
Transitava por Cabo Frio, região litorânea do RJ, em plena segunda-feira de carnaval quando me deparei com uma cena no mínimo estranha. Um homem de uns 50 anos, com aqueles bigodes grandes, usava um chapéu de cowboy imenso e trajava uma camisa - acredite -da banda de symphonic power metal com temas medievais e mitológicos Rhapsody Of Fire. Seria uma fantasia de carnaval? Ou só mais um preconceito de minha parte?
Terminei as 3 rapidinhas com perguntas. Que estranho.
Passeatas pela paz ou contra a violência geralmente me trazem uma dúvida existencial. A paz é um objetivo ou uma solução? Sinceramente, por mais que Gandhi tenha dito que "não existe caminho para a paz, a paz é o caminho", tenho que discordar do sábio mestre, pois não acredito que, ao menos em termos macro-sociais, isso funcione. É preciso estabelecer rumos concretos para que se consiga a paz tais como políticas de educação que diminuam a criminalidade ou, nos casos em que o problema já se consumou, policiamento ostensivo. Será que pedir paz é como ficar apenas gritando "aprovação, aprovação, aprovação!" em ano de vestibular?
ONDE ENFIARAM AQUELAS PULSEIRAS?
Não, certamente não foi naquele lugar. Ainda assim, me pergunto onde foram parar todas aquelas pulseiras de várias cores, ressaltando-se as amarelas, que, por entre 2005 e 2006, constituíram uma das maiores e mais efêmeras modinhas já vistas na história?
Para cada causa, uma pulseira. Bem, esse foi o título de uma matéria da época sobre o tema. Lembro que havia as pulseiras com as cores de times de futebol, as que eram contra o racismo e outras formas de preconceito e, claro, a principal e pioneira pulseirinha: a que encabeçava a luta contra o câncer, mais conhecida como LIVESTRONG. Essa sem dúvida foi a mais vendida e a mais clonada no mercado negro, e provinha de um projeto do ciclista Lance Armstrong, vitorioso na batalha contra essa trágica doença. Ganhei uma de presente de uma saudosa grande amiga e usei-a até o dia em que vi uma igual no pulso de um infeliz que fumava soberbamente. Em outras palavras, um tremendo paga-pau, tal qual outros que usavam a pulseira só para aparecer. Bem, onde foram parar aquelas pulseiras? Aliás... onde está a minha?
SALADA DE ESTILOS (ou mais uma fantasia, apenas?)
Transitava por Cabo Frio, região litorânea do RJ, em plena segunda-feira de carnaval quando me deparei com uma cena no mínimo estranha. Um homem de uns 50 anos, com aqueles bigodes grandes, usava um chapéu de cowboy imenso e trajava uma camisa - acredite -da banda de symphonic power metal com temas medievais e mitológicos Rhapsody Of Fire. Seria uma fantasia de carnaval? Ou só mais um preconceito de minha parte?
Terminei as 3 rapidinhas com perguntas. Que estranho.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007
O novo bloco de carnaval.
Pois é, o carnaval no país é cercado por suas peculiaridades. Por mais paradoxal que às vezes possa parecer, qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, serve de motivo para euforia e confraternização. Uns se fantasiam, outros se pintam, mas todos trazem a indumentária adequada à época, nem que seja no espírito.
Relevam-se as dificuldades e as tristezas para que se viva um momento de esquecimento, uma fuga de uma às vezes triste realidade que só se modifica com trabalho árduo e meios eficazes.
Ovacionam as multidões o carnaval, afinal, é ele que faz com que as pessoas não tenham trabalho ou aula. Adiam ainda mais o começo do ano útil no país.
Trânsito caótico é marca registrada das comemorações carnavalescas, que congestionam o fluxo de veículos devido ao grande número de indivíduos na maior desordem possível. Atrapalha-se a vida de quem não quer participar, num ato de significativo desrespeito à liberdade alheia.
Em bailes de clubes e salões, o panorama de carnaval é um pouco diferente, exceto pela presença das mães-corujas, que não se cansam de fotografar seus filhos - pequenos ou não - em atos carnavalescos: farra e gritaria. Ops, esqueci de dizer que elas também gostam de ver as fantasias usadas.
Super interessantes, aliás, são essas fantasias. O nome é esse mesmo, fan-ta-si-a, isto é, não tem compromisso com o real, com a verdade. É falso, e como tal deve ser tratado.
Tanta gente unida por algum propósito. Acho que é só se divertir. Tudo bem, nada melhor a ser feito nos tempos de folia. Há gente que prefere pegar a condução e ir pra casa descansar, e há quem gosta de assistir da janela ou da sombra, sem se expôr ao calor de quase outono.
