A graça dos extremos é o cinza. Porque o preto é o preto, o branco é o branco. E o cinza é só uma indeterminação entre pólos determinados: nunca se é um, nunca se é outro. Na verdade, se é um pouco de um, um pouco do outro... no fim, um pouco de si mesmo. Equilibradamente desequilibrado.
O cinza é o resultado de uma balança com ponteiros trêmulos. Engana-se e se traveste pela luz que nele incide. Nebuloso é percebê-lo. Ora é tão escuro que é preto, ora é tão claro que é branco. Nunca se revela por inteiro e deixa nos olhos uma dúvida sutil: faltou ver algo, porventura apagado pela escuridão ou ofuscado pela claridade?
O céu encoberto é a melhor paleta de cinzas que há. Um grande espelho a céu aberto, digo, a céu fechado. Neles se enxergam - e enxergam os seus dias - aqueles que não estão enebriados por júbilo nem afogados em penar, pois esses não conhecem os meios-termos.
O cinza é a virtude dos sãos, dos comedidos, dos côngruos, dos sóbrios, enfim, dos chatos para quem a vida nem sempre é sonho ou pesadelo. A virtude dos que conseguem ver seja o sol tentando aparecer por entre as nuvens, seja as nuvens carregadas encobrindo o brilho do sol, pois, mais do que sol ou chuva, vêem o mormaço perene e uniforme que queima, esquenta e ilumina. Sabem a obviedade - e por isso não sofrem por antecedência - de que, enquanto não escurecer de vez, ainda é dia.
2 comentários:
O alento - ou desalento - da vida é saber que a maioria dos dias serão cinzas.
O que seriam dos dias claros sem os dias cinzas?
Realmente...
Adorei o tema e a direção do texto.
;*
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