Ora ora, como tudo na vida, o carnaval não é unanimidade.
Bestificados com a manifestação ficam os que estão alheios a ela, em especial gringos e outros transeuntes, que acenam positivamente para a algazarra que se cria. Talvez nem entendam o que se passa.
Acenam para as câmeras e agentes da mídia os foliões, que querem ali registrar sua presença e mostrar um pouco do show de alegria que fazem. Nos seus 15 minutos de fama, distribuem sorrisos e gestos, disputando espaço no enquadramento fotográfico.
Blocos novos surgem a cada carnaval, carregados por seus foliões, que gostam de entoar coros com as mais diversas músicas em uníssono. Até mesmo as canções mais tristes e melancólicas são cantadas em tom de alegria (ou de indiferença?), como se de nada prestasse a tristeza que motivou o poeta ao fazer artístico. Não dão ao momento o tom que ele pede.
Às vezes, esses blocos desfilam sem bandeiras e, assim, sem porta-bandeira. Não têm o que levar à frente, não têm razão de ser e, assim, muitas vezes acabam por ali mesmo definhar, como uma forma inflada que, sem conteúdo, murcha. Ainda que isso não aconteça, a Quarta-feira de cinzas está ali, disposta a sufocar a euforia e retomar a rotina de ações e de idéias.
Carnaval é assim. Para uns, momento de folia. Para outros, o choro da despedida da carne (alheia?).
Assim é o carnaval. Teatral. Uns riem, outros choram. Mas todos na mesma festa.
(não, eu não estou maluco)
Relevam-se as dificuldades e as tristezas para que se viva um momento de esquecimento, uma fuga de uma às vezes triste realidade que só se modifica com trabalho árduo e meios eficazes.
Ovacionam as multidões o carnaval, afinal, é ele que faz com que as pessoas não tenham trabalho ou aula. Adiam ainda mais o começo do ano útil no país.
Trânsito caótico é marca registrada das comemorações carnavalescas, que congestionam o fluxo de veículos devido ao grande número de indivíduos na maior desordem possível. Atrapalha-se a vida de quem não quer participar, num ato de significativo desrespeito à liberdade alheia.
Em bailes de clubes e salões, o panorama de carnaval é um pouco diferente, exceto pela presença das mães-corujas, que não se cansam de fotografar seus filhos - pequenos ou não - em atos carnavalescos: farra e gritaria. Ops, esqueci de dizer que elas também gostam de ver as fantasias usadas.
Super interessantes, aliás, são essas fantasias. O nome é esse mesmo, fan-ta-si-a, isto é, não tem compromisso com o real, com a verdade. É falso, e como tal deve ser tratado.
Tanta gente unida por algum propósito. Acho que é só se divertir. Tudo bem, nada melhor a ser feito nos tempos de folia. Há gente que prefere pegar a condução e ir pra casa descansar, e há quem gosta de assistir da janela ou da sombra, sem se expôr ao calor de quase outono.
Ora ora, como tudo na vida, o carnaval não é unanimidade.
Bestificados com a manifestação ficam os que estão alheios a ela, em especial gringos e outros transeuntes, que acenam positivamente para a algazarra que se cria. Talvez nem entendam o que se passa.
Acenam para as câmeras e agentes da mídia os foliões, que querem ali registrar sua presença e mostrar um pouco do show de alegria que fazem. Nos seus 15 minutos de fama, distribuem sorrisos e gestos, disputando espaço no enquadramento fotográfico.
Blocos novos surgem a cada carnaval, carregados por seus foliões, que gostam de entoar coros com as mais diversas músicas em uníssono. Até mesmo as canções mais tristes e melancólicas são cantadas em tom de alegria (ou de indiferença?), como se de nada prestasse a tristeza que motivou o poeta ao fazer artístico. Não dão ao momento o tom que ele pede.
Às vezes, esses blocos desfilam sem bandeiras e, assim, sem porta-bandeira. Não têm o que levar à frente, não têm razão de ser e, assim, muitas vezes acabam por ali mesmo definhar, como uma forma inflada que, sem conteúdo, murcha. Ainda que isso não aconteça, a Quarta-feira de cinzas está ali, disposta a sufocar a euforia e retomar a rotina de ações e de idéias.
Carnaval é assim. Para uns, momento de folia. Para outros, o choro da despedida da carne (alheia?).
Assim é o carnaval. Teatral. Uns riem, outros choram. Mas todos na mesma festa.
(não, eu não estou maluco)
